Uma dolorosa decisão, da qual não posso mais fugir

Peço licença aos leitores para tratar de algo que me envolve pessoalmente, mas num blog, onde inevitavelmente a relação entre autor e leitor acaba por ser algo pessoal, julgo ser indispensável que o faça aqui, diante de todos, embora constrangido por falar na primeira pessoa.

Desde o início do ano já me decidira a sair do Ministério do Trabalho, onde era Chefe de Gabinete de Brizola Neto. O desgaste político já era imenso e, na longa vida, aprende-se que o afastamento  é um imperativo para que as relações, de qualquer espécie, não envenenem e maculem o respeito, a consideração e a amizade pessoal.

Afinal, ele é alguém que vi passar, sob meus olhos, de um pequeno menino a um homem adulto, com ideias políticas que não lhe reduzem Brizola a um sobrenome.

Impediu-me de fazê-lo logo um infortúnio de saúde, que acabou por me colocar “de molho” e a cateterismos cardíacos. Assim que voltei, cuidei de minha demissão. Infelizmente, e pressentir não é saber, ela viria a ser publicada apenas dois dias antes de que o próprio Brizola Neto fosse, também, apeado do Ministério.

A carta que publico a seguir, pronta desde antes disso, ficou guardada a pedido dele. De fato, não me cabia assumir uma postura pessoal que contrastasse com o silêncio a que ele próprio se obrigou, em nome de sua lealdade ao governo e ao projeto de mudança deste país.

Agora, porém, preciso deixar claro o que penso e porque me mantenho em silêncio sobre os acontecimentos envolvendo o PDT e o Ministério do Trabalho.

Por minha única e exclusiva decisão, creio necessário agora enviá-la e dela dar conhecimento aos meus amigos, inclusive os que me honram com a leitura deste Tijolaço. Talvez os medíocres e os idiotas creiam que o faço por Brizola Neto. Os que me conhecem sabem que, com o neto ou com o velho Leonel, só falo aquilo que eu próprio penso.

Tenho ficado e ficarei ausente deste assunto, em obséquio da isenção que procuro ter: não na política, mas no campo pessoal, onde não me movem ódios ou rancores, mas escolhas e opções.

Envio hoje, ainda com a mesma data em que foi escrita, a carta que transcrevo abaixo.

A Executiva Nacional do PDT,

Há exatos 30 anos, Leonel Brizola tomava posse como Governador do Rio de Janeiro. Era o início do fim da ditadura que, 18 anos antes, derrubara o Governo trabalhista de João Goulart. 

Uma geração de jovens começava a compreender, ali o significado transformador do trabalhismo, ao qual nossas elites torciam os seus narizes udenistas.

Eu era um deles, vindo da militância sombria e triste da “esquerda convencional”,  flutuando, maravilhado, no caudal popular daquilo que viriamos a chamar de “o processo social”.

Tive a sorte e o orgulho de ter estado presente em cada dia desta trajetória, das pequenas reuniões com eleitores, quando os 2% do Ibope teimavam em negar a paixão que Brizola despertara no Rio de Janeiro, até a tarde-noite dolorosa de sua morte, no Hospital São Lucas.(*)

Com ele, tive a oportunidade de viver a História de meu país: no fim da ditadura, na campanha das diretas, nos enfrentamentos difíceis contra a farsa do Cruzado e da violência urbana e do seu permanente e corajoso enfrentamento com o império Globo.

Palmilhei, com ele, este país em 1989 e vi sua grandeza, ao ser-lhe tomada a chance de travar a grande luta de sua vida, de formar ao lado de Lula, transferindo-lhe o bastão eleitoral ali e, sobretudo, todos os milhões de votos que havia recebido.

De igual forma, quando o oportunismo e as deformações políticas daqueles que Brizola havia tirado do nada para postos de Governo e projeção política começaram a descarnar o PDT, permaneci com ele. Não por um “brizolismo” subalterno ao “chefe”, mas porque aqueles movimentos iam na direção em que, basta olhar onde estão hoje seus líderes, na direção do conservadorismo e da fisiologia política.

Por tudo isso, sinto-me obrigado dividir com vocês a tristeza e a repugnância  em ver o nome Brizola, na figura de seu neto, sendo mastigado e devorado por aqueles a quem caberia, na direção do PDT, tratar não apenas com respeito pessoal, mas até mesmo com carinho e zelo o mais destacado entre os descendentes do grande líder  que escolheram a política.

Brizola Neto não está sendo derrubado do Ministério do Trabalho por denúncias de irregularidades. Nem pelos deméritos que possa ter – e os teve – sua gestão, marcada, desde o início, pelo isolamento que as cúpulas partidárias e parlamentares lhe impuseram. Não sugeriram políticas, não ofereceram apoio, nem mesmo diálogo. Diziam que ele não representava o PDT, mesmo sendo neto e colaborador de Leonel Brizola . 

