Vacina privada: ‘salve-se quem puder. Puder pagar

Aprovou-se, ontem, na Câmara dos Deputados, uma das maiores ignomínias que este país já assistiu.

Ou melhor: o coroamento cínico de uma regra há muito vigente aqui, a de que há dois Brasis.

Um, o das pessoas com dinheiro ou agregadas aos donos do dinheiro, com padrões de 1° mundo. Outro, da escumalha, dos que têm direito a comer se sobrar comida e a vacinar se houver vacina.

Porque é isso a autorização para que as empresas possam comprar vacinas – e vai ser no mercado negro dos laboratórios, que oficialmente só vendem a governos – e doar algumas “doses básicas” para a rede pública de Saúde.

Que empresas? Ora, certamente não será para as pequenas e médias, que não têm condição de bater às portas das farmacêuticas mundiais que têm vacinas, cuja única possibilidade de conseguir doses é comprar de atravessadores e espertalhões que desviem doses das compras oficiais – públicas e privadas – e as ofereçam naquele esquema que vimos na garagem de ônibus de Belo Horizonte.

Sim, de traficantes de vacina que consigam dar uma cobertura formal a negociatas que consigam fechar pelos desvãos da indústria farmacêutica.

Não há outra forma para isso acontecer, porque a guerra dos estados nacionais por mais doses para seus povos está intensa como nunca;

O empresariado brasileiro, que já teve suas figuras simbólicas no Barão de Mauá, em Roberto Simonsen e Antônio Ermírio de Morais, hoje tem como seus porta-vozes figuras como o ‘pateta do mal’ da Havan e e Carlos Wizard, o sujeito que havia se instalado no Ministério da Saúde, com Eduardo Pazuello, para maquiar os números da tragédia sanitária, em junho do ano passado.

No lugar dos “capitães de indústria”, temos agora os “Piratas do Caribe”, no sentido fiscal, que poderão vender suas quinquilharias com uma faixa na porta: “Loja vacinada”.

Os deputados e deputadas que lhes abriram as portas à picaretagem certamente receberão bons frutos desta vergonha. O “fura-filas” de um ou outro, agora, será institucionalizado às dezenas de milhares. E pode anotar que vão acabar fazendo isso com dinheiro público, via isenções fiscais, e sem sequer a obrigação de doar, como já vêm conseguindo na “Justiça”.

Ainda há, sem grandes chances de êxito, a improvável rejeição do Senado para impedir isso. E, quem sabe, o Supremo Tribunal Federal que, em tese, deveria guardar a Constituição, claramente violada em seu artigo 196:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

O governo, portanto, vê-se livre de boa parte da pressão por comprar vacinas. E as empresas que entrarem nesta negociata vacinarão seus empregados, que irão ao trabalho vendo, ao longo do caminho, os milhões de deserdados, dos quais agora tombam 4 mil ao dia.

 

 

 

 

Fernando Brito:
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