Um brasileiro é parte do Nobel. E de um mundo de vergonhas

Paulo Moreira Leite publicou ontem um necessário artigo recordando que o Prêmio Nobel concedido à Organização para a Proibição de Armas Químicas se deve, em boa parte, aos esforços de um brasileiro que foi vitimado pelo ânimo belicista do Governo dos Estados Unidos.

José Maurício Bustani, diretor-geral da Opaq, eleito em 1997 e reeleito por aclamação em 2000. Bustani  ampliou número de Estados membros da Organização de 87 para 145 países. Até que foi, no início de 2002, subitamente deposto, depois de confrontar os interesses americanos, que criavam dificuldades para permitir vistoria em seus arsenais químicos e, sobretudo, pelos esforços para conseguir a adesão do Iraque, então sob o governo de Saddam Hussein, ao tratado de proibição de armamento químico.

Isso, é claro, dificultaria a invasão americana àquele país, como impediu, agora, no caso da Síria.

Falta, apenas, no texto de Moreira Leite uma informação que raramente é publicada, porque nossa mídia gosta de, a exemplo do que ficou simbólico, tirar os sapatos para os EUA.

Bustani venceu uma ação no Tribunal da Organização Internacional do Trabalho – que tem jurisdição sobre os servidores da ONU -, que proclamou a ilegalidade do afastamento de Bustani e condenou a Organização das Nações Unidas a indeniza-lo, por danos morais e materiais. A sentença está aqui, em inglês.

Embora não haja o que indenize o mundo pela guerra, nem aos mortos pelas vidas perdidas, fica o reconhecimento de que, no Nobel de hoje está a decência e a coragem de ontem, de um brasileiro que merece parte deste prêmio.

Lições amargas de um Nobel que não se poder festejar

Paulo Moreira Leite

Num país onde tantos cidadãos lamentam a ausência de um Prêmio Nobel na lista de orgulhos nacionais, o diplomata brasileiro José Mauricio Bustani cumpriu um destino mais do que exemplar.

Nenhum brasileiro ficou tão perto de um Nobel como ele.

Em abril de 2002, Bustani foi afastado da direção geral da Opaq, sigla de Organização Mundial pela Proibição de Armas Químicas, por pressão do governo norte-americano. Na semana passada, onze anos e cinco meses depois, a Opaq recebeu o Prêmio Nobel da Paz, uma homenagem indireta a Bustani, dirigente que, a frente da organização, conseguiu lhe dar estatura de organismo internacional relevante.

Mas o Brasil não pode fazer uma festa. Na hora necessária, em 2002, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o governo brasileiro entregou Bustani a própria sorte.

Eleito e reeleito para direção-geral da Opaq, posto que o colocava no centro de diversosacontecimentos mundiais do período, Bustani trouxe dezenas de países para integrar os quadros da Opaq, situação que permitia a realização de inspeções internacionais para apontar e destruir armas químicas.

Os problemas com os Estados Unidos começaram quando ele insistiu em fazer inspeções naquele país, sempre disposto a verificar arsenais de outras nações, mas sem a mesma disposição para fazer o mesmo em suas fronteiras.

A situação agravou-se quando Bustani se mobilizou pela filiação do Iraque de Sadham Hussein na Opaq. Era uma medida que permitiria dar uma solução pacífica para um impasse que se acumulava depois do 11 de setembro. Se o Iraque possuía armas químicas, como Washington denunciava, seus arsenais poderiam ser localizados e destruídos. Se isso não era verdade, como se demonstrou, seria possível questionar um pretexto cultivado pela Casa Branca para justificar a invasão daquele país, que acabou ocorrendo 13 meses depois da queda de Bustani, numa operação militar que produziu pelo menos 200 000 mortos, gerou um custo de 4 trilhões de dólares e ajudou a colocar a economia mundialnum precipício que iria explodir em 2008, do qual não se recuperou até hoje.

Talvez fosse ilusório imaginar que um diplomata poderia, sozinho, impedir uma ação desse vulto. Mohammed Elbaradei, diretor da Agencia Internacional de Energia Nuclear, chegou a denunciar, no Conselho de Segurança da ONU, que os argumentos de que Sadham Hussein possuía “armas de destruição em massa” se apoiavam em documentos forjados e a guerra foi declarada mesmo assim.