Alguns chegavam a babujar de ódio, mas conservaram todas as posições obtidas no Ministério do Trabalho. Brizola Neto não os representava, mas os seus afilhados eram intocáveis e ai dele se os substituísse.

Por isso, as políticas que queríamos e poderíamos implementar morriam à míngua de um massacre que não se podia romper, sem que isso afetasse gravemente a base de sustentação ao governo que integrávamos. E por nada o faríamos, pelo que ele representa para o povo brasileiro.

Mas isso ainda era pouco. Era preciso pressionar e constranger a Presidenta da República, que tinha cometido a suprema heresia de escolhe-lo Ministro. E o método para isso foi cortejar pretensos candidatos de oposição ao governo, mesmo que este seja o primeiro governo que, meio século depois de Goulart, tenha voltado a elevar salários e defender o patrimônio nacional.

Foi para servir a um projeto assim que dediquei toda minha vida adulta.

Não, certamente, para servir-me disso. Por isso, deixei o cargo de Chefe de Gabinete do Ministério. Não estava ali por conveniência, mas por colaboração e não há em que pudesse continuar a colaborar, senão numa luta que destrói o PDT e esvazia o Ministério mais ligado ao trabalhador.

Saio de cabeça erguida, serena, não tendo praticado um gesto que desonre as boas práticas administrativas, políticas e éticas. A ninguém persegui ou desrespeitei, a nenhum companheiro e a nenhum servidor. Se acaso, a algum, por sobrecarga de trabalho, dei menos atenção do que deveria, peço que o releve.

Dói, depois de mais de 30 anos de militância, mas devo dizer não pertenço a um PDT que constrange, humilha e chantageia politicamente a ninguém, menos ainda a um Brizola.

Sou de outro PDT, aquele da rebeldia, do despojamento, dos que abrem mão de tudo, menos da honra e da dignidade e, jamais, do amor primordial ao Brasil e ao povo brasileiro.

Deste PDT obscuro, mesquinho, indigno, agarrado a poderes pessoais e grupistas, com meios que abomino, eu hoje me desfilio, por meio desta carta.

Deste, mas não daquele que foi o meu partido de 30 anos e continuará a ser para sempre: o PDT do trabalhismo, do brizolismo transbordante de paixão, da convicção de que o nacional e o popular jamais se separam e de que é o povo brasileiro a origem e a fonte de toda a riqueza e que dele devem ser, por isso, todos os frutos do trabalho e da natureza deste país magnífico.

Aos que ficam, desejo que consigam evitar que estas três letras tenham de ser rasgadas amanhã, como há décadas teve Brizola de fazer com a sigla PTB, porque delas se adonaram pessoas que, vindo das mesmas origens políticas, passaram, por conveniência, a viver do golpismo e, em nome de poder e posições, a cortejar os inimigos do povo brasileiro.

Os trinta e dois anos que passei sob essa bandeira só me deixam orgulho. Sobretudo o de, enquanto Brizola viveu, integrar a direção do partido que sob ela se reuniu. Três décadas me separam do rapaz que se lançou nessa fantástica aventura e, nelas, não recordo de um único arrependimento essencial.

A vida partidária deu-me muito: a coerência e o privilégio de ter vivido, ao lado de figura tão grande, as lutas do povo ao qual pertenço.

Brizola vive, sim, mas não em slogans e invocações vazias. Vive em gestos, em amor ao povo brasileiro e numa atitude de nunca fazer política para sua conveniência, mas pelo Brasil.

Vive na memória dos que não vão desistir nunca, senão quando este povo for livre e feliz.

Brasília, 12 de março de 2013

Fernando Brito

(*)Retificado, porque errei o nome do hospital e um amigo me corrige. Obra do tempo…

Fernando Brito:

View Comments (63)

  • Fernando,

    Meus parabéns efusivos pelo seu trabalho desenvolvido. Suas palavras demonstram idealismo e vontade sincera de fazer da Política algo transformador para o povo desprivilegiado, sem interesses mesquinhos.

    Estenda esses parabéns ao Brizola Neto, político que admiro muito.

    Aproveito para perguntar, se você puder tornar isto público, se você se filiou a outro partido. E dê notícias do Brizola Neto, ok.

    Sua luta é indispensável. Abraço.

      • Pois deveria!
        Sei que, tal como o PDT, o PT precisa sofrer um expurgo para expulsar a escumalha que se instalou nele e, durante o processo, trazer gente boa pra dentro. Por que não tentar? Tenho certeza de que o PT o receberia de braços abertos.
        Reflita, Fernando, reflita.
        Um abraço.

