Wanderley Guilherme e as jornadas de junho

Reproduzimos abaixo um artigo de Wanderley Guilherme, publicado na edição corrente da revista Carta Capital. Antes alguns comentários. Uma das críticas que os blogueiros auto-denominados “progressistas” receberam, durante os nervosos dias das manifestações de junho e julho, foi de que seriam “anti-rua”. De fato, setores da esquerda fizeram críticas duras a algumas tendências que vinham se impondo nos protestos.

Entretanto, vale ressaltar a ironia da situação. Nós, blogueiros, às vezes brigamos (amistosamente) entre nós mesmos. Lembro-me, por exemplo, de uma dura polêmica que tive com Eduardo Guimarães, hoje acusado de ser um dos blogueiros “anti-rua”. Há uns 7 oi 8 anos, eu criticava Guimarães por achar que ele estava valorizando demais a importância de… manifestações de rua. Guimarães organizava protestos de rua, em geral contra os desmandos da mídia, e pregava a importância de descolarmos nossos traseiros de nossas respectivas cadeiras. Eu achava que não, que nossos traseiros tinham melhor função descansados sobre as cadeiras, e que o melhor era fazer o que fazíamos de melhor: usar as redes sociais e suas ferramentas para fazer a luta política.

Nas jornadas de junho, contudo, eu também fui à rua. Mais que isso, ajudei a organizar manifestações, como a que fizemos em frente à Globo, em julho, que juntou mais de mil pessoas. Também participei da troca simbólica do nome da rua Irineu Marinho para Leonel Brizola, também em julho.

Ou seja, as ruas não são monopólio de ninguém. A mesma coisa vale para a crítica a elas. Elas, as ruas, devem ser criticadas também, porque um monte de gente na rua não é sinônimo de avanço social. Também houve passeatas em prol de todo o tipo de ditadura. Não podemos criminalizar as ruas, assim como não podemos desqualificar, a priori, as críticas a elas. Ambos – as ruas e as críticas – são igualmente válidos, importantes e democráticos. Tudo depende, naturalmente, do tipo de manifestação ou crítica que se faz. Se eu vir um monte de gente marchando em defesa da ditadura, serei crítico, sem isso significar que sou “anti-rua”.

Dito isso, acho que estamos diante de inúmeras armadilhas para este ano, e todas elas têm a ver com o controle sobre a informação e o poder de interpretá-las em curto espaço de tempo para um grande número de pessoas.

Passemos ao artigo do professor Wanderley.

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VEM PRÁ RUA VOCÊ TAMBÉM

por Wanderley Guilherme dos Santos, na Carta Capital (Via Conversa Afiada)

O PSDB não chegou à direita pelas próprias pernas. Teve a ajuda do Partido dos Trabalhadores (PT) que se mudou para o centro, distendeu-o, e tornou praticamente inviável a existência de uma coalizão de centro esquerda. Aécio Neves nunca foi reformista, mas julgá-lo um direitista genético é exercício de ativista dogmático. O centro distendido sob hegemonia do PT empurrou a oposição para a vizinhança da extrema direita, precipitando a derrota intestina de José Serra, agarrado a um reacionarismo impensável em quem discursou no comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964. À oposição restam bandeiras pragmaticamente vazias, tais como a encenada indignação moral e acenos genéricos de eficiência. Sem falar no reacionarismo religioso e a defesa de um livre mercadismo de fachada. Como é notório, só com brutal intervenção do Estado um governo de centro-direita será capaz de subverter a legislação petrolífera, os programas Mais-Médicos e Minha Casa, Minha Vida. Mesmo para fazê-los definhar um governo de centro-direita precisará de boa dose de coação sobre uma burocracia estatal comprometida com o progresso, ademais de extrair enorme boa vontade do Congresso Nacional. Esse mesmo Congresso, aviltado pela imprensa conservadora e pela esquerda caolha, foi a instituição que aprovou o regime de partilha do pré-sal, ainda no governo Lula, e tem apoiado as principais políticas sociais do governo Dilma Roussef. Uma política de liberalismo desenfreado só será possível com a transformação do Estado brasileiro em variante do bismarckismo alemão. O avesso do que o eleitorado conservador deseja.

