Hoje, às 18 horas, no Sindicato dos Engenheiros, no centro do Rio, velhos brizolistas vão se reunir para afirmar sua decisão de apoiar, já no primeiro turno, a candidatura de Lula à Presidência. Por isso, e pelas razões que o próprio texto indicará, resolvi escrever uma carta, infelizmente imaginária àquele que, no final das contas, é quem nos reúne e reunirá nesta tomada de posição: o próprio Leonel Brizola.
Caro Governador,
Só daqui a um tempo, que nem eu tenho como precisar, poderei entregar pessoalmente esta pequena carta.
Como fizemos ao longo de anos, certamente vamos revisar o texto, disputando e remendando algumas palavras, como fizemos durante duas décadas de Tijolaços, por horas seguidas. Mas, como naquela época, espero estar interpretando corretamente seus pensamentos, embora sem a mesma agudeza.
Governador, embora o senhor nos faça muita falta, prefiro que o senhor não esteja mais por aqui.
Porque é muito triste ver o que fizeram ao nosso país. Fome, desamparo, pobreza e miséria por toda a parte, violência política assustadora e muitas regressões ao passado em tudo, até na vacina da pólio, algo monstruoso para nossas crianças.
Fico pensando quantas vezes usaríamos palavras de seu vocabulário incomum: energúmenos e paquidermes iam-lhe sair às dezenas, com seu sotaque inconfundível, para referir-se aos toscos e insensíveis que estão na nata deste país.
Aos 100 anos de vida, até para o senhor, acostumado às lutas mais brutas, seria dose para elefante encarar o que vivemos hoje. Para nós, ao menos, é.
Porque chegamos à fase conclusiva de nossas vidas tendo que, como fazemos hoje, nos apresentar ao combate, em lugar de estarmos numa noite de confraternização de velhos companheiros. Ou não, porque talvez seja exatamente isso que nos torna irmãos: a luta, da qual jamais desertamos.
Não preciso explicar o que se passa – aí de cima o senhor deve estar vendo até mais com mais clareza – e nem ficar falando em ideologia: lembro de sua frase dizendo que ela era indispensável como bússola quando a realidade era nebulosa, mas que quando a visão era limpa e clara, era nos olhos e nas referências sociais que deveríamos confiar.
Está tudo claro, comandante. O povão, como naqueles tempos de suas gloriosas campanhas ao governo do Rio, já escolheu quem será o seu instrumento e ninguém lhe comprou a consciência com um prato de lentilhas – e olhe que a fome é grande.
Escolheu Lula, se não por tantas outras razões, por aquela que, em 89, nos deu o invencível Darcy Ribeiro: a de que da boca do líder metalúrgico,”não ouviremos mais falar do tolo orgulho de sermos a segunda economia agrícola do mundo, produzindo soja para engordar porcos no Japão, mas indiferente à fome do povo”.
Há gente pequena, que se confunde e não segue o chamado que o povo brasileiro nos faz. Gente pretensiosa, que se crê dona da verdade e despreza o processo social que nos deveria conduzir. Gente que prefere ficar à margem e, pior, vociferando contra a escolha popular, esquecendo daquilo que o senhor sempre nos dizia: confiem na sabedoria e na memória popular.
É claro que não esquecemos das rusgas e conflitos que tivemos com Lula. Mas também lembramos, como se fosse hoje, do momento em que, com tudo isso, o senhor lambeu as feridas da derrota de 89 e não deixou que se desviasse dele um voto sequer dos milhões que vieram do Rio, do Rio Grande, e de onde mais houvesse um brizolista.
Diferenças havia, e não somos, o senhor dizia, todos cordeirinhos brancos e apascentados.
Não! Somos lenha boa, daquela que sai faísca. A fidelidade ao povo brasileiro e ao fio da História, que nunca se desamarrou de nossas vidas, nos traz aqui hoje e nos trará sempre, enquanto vivermos num país não for a pátria da educação, da justiça, da liberdade, pátria de tudo o quanto representam as lutas sociais do povo brasileiro.
Não usurpo, Governador, as suas decisões, ainda mais quando não podem mais ser tomadas neste plano onde ainda estou. Por isso não digo o que o senhor faria. Mas, depois de tantos anos, sei bem de que lado estaria Brizola, o homem que me ensinou que nós somos apenas aprendizes do socialismo, cujo mestre era o próprio povo.
O senhor nos tocou reunir, chefe, e estamos aqui. Não questionamos as decisões do PDT hoje tão pequenino e esmaecido. Como naquela triste descrição de Drummond fez do esbulho da sigla histórica do trabalhismo, nós também não podemos fazer nada mais com as três letras, que a gente tanto amava e que hoje, como doem.
Mas devemos fazer por seu nome o que o senhor fez pelo trabalhismo: não permitir que essa ideia se perca no oportunismo eleitoral e num insano egoísmo pessoal. Não será posto, como nunca o fizeram, a confrontar-se com o povo brasileiro. Muito menos pela mão de quem foi, enquanto o senhor andava por estas plagas, um aliado eventual, mas não seu companheiro de partido, como fomos todos nós.
Nós estamos aqui, governador, para dizer que não será em seu nome ou em nome do brizolismo que se dividirá o povo brasileiro, que se arriscarão as liberdades e a democracia dará uma sobrevida política a este paquiderme energúmeno, que diz “e daí?” para a morte de nossos irmãos.
Não em seu nome, Brizola, não em nosso nome, que é o seu.
Brizola sempre, Lula já.
Fernando Brito