  • é isso brito.essas figuras que se infiltraram no partido ,assistimos hoje a que propósito o fizeram. essas pessoas não vivem ao lado da honestidade acha vista ter sido pegos roubando dinheiro publico .novamente no mesmo lugar de onde tinham sido afastados .tentaram usar o nome brizola como escudo para seus desvios morais (.sinto orgulho do brizola neto de quem sou eleitor ,como era do outro .heroico brizola.) não conseguiram.o governo dilma deve um pedido de desculpas publica a familia brizola e seus eleitores.por trazer de volta essa quadrilha que desonra o nome de um grande partido politico

  • Tive o privilégio de conhecer pessoalmente, em minha modesta militância partidária - no antigo PDT - o imenso Leonel Brizola. Estive em seu velório no Palácio Guanabara onde, junto com centenas de partidários, pude reverenciar sua memória. Um feliz acaso me encontrou, um ano depois, em Porto Alegre - orgulho-me de meu sangue gaúcho - e assisti a Missa em homenagem ao grande brasileiro. O Tijolaço é o verdadeiro PDT que conheci, está em honestas e combativas mãos.

  • Coincidência ou não, no site http://www.sul21.com.br/jornal/todas-as-noticias/geral/organizadores-do-partido-de-paulinho-da-forca-esperam-contar-com-30-deputados/ aparecem os que se adonaram do partido para sua própria satisfação. Jorge Alberto Mendes Ribeiro já dizia que a Força Sindical era um sindicado pelego por ter sido criado pela Fiesp para fazer frente a CUT, tanto que o Medeiros fazia viagens para as arábias por conta dos empresários. Agora esses sujeitos da foto se dizem trabalhistas, mas são infiltrados que irão atender outros "interésses" e não os da Republica.

    • Pior é que está indo pra ser mais um partido de aluguel, se já não é.

  • Companheiro Fernando Brito, você será acolhido com convicção e carinho no Partido dos Trabalhadores. O PT também se vê em encruzilhadas cruciantes e precisa de pessoas com seu perfil para ajuda-lo a reencontrar o rumo. Seja bem-vindo!
    Meus cumprimentos a Brizola Neto, e meu lamento pelo que está acontecendo com o PDT do Grande patriota brasileiro, Leonel Brizola. Desejo que Neto também encontre seu caminho e com certeza será bem acolhido no PT.

  • A desconstrução da Política como meio de encaminhar e resolver conflitos agrada o "Patronato". Destruir essa ferramenta civilizatória remete ao período da escravidão. Por isso Brizola, Lula e outros são combatidos, obstruídos, caçados pelo "Patriciado" a serviço do Patronato.
    A perda da sigla PTB para Ivete Vargas, foi mais um golpe do Patronato contra Brizola. Equivaleria a tirar o "PT" de Lula.
    Da sede na rua Sete de Setembro no Rio, Brizola tenta erguer seu PDT. 1964 tinha passado, mas a perseguição foi ampliada, pois agora não haviam os apoios do início dos anos 1960.
    Sobraram seus companheiros de quase 20 anos atrás, mas o Brasil já estava dominado por uma elite mais perversa até que a do Império.
    Por um lado essa nova elite é "burra" por não perceber o país que tem nas mãos. E por outro esse Patronato nos traí por entregar nossas riquezas para as nações piratas de sempre.
    Lamento profundamente que o Partido tenha chegado a este ponto. A memória de Leonel de Moura Brizola não merece mais essa desconstrução do seu PDT.

  • Parabéns pela coragem! Gostaria de dizer que aqui no Maranhão, após a morte de Jacson Lago que foi muito difamado pelos grupos que mandam por aqui, então acabou-se o PDT, na verdade ele é mais uma ala do PSDB, aliou-se ao Castelo e continuam juntos até hoje. Uma opinião que tenho é que pessoas como vocês não podem ficar de fora da política, senão os corjas tomam de conta.

  • Vida que segue, Fernando Brito e Brizola Neto. As decepções e amarguras da vida política melhor formam o caráter de pessoas ou as deformam para sempre, fortunadamente, dos embates em que estiveram presentes, saíram ambos maiores e ouso dizer, melhores. Um forte e solidário abraço aos dois.

  • Sinto muito por essa dolorosa experiência. Sem oportunismos ou falta de respeito à sua dor, gostaria de dizer que, como petista, teria o maior orgulho de tê-los ao nosso lado, assim como já temos alguns ex-companheiros seus, os quais aqui no RS preferiram deixar o PDT e entrar no PT, compelidos pela repulsa de conviver com uma meia dúzia de oportunistas e aliados da direita que tenta adonar-se do partido por aqui. Causa tamanho constrangimento ver uma figura honrada como Carlos Araújo ter que submeter-se a um verdadeiro martírio para voltar a militar no PDT, sabendo que tais lambe-botas da direita não serviriam sequer para limpar os seus sapatos.