O centro estendido do PT também trouxe dificuldades para o campo progressista. A mais óbvia transparece na acusação de reacionarismo a qualquer opinião divergente, autônoma em relação à cadeia de comando dos líderes do centro-baleia, a começar pelas palavras de ordem do Partido dos Trabalhadores. Embutida na interdição esconde-se menor probabilidade de que deficiências reais de governança sejam proclamadas por aliados. Avanços sociais estão conectados a manifestações de inconformismo, sem automática identificação com a oposição do momento. Durante os governos Vargas e JK sucederam-se greves e passeatas a favor de políticas nacionalistas e de críticas a medidas específicas. As manifestações não atendiam a nenhuma convocação da direita, do tipo “Vem prá rua você também”, que atualmente apavora a esquerda e o governo. O governo opera com déficit de crítica consistente.

Reflexo do ambiente intoxicado, o sindicalismo operário emudeceu. Limitado a manifestos plenos de estereótipos, copia a genérica pauta direitista – ensino público de qualidade (nunca haverá suficiente, o conhecimento progride), saúde pública, transporte, moradia, segurança. Eligibilidade para os analfabetos, que é bom, nada; participação dos trabalhadores na administração das grandes corporações, nem pensar. Não mais do que dois exemplos de uma pauta latente, ausente da cogitação sindical. Os sindicatos não se recuperaram do choque de haver perdido o controle das ruas. Reescrever ideologicamente a história de junho de 2013 não garante a recuperação de iniciativa crível, seja por decreto, seja por currículo de glórias passadas.

Outra conseqüência da consolidação do centro expandido foi a instauração de um vazio institucional à esquerda, vicariamente ocupada por aglomerado de grupos heterogêneos. A coalizão parlamentar do governo tornou irrelevante o apoio da centro-esquerda. Sem considerar o PMDB, cuja análise não é simples, a coalizão do PT tem como coligados numéricos o PP/PROS, o PSD, o PR/PTdoB/ PRP, seguidos, até recentemente, pelo PSB, em parte pelo PDT e pelo PCdoB. O total de cadeiras deste último grupo (PSB, PDT e PCdoB) não ultrapassava 56 lugares. Só o PP, o PR e o PROS detêm um conjunto de 89 cadeiras na Câmara dos Deputados. A cooperação costurada entre os partidos deixou o PT a vários passos de distância de seu parceiro ideológico adjacente, o PSB (24 cadeiras). O rumo do governo é vigiado pelo núcleo duro da centro-direita. Independente dos motivos do governador Eduardo Campos, cujas alianças provocam resistências entre os socialistas, a saída do PSB do governo só surpreende pelo tempo que demorou a acontecer. Para um partido que busca crescer nas eleições proporcionais pela via ideológica da centro-esquerda, talvez a oportunidade tenha sido perdida. A tentativa de enfiar uma cunha entre o centro expandido do PT e o PSDB sofre das dificuldades diante da coalizão no poder e da incoerência ao aceitar o direitismo do Rede como segundo em comando (e há quem duvide que o Rede seja mesmo o segundo em comando) além das oscilações na conduta do candidato Eduardo Campos.

O vazio à esquerda tem sido ocupado por grupos inconformados com o estado do mundo, em geral. Desde logo, esse burburinho nada tem a ver com os “precariados” de Guy Standing (The Precariat – London, Bloomsbury, 2011), tese recém importada. Ao contrário de desempregados, trabalhadores temporários, classe média empobrecida e com miséria à vista, os manifestantes de junho de 2013 eram na maioria jovens de classe média ou empregados com salários acima de 2 salários mínimos (30,3% deles em 20 de junho de 2013, no Rio de Janeiro, segundo a Plus Marketing consultoria) e segmentos em processo de ascensão social. Outras pesquisas registraram o nível superior de estudos de expressivo número de participantes. Economicamente, o elevado custo do meio utilizado para a mobilização – as redes sociais eletrônicas – exclui os presumidos “precariados” da freqüência a participações. Vale registrar que, ao contrário da Europa, à intensidade das manifestações seguiu-se a rapidez de sua dissolução em números de manifestações, de participantes e de cidades contagiadas.

