Governador, (afinal era assim que sempre o chamava, porque nunca tive idade para chamá-lo de Brizola nem a bajulação de chamá-lo de “chefe”)
Ontem, 21 de junho, se completaram 15 anos desde a última vez que o vi com vida, entrando como um desesperado com um telefone celular no centro cirúrgico do Hospital São Lucas, para colocar o Dr. Adib Jatene em contato com os médicos que tentavam salvar sua vida, algo impossível, como ouvi dele próprio.
Não fiz questão, ontem, porém, de falar de sua morte e deixo para escrever hoje, um dia 22, como era 22 o dia de janeiro de outro 22, o ano em que o senhor nasceu Itagiba Brizola – que virou Leonel por artes do Leonel Rocha, insurreto gaúcho de 1923 – na perdida Cruzinha, beirada do distrito de Carazinho, beirada de Passo Fundo.
Tive o privilégio improvável de conviver com o senhor por 22 anos. Diariamente, por 18 destes anos.
Jamais compreendi como o senhor me suportou.
Nossa relação sempre foi elétrica.
Nos momentos de intimidade, o senhor me chamava, lembro todo dia, de “Brito velho”, embora eu tivesse 36, quase 37 anos a menos.
Brito velho, eu sabia, era o Carlos de Brito Velho, seu contemporâneo e adversário figadal, nas lutas politicas dos gaúchos, nos anos 50.
Nunca me incomodei com isso, ao contrário.
Sempre gostei desta tensão entre nós, que nunca foi agressiva e intolerante.
Eu fazia o papel que me era vital, o de ser rebelde, e o senhor, o que lhe era o mais raro a um líder político, o de poder continuar a apreciar a rebeldia.
Tenho saudades deste convívio, embora ele fosse absorvente ao ponto de aniquilar a “vida pessoal”.
Minha mulher à época, permita a indiscrição, dizia que “Leonel Brizola é o melhor anticoncepcional que existe”.
Não havia manhã, não havia fim de noite, não havia férias, feriados, lazer.
Nem para mim, nem para o senhor.
Mas existiam as noites de sexta-feira.
E a ‘balada” era escrever a sua coluna nos jornais, o Tijolaço que nomeia este blog, no qual, sem autorização, busco perpetuar o que fomos.
Era uma tortura – deliciosa, confesso – de décadas.
Como o senhor não podia ir a um botequim, o escrever era uma arte de convívio, de conversa, de troca de ideias.
No início, uma aula para mim. O texto ditado pelo senhor, andando, falando como num debate.
“O bem escrito é o bem falado”, dizia.
Depois, com o convívio, o tema sugerido, sabendo que eu caminharia como pelos seus passos, não por o seguir, mas por ter o mesmo rumo.
Depois, a liberdade de tomar as rédeas e ter apenas a sua mão de taura velho a refreá-las, não deixar que o xucro tomasse o freio nos dentes.
Jamais entendi porque o chamavam de autoritário, porque duvido que alguém gozasse tamanha liberdade de falar sobre e pelo outro como tive com o senhor.
Com o devido perdão de meus contemporâneos jornalistas, perdi a conta das “aspas” que formulei em seu nome, como suas declarações.
Obrigado, governador, por ter tido este privilégio, que jamais foi um sofrimento, apesar dos que acham que a política é garantir um fim de vida com sinecuras e privilégios.
Sei, que apesar de todas as suas diferenças com o Lula – dois bicudos não se beijam – ouvi de sua boca sempre o reconhecimento à natureza exótica dos que são flor da terra.
Não falo nunca em seu nome, mas sei que muito do que falo tem a sua alma, sem a sua verve, é claro.
Mas não creio que fôssemos brigar pelo que digo hoje.
Não levo a sério o “Brito Velho”.
Sou um velho agora, tão velho quanto o senhor era quando o conheci, pelo que creio que finalmente confluimos as nossas idades.
Somos jovens, eternamente jovens!