Mas havia uma possibilidade de resistência, e foi isso que o Nobel premiou. (O próprio Baradei foi premiado pela mesma razão em 2005).

O esforço de Bustani foi anulado pela pressão direta de Washington, que passou a trabalhar por seu afastamento assim que se verificou que a atuação do diplomada poderia atrapalhar os planos de guerra.

Pressionado pela Casa Branca, o Itamaraty assumiu uma postura submetida. Sequer mobilizou aliados para defender o diplomata contra uma decisão que não era prevista pelos estatutos da entidade. Bustani cumpria seu segundo mandato a frente da Opaq. Nas duas vezes, fora eleito com apoio dos votos dos Estados Unidos.

Numa tentativa de barganhar a destituição, funcionários americanos de segundo escalão chegaram a sugerir que o Brasil assumisse o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, em substituição à irlandesa Mary Robinson.

O próprio diplomata recusou, conforme explicou, na naquele momento, em entrevista a Eduardo Salgado: “Se tivesse saído quieto quando os americanos mandaram, eu poderia estar num belo posto. Mas não seria uma pessoa feliz.” Ele também disse: “Fui um obstáculo para os americanos porque agi de maneira independente, fazendo com que as regras valessem para todos. Dos Estados Unidos ao Paraguai. Em tese, os americanos aceitam que as regras valem para todos, mas talvez não queiram que seja assim na prática. “

Bustani foi afastado numa decisão de 48 votos a favor da destituição, 6 contra e 43 abstenções. Se não parecia possível garantir a transformação de todos as abstenções em votos a favor da permanência de Bustani, o Itamaraty não assumiu uma postura mais firme diante uma diplomacia imperial que empurrava o mundo para uma guerra com base num pretexto que já poderia ter sido desmascarado naquele momento. “Basta verificar os votos dos países latino-americanos para constatar se houve ou não empenho do governo brasileiro. Quando o próprio governo brasileiro diz que a direção da Opaq não é importante para o Brasil, sinaliza para os outros países que não deseja o apoio deles”, disse a ISTOÉ, em 2002, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães.

Afastado da Opaq, Bustani foi mantido na geladeira profissional do Itamaraty nos meses finais do governo FHC e só voltou a ocupar um posto a altura depois da posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Foi nomeado embaixador em Londres e, depois, em Paris.

Fernando Brito:

View Comments (11)

  • Não se pode dizer que o PSDB/FHC não tenham dado uma ajudinha aos EU e a Bush para fazer a guerra no Iraque.
    Como se vê, a vergonhosa diplomacia dos pés descalços do PSDB/FHC também favoreceu a mentira e o genocídio estadunidense no Iraque.

  • Esse xara nao nega o nome. Conversa fiada pra cima dele nao cola. Bem diferente de uns e outros, que levam esbregue do malandro coco do Clinton.

  • Se você ver o HOMEM, mande-lhe um abraço grande por mim e por minha família.
    Agradeçemos a ele por não negar onde nasceu! Parabens!

  • Minha maior preocupação e se este dinheiro que vai entrar ,no Brasil ,através do Leilão , vai ser bem aplicado para o bem dos brasileiros ou vai se perder boa parte no vale da corrupcao

  • Minha maior preocupação e se este dinheiro que vai entrar ,no Brasil ,através do Leilão , vai ser bem aplicado para o bem dos brasileiros ou vai se perder boa parte no vale da corrupcao

  • O tal de Caetano deve estar roxo de vergonha na cara pelo apoio aos mascarados. Ou não.

  • o importante e que todos saibamos e que todas essas boas pespectivas de riquesas sao um projeto de estado nao de partido ou de governo,mesmo governo e partido passam mas o estado continua e isso que os consevadores nao entedem,eles nao sabem separar oposiçao ao governo com oposiçao ao pais,alguem viu discurso que aecio neves fez para os investidores em nova york?ele simplemente os aconselhou a nao investirem no brasil tem que ser muito estupido e canalha pra fazer uma coisa dessa,mais e assim mesmo quem nasceu pra aecio naves nunca chega a jk.

  • O tal de Caetano deve estar roxo de vergonha na cara pelo apoio aos mascarados. Ou não.