Além do equívoco da classificação de “precariados”, é simplismo considerar que uma convocação fascista obteria tamanho sucesso. Houve a infiltração fascistóide posterior, que terminou por se apropriar da liderança dos acontecimentos. A fragilidade estratégica desses aglomerados, contudo, revelou-se na velocidade com que os grupos de professores, enfermeiras, a maioria de funcionários públicos, foram abandonando as marchas. Reconhecer as diferenças entre os movimentos de 2013 e os movimentos europeus permite supor que as manifestações não aderiram, aqui, ao precipitado diagnóstico de fracasso da social democracia brasileira. A rejeição atingia todas as formas de participação institucionalizada. O que havia e há é um vácuo desde que a marcha para o centro levou o governo a esconder sob inegáveis vitórias econômicas a pauta de modernização do pluralismo social brasileiro: aborto assistido, relações homo afetivas, regulamentação do uso de drogas recreativas, pesquisas com seres vivos, temas, entre outros, eliminados por imposição da direita do centro. A Presidência tornou-se forte parlamentarmente ao preço de se enfraquecer perante a sociedade em mudança.

Algo de novo existe. Trata-se de inédito tipo de intervenção política. Grosso modo, a análise do capitalismo toma por base as classes, as corporações profissionais e cristalizados grupos de interesse. Entendo que os movimentos recentes são constituídos pelo ajuntamento de atores menos abrangentes do que as classificações preponderantes. Eles proliferam como pequenas coletividades de exígua tolerância e com exigentes critérios de pertencimento Denomino-os, sem ofensa, de “micróbios” (pequena vida), primeiro em razão de seu tamanho, e pelo fato de que não possuem denominador comum. Nem todos são patogênicos ou letais, que os há benéficos ao exercício da democracia. Nessa ecologia há lugar para micro legendas, como o PSTU e o PSOL, que encontram em tal cenário a rara oportunidade de serem notados. Comparecem também os grupos nanicos reivindicando direitos (moradores do bairro tal ou qual) ou só comemorando a própria existência, avessos a partidos, sindicatos ou corporações de ofício. São erupções intensas de vida política, mas de curta duração. Eficazes no curto prazo, sem influência em período mais extenso. Eleições são fenômenos de curto prazo, mas o fenômeno dos “micróbios” não é só eleitoralmente relevante. É uma criação da sociedade contemporânea e, portanto, compatível com a convocatória: “Vem prá rua você também”. Os democratas deviam adotá-la e voltar às ruas para conquistá-las.

 

Fernando Brito:

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  • Aqui do Alto Xingu, os índios transcrevem excelente análise sobre o tema, publicada no blogdaboitempo.

    ""A atualidade da política

    Por Alysson Leandro Mascaro.

    I. O capital preside a política

    É preciso entender que, no Brasil e no mundo, a política é ainda e cada vez mais do capital, não do Estado. Isto porque as decisões políticas das sociedades contemporâneas têm mais ligação com o interesse do poder econômico do que com aquele dos próprios governantes. Os Estados, que têm um papel fundamental na reprodução capitalista, ainda que decidam e atuem, têm se revelado, nas últimas décadas, caudatários das decisões imediatas realizadas por grandes grupos econômicos. Assim sendo, as questões mais importantes da política acabam por ser, diretamente, aquelas que interessam ao capital. Quando as decisões são tomadas a favor do povo ou de modo contrário às burguesias, por exemplo, os grandes grupos econômicos e seus interesses têm alta força de contenção e mesmo de sabotagem em relação a tais políticas que lhe sejam opostas.