Com um abraço de quem, agora, o tempo permite se dizer seu amigo,
Fernando Brito
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ah, Fernando Brito... sempre achando um jeito de emocionar a gente, de deixar a ternura aflorar nesses tempos em que temos que ser tão duros pra sobreviver. Obrigada e como vc foi mesmo um privilegiado. abraço, brito velho
O Brizola só não se chacoalha no túmulo, vendo a bosta que o PDT se tornou com coroné ciro (o qual, aliás, odiava Brizola) e outros tão ou mais fedorentos, porque temos o Fernando Brito a honrar o seu legado.
Brizola, na casa dos meus avós, onde cresci, era mais que qualquer santo. Meu irmão e eu por muito tempo ouvimos no rádio o Hino da Legalidade. Cantávamos e marchávamos em frente de casa, junto com outros guris. O tempo passou e, nos primeiros dias abril de 64, a milicada assanhada, se imaginando dona do mundo, minha mãe nos levou a algum lugar e passamos diante do Palácio Farroupilha, em Porto Alegre, onde Brizola resistira e enfrentara a ameaça de ataque, no fim de agosto de 1961. Quando passamos diante da guarda do palácio saímos cantando, aos berros, e marchando: "avante brasileiros, de pé, unidos pela liberdade..." Minha mãe, apavorada, nos tocou por diante e nos mandou calar. Pois, aí é que berramos ainda mais e passamos, já diante da Catedral, na mesma marcha, com minha mãe nos ameaçando e suplicando que parássemos. Não sei o que nos levou a fazer isto, mas, para nós, guris, o palácio era Brizola. Tive oportunidade de vê-lo, anos depois, na campanha para presidente, em 89. Eu era escrivão da polícia civil, em Santa Maria e trabalhava sob as ordens de um amigo querido, um delegado que idolatrava Brizola, quando ele, em campanha, percorreu a cidade, em carreata, na caçamba de uma camionete. Berrávamos, entusiasmados, quando a camionete passou lentamente por nós. O velho caudilho, de lenço vermelho no pescoço, se voltou para nós, rindo e acenou. Mas, havia "aquela emissora" no caminho.
Sr.Fernando.Não se diexe influenciar,por SAUDADES.Os mais jovens,não a sentem mais.Isso resultou,nos BÓSTA-ONARO DE NOSSAS VIDAS.
As palavras de firmeza, de convicção e de ideais bem assentados não impedem as palavras de generosidade, de compreensão e de tolerância de Fernando Brito.
Nele, o trabalhismo, como tradição política desde Getúlio, Jango, Brizola, Darcy e muitos outros, continua sereno, otimista, de sempre, e portanto não tem absolutamente nada a ver com o "trabalhismo nacionalista" tardio, postiço, reacio, patrioteiro e, principalmente, oportunista de garotos precocemente envelhecidos ou envilecidos e de velhacos infantilizados.
Fernando Brito é fiel ao seu passado e por isso o honra, como honra também o seu presente.
Parabéns para esse incansável soldado desse nosso exército de muitos homem e mulheres, que sozinhos e quixotescamente não se dobram, nem perdem a esperança e nem a razão.
Belo texto,belas lembranças.Ele faz falta
Brito, a coluna "Tijolaço" era esperada com ansiedade para nos ajudar com argumentos na defesa da política de inclusão do GRANDE BRIZOLA.
Digo hoje para meus amigos que o LULA pecou em não responder numa coluna semanal (tipo TIJOLAÇO) todas as mentiras que a mídia inventava (ainda inventa) e amplificava contra ele.
** Já imaginou o BRIZOLA com ajuda da internet???
Pois é , um dos muitos erros do Lula.
Grande Brito, velho nunca...o Brizola gostava de ir no nosso sindicato, quando ia ao centro do Rio. A nossa categoria o adorava, e ajudamos a causa trabalhista ao mencionar sua presenca no SindJustica. Fazendo muita falta, o comandante.
Lindo texto
Como nao se emocionar? Belo texto
Obrigado, Fernando Brito!
Poxa Fernando, assim fica difícil segurar as lágrimas. Tínhamos tanto e hoje nada temos. além da destruição do país. Da nossa esperança nada resta pois, um deles já se foi e o outro resiste numa masmorra a espera da liberdade que provavelmente nunca lhe será concedida...