    Neste ano de 2013, o maior exemplo do grande jogo entre a política e a economia, no Brasil, não se deu com as manifestações populares, mas, sim, com a relação entre o Estado brasileiro e o capital, em especial no refluxo das políticas intervencionistas dos últimos anos em favor daquelas marcadamente neoliberais. O caso notório é o da taxa oficial de juros. Após uma queda heroica nos primeiros anos do governo Dilma, a resistência e a pressão contrária do grande capital revelaram-se tamanhas, inclusive em termos de represália política e apatia econômica, que o governo retrocedeu em largos passos, majorando novamente os juros. Junto com a queda de braços em torno da taxa de juros, a depreciação insuficiente do câmbio, mantendo-o ainda elevado, e a insistência em políticas de contenção de gastos públicos para pagamento de juros da dívida são outros momentos cruciais da grande política. Nesse jogo, no qual poucas e enviesadas luzes foram lançadas pelos grandes meios de comunicação de massa e cuja complexidade escapa aos olhos da atenção quotidiana do povo, deu-se mais uma vez a derrota de políticas desenvolvimentistas em favor da retomada dos padrões neoliberais.

    Como romper então, definitivamente, com tais padrões neoliberais do atraso? Em todas as sociedades capitalistas, as políticas mais progressistas só conseguem se sustentar com grande mobilização popular. Para isso, é preciso que haja cultura política ativa nas bases sociais e, ainda, mecanismos de informação e de comunicação de massa plurais e arejados. Uma das grandes impossibilidades quanto ao enfrentamento dos interesses dos grandes capitais, no Brasil, se dá justamente porque há uma dinâmica de acoplamento imediato entre as burguesias nacionais e internacionais e os meios de comunicação. Assim sendo, o povo é sempre informado de modo que a boa notícia a ele propagada é, na verdade, contra seus interesses. Enquanto não houver o enfrentamento desse padrão, não há política econômica progressista possível ou sustentável, na medida em que o povo está orientado ideologicamente contra qualquer avanço que seja progressista. Como todo enfrentamento nesse nível demanda ampla mobilização popular, aí está o impasse, justamente por não haver apoio nem alavanca para mudanças. A política progressista, aliás, não deve só contar com o povo, mas, em especial, deve partir dele.

    Não há possibilidade de mudanças econômicas e sociais substanciais se não houver mobilização popular, politização das massas e exposição dos conflitos a serem superados. Ao contrário de outras experiências de esquerda da América Latina, os governos Lula e Dilma operam sem a mobilização e a politização do povo. Nesse quadro, até mesmo suas ações positivas não podem avançar. Ainda que louvada como prudência, trata-se de uma política que resulta apenas em ganhos residuais ou apoiada em margens de habilidade pessoal e sorte, pois administra conflitos como concórdia.

    As massas, hoje, continuam instrumentalizadas de modo conservador pelos grandes aparelhos ideológicos da sociedade. Como isso não tem sido enfrentado, a política, mesmo quando com laivos ou desejos progressistas, acaba sendo limitada ao talhe que a economia, a cultura e a sociedade promovem como sua média: conservador e/ou reacionário.

    II – Crise e política

    As manifestações populares são mais um termômetro a repetir que as condições da sociabilidade capitalista são exploratórias e insuportáveis. Os indignados não estão apenas no Brasil. Todas as sociedades capitalistas são deflagradas em conflitos. Revoltas de tipos próximos às havidas no Brasil explodem já há anos na Europa e nos EUA; no mundo árabe o mesmo se deu nos últimos tempos e, na América Latina, também de modo constante em muitos países. Assim sendo, é verdade que as manifestações possam ser pensadas pelo nível local, de problemas específicos, mas, principalmente, devem ser compreendidas por meio das questões gerais, das dramáticas condições de vida sob a sociabilidade capitalista.

    As atuais crises do capitalismo não têm sido enfrentadas a partir de suas causas, mas apenas por meio de mudanças superficiais ou cosméticas, quando muito. No mesmo impasse situa-se a contestação à crise. Contra o desemprego, quase sempre não se pede o fim da exploração capitalista, mas sim novos empregos. O imaginário político dos explorados está enredado nos limites do capitalismo, sem forças para superá-lo. Por isso as manifestações são cada vez mais explosivas, massivas, contundentes, mas sem horizontes profundos, sem aglutinação teórica e prática que leve à superação do capitalismo. Por onde elas começam, que é o nível da política imediata, do aumento da passagem do transporte público ou das condições urbanas, em geral é por onde também acabam. É notável e louvável que o povo e as vanguardas dos movimentos de contestação estejam nas ruas. Triste é apenas observar que tem faltado um rasgo ideológico capaz de fazer com que os indivíduos e os movimentos sociais queiram e possam haurir forças de luta estrutural contra o capital.

    No nível mundial, o capitalismo está numa espécie de “refluxo do refluxo”, isto é, num movimento agora de contenção da reação que se deu no pós-crise de 2008. Os tempos de intervencionismo começam a minguar em favor de discursos novamente neoliberais. A hegemonia das ideias conservadoras, que sofreu pequeno combate ao tempo de ápice da crise, volta à tona. O reacionarismo cultural campeia. Soma-se à política econômica de guerra norte-americana o seu poder de controle das informações, no que se avista como sendo um processo sem limites.

    Quanto às manifestações, que têm o condão de acelerar tempos históricos, juntaram-se às importantes pautas progressistas, ao seu final, outras tantas reacionárias. No entanto, as respostas políticas dadas pelos variados governantes nos planos federal, estaduais e municipais ao tempo das manifestações e posteriormente a elas foram múltiplas e contraditórias, entre repressão e estabelecimento de políticas públicas para um desafogo imediato dos problemas. Mas é preciso lembrar que políticas de caráter progressista são aquelas que tendem a respeitar movimentos sociais e manifestantes, dando vazão a seus apelos, enquanto um cariz conservador e reacionário os nega e os reprime. É por essa métrica que devem ser julgadas as respostas imediatas aos movimentos presentes.

    Contudo, mesmo as respostas progressistas – que eventualmente anelem encaminhamentos concretos às demandas dos movimentos e das manifestações –, têm dificuldade em avançar para além do desembaraçar imediato desses problemas sociais. Operando na salvação dos próprios parâmetros de sociabilidade do capital, até as políticas do presente de perspectiva progressista acabam por sustentar a exploração existente, prolongando, ao invés de cessar, a agonia do modo de produção capitalista, agonia esta que se vê, em especial, nos pobres do mundo. Não havendo remendos progressistas que revertam a crise do capital ou que estabilizem o capitalismo, a política transformadora só pode ser, então, aquela que aponta para a superação da sociedade da mercadoria.

    III. Ética e legalidade

    A reprodução social capitalista investe em afirmações ideológicas de ética e legalidade como se fossem seus padrões universais ou reclames necessários ao seu bom funcionamento. Seu uso é contraditório em seus próprios termos, na medida em que padrões éticos como o do combate à corrupção ou da legalidade como valor moral são impossíveis ao capitalismo, dada a própria natureza da sociedade da mercadoria.

    O assim chamado mensalão nem é o maior nem o único caso de corrupção no Brasil. A corrupção está atrelada à base da sociabilidade capitalista. Se o capital compra o trabalho e as vidas das pessoas, ele influencia sobremaneira os trâmites da política. A corrupção, assim, está perpassada por toda a sociedade. Desde os administradores das empresas privadas, passando pela população no geral em pequenas ilegalidades, até chegar ao nível eleitoral e estatal, o capital compra. Não é possível tentar criar espaços éticos parciais, incorruptíveis, em sociedades capitalistas, na medida em que o capital tem por natureza o poder de comprar. Uma ética da não-corrupção econômica só é possível em sociedades economicamente não-exploratórias. As campanhas moralistas de tipo udenista da atualidade, portanto, são cínicas – porque extremamente parciais e escandalosas apenas com os crimes que tenham sido descobertos ocasionalmente e, necessariamente, alheios – e, também, sabidamente alienantes, na medida em que encarnam em pessoas ou casos um problema que é de uma estrutura social, o capitalismo. Como não se mobiliza a sociedade para a superação do mundo do poder do capital, esse círculo de corrupção e posteriores expurgos parciais moralistas é vicioso, além de muito danoso, no final das contas, aos próprios explorados do mundo.

    No que tange ao Brasil, afirma-se cada vez mais o controle ideológico da sociedade, tanto na cultura e na religião mas, em especial, nos aparelhos de comunicação de massa, que pautam de modo conservador a política e os valores. Nesse quadro, o reclame da ética é, de modo absoluto, um jogo de manipulações, sombras e luzes dos grandes maquinários da construção dos valores e referências da sociedade.

    A mesma impossibilidade da ética afirmada e exigida se dá no que tange à submissão das ações econômicas e políticas a uma moralidade sustentada juridicamente. Sobre as revelações acerca da espionagem dos EUA contra o Brasil e vários países do mundo, eis mais uma prova de que o poder econômico não tem limites. Nem o direito internacional nem uma pretensa dignidade da inviolabilidade da vida privada podem a ele resistir. Não há, juridicamente ou moralmente, o que faça parar o poder do capital e de sua força militar, de tal sorte que os EUA nem pedem desculpa nem se predispõem a mudar seu comportamento. Isto porque quem pode manda. Os EUA, com seu complexo governamental industrial-militar, constituem, sustentam e alimentam a exploração capitalista sobre o mundo. Não há e é impossível que haja qualquer ética estrutural na política mundial do capital.

    IV. O plano eleitoral

    O ano de 2014 é mais um no qual a batalha política será jogada num campo reativo. No plano nacional, a política confinou-se a ser refém tanto das pautas dos meios de comunicação de massa conservadores quanto, em especial, de grandes estratégias de financiamento econômico privado. Quase sempre as eleições exigem posterior satisfação ou pagamento de financiadores, atrelando todo jogo político aos interesses do capital. A democracia, em sociedades capitalistas, opera como uma máquina de metrificação de opiniões já consolidadas, entregando justamente o que se espera, de modo reativo, sem maiores convencimentos ou aberturas de consciência política. Se a sociedade é preconceituosa, entrega-se então justamente o preconceito. Se o povo é desconhecedor das reais estruturas da política e da economia, opera-se exatamente nesse nível, fazendo marketing a partir dos estágios dados da ignorância. Trata-se de um nível baixo e rasteiro no qual a vida política se resume a fazer pedalar uma bicicleta já em movimento a fim de que não caia, mas sem jamais perguntar para onde se está indo ou se se pode ir com outro meio de transporte.

    Tal lógica perpassa desde as grandes eleições majoritárias nacionais até as municipais. Em todo o mundo, e o Brasil e os EUA sendo casos exemplares mas não únicos, o capitalismo atrela a consulta individual para escolha de ocupantes de cargos públicos – isso a que chama de democracia e eleição – a um rígido controle ideológico e a uma lógica que faz com que só se ganhe se financiado pelos capitalistas, devendo então a posterior política ser jogada e devolvida em favor destes. As eleições são a administração da chancela, pelo povo, do domínio do capital. Mercado, Dinheiro, Estado, Ordem, Direito, Democracia, Liberdade, Imprensa, Religião, Homem: enfileira-se o um do capital.

    * Com alterações, este artigo é, originalmente, entrevista concedida à imprensa paulista – O Regional, edição de 01°/01/2014.""

  • Não faz sentido o povo protestando aqui no Brasil onde a desigualdade social tem diminuído a cada ano. A única explicação é a de que a mídia faz mesmo a cabeça do povo. Os donos da mídia estão sempre atacando os governos da América Latina porque odeiam o fato de que na América Latina o povo tem melhorado de vida.
    Um relatório de uma ong britânica divulgou que a desigualdade no mundo piorou nos últimos 25 anos, exceto na América Latina, que conseguiu melhorar a distribuição de renda. Segundo o estudo, a concentração de renda no mundo está tão alta, que as 85 pessoas mais podres de ricas detém um patrimônio equivalente a da metade mais pobre da população mundial!
    "(...)"Este fenômeno global levou a uma situação na qual 1% das famílias do mundo são donas de quase metade (46%) da riqueza do mundo", afirmou o documento.
    A Oxfam destaca o caso brasileiro, apontando que o país teve "sucesso significativo na redução da desigualdade desde o início do novo século".
    "Em parte devido ao crescente gasto público social, uma ênfase no gasto com saúde pública e educação, um programa de transferência de renda de larga escala que impõe condições para o recebimento (Bolsa Família) e um aumento no salário mínimo que subiu mais de 50% em termos reais desde 2003", afirmou o relatório".

    http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/01/140120_riqueza_relatorio_oxfam_fn.shtml

  • "(...)aborto assistido, relações homo afetivas, regulamentação do uso de drogas recreativas, pesquisas com seres vivos, temas, entre outros, eliminados por imposição da direita do centro".
    Ao contrário do que diz o autor do texto, esses temas não têm nada a ver com esquerda ou direita. Tanto que os maiores defensores desses temas estão na maioria, no caso do Brasil, situados, politicamente, à direita, pois são temas apoiados enormemente pelas elites, contam com grande apoio no STF (vide votação sobre o aborto de anencéfalos e opiniões sobre esses temas nas entrevistas dos juízes de exceção), na mídia (que fazem até doutrinação em prol dessas "bandeiras" em novelas e programação de TV) e em políticos como FHC, grande defensor da liberação de maconha, por exemplo. Dizer que a defesa dessas posições faz parte da ideologia de esquerda é confundir as coisas. A esquerda luta por uma sociedade melhor e mais igualitária. Já esses assuntos citados são de outra esfera de discussão, que trata de valores morais e éticos, e só costumam entrar na esfera política, e de maneira indevida, nas campanhas eleitorais, quando por exemplo, um candidato de direita, favorável ao aborto, cuja mulher chegou a praticá-lo, diz ser contra.

  • Manifestações de rua não são necessariamente democráticas, haja vista as famosas (e tenebrosas) manifestações que apoiaram a ditadura. As manifestações de junho tiveram origem, participações e objetivos tão diversos, que qualquer comentário uniforme sobre elas é um grande equívoco, na minha modesta opinião.

  • O Wanderley foi um farol quase solitário em meio à histeria que engolfou o país em junho passado. Esteve corretíssimo em todos os momentos, inclusive já no rescaldo da fase mais aguda, quando criticou corajosamente a proposta estapafúrdia da presidente Dilma de constituinte exclusiva para fazer reforma política, mudada depois para plebiscito, ambas fracassadas.
    Agora, é impossível se procurar entender o que há de novo no plano político nacional, sem olhar para o que há de novo e perigosamente explosivo ocorrendo no mundo hoje. Em resumo, é impossível ignorar a guerra desencadeada pelo complexo militar corporatocrata, CIA et al., contra as pretensões da China de buscar os recursos necessários à sua sobrevivência como superpotência. Some-se a isso, a escassez real e a visão de uma crise de energia, e portanto de tudo, que se avizinha com grande velocidade. A corporatocracia global está diante do dilema da solução final.
    Localmente, a crise no centrão político nacional, garantidor da governabilidade, é reflexo da guerra entre as irmandades do globo e da oportunidade, pós Brasil privatizado, ambos partes dessa corporatocracia globalitarista.

  • As "manifestações" de Junho não troxeram nada de positivo , um bando de idiotas que começou por causa de R$ 0,20 centavos depois perderam o foco e coube a midia que tangia a boiada começar a falar de reformas , foi so a presidenta falar em plebiscito , que a turma toda calou a boca.
    O mais impressionante é que todo mundo ou grande maioria da midia e das elites vagabundas , condenam os rolezinhos , que não quebram nada não machucam ninguem , mas adoraram ver vandalos quebrando bancos e patrimonio público , essa gangue do millenium , black bostas , anonimous e outras porcarias influenciadas pelo PIG , tem que acordar e ver que a coisa não é assim , se forem atras da globo e etc , vão preder , alias ja perderam.

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