Sei que vou na contramão de muita gente bem intencionada.
Não há fundamento legal em violar o sigilo de comunicações em tempo real, como se quer fazer com o WhatsApp.
O paradigma é o da correspondência, a velha carta, que não pode ser aberta por ninguém entre o emitente e o destinatário.
Claro que se for apreendido um telefone com mensagens de cunho criminoso, isto deve servir como prova, como serviriam cartas apreendidas e que contivessem conteúdo criminoso.
Mas o que a gente vem assistindo é a disseminação do grampo, que agora querem também cibernético.
Eu e qualquer um temos o direito à privacidade.
Tenho o direito de falar, em particular o que quiser, com quem eu quiser.
O problema que está acontecendo com o WhatsApp é uma extensão do que se fez com a banalização da escuta telefônica e muitos dos que se indignam com o bloqueio do aplicativo batem palmas para o grampo telefônico indiscriminado.
Que virou uma cultura judicial no Brasil e, pior, uma cultura policial no Brasil.
Ninguém tem a menor ideia de quem e como se controlam os sistemas da Polícia Federal capazes de monitorar, ao mesmo tempo, milhares de telefones. Os sistemas de escutas se multiplicaram, as polícias estaduais têm, o Exército tem e, dizia O Globo, até o Carlinhos Cachoeira tinha um sistema de grampos.
O que se está discutindo e revoltando as pessoas é a suspensão do serviço.
Durou poucas horas e é irrelevante, apesar de errado.
Mas isso é só é um absurdo derivado, não o original.
É sobre o essencial que temos de pensar, e não ficar com essa visão provinciana, porque não é o fato de o WhatsApp ser estrangeiro o que está gerando polêmica.
É sobre nossa liberdade estar em jogo entre uma Justiça invasiva e corporações fora do alcance de nossas leis.
Temos capacidade tecnológica para fazer uma ferramenta de comunicação semelhante ao WhatsApp , ou até mesmo um Google brasileiro. Como os russos fizeram o Telegram, versão do WhatsApp que usava, desde o início, a criptografia das mensagens.
Estamos diante de uma dupla submissão.
A primeira, a de que a privacidade acabou.
A segunda, de que só as empresas multinacionais podem garanti-la aos brasileiros.
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Li o texto com certa simpatia, porque aparentemente foi escrita por uma pessoa de bem, que, certamente não será investigada por crimes alvo da justiça e dos tais grampos. Mas não posso deixar de discordar. A privacidade não acabou nem vai acabar. Também não se trata de um direito fundamental/humano absoluto, quando se está em jogo não só a soberania nacional, como a soberania de suas decisões judiciais. Logo, até a privacidade é um direito que precisa ser sopesado, quando confrontado com outros de igual valia ou maior valia. É horrível que o whatsapp, por exemplo esteja tão acima do bem e do mal, que não receba sanção pela desobediência de uma ordem judicial. É desigual até que um simples app cresça tão monstruosa e supralegalmente que deboche da língua local respondendo à notificação judicial em inglês, mesmo possuindo escritório e funcionários no Brasil. Vitória da tecnologia. Mas não esqueçamos que quem a criou fomos nós. Sejamos mais críticos.
Não há uma palavra no sentido de que a empresa, ou qualquer um, possa desrespeitar decisões judiciais. Nem em relação ao absurdo que é não usar a língua nacional em suas comunicações judiciais. Em relação à privacidade, sim, porque o grampo virou uma regra. Faz-se aos milhares. O aplicativo é o de menos. Quebra-se a do Whats, entra o Telegram. Quebra-se o Telegram, entra outro qualquer. A questão é que estamos abolindo qualquer garantia de privacidade nas comunicações. Agradeço o conceito do leitor que que sou uma pessoa de bem, o que, tenho certeza, ele também é. Mas este deveria ser o conceito que temos sobre todos, em princípio. Não sou um liberal e não defendo o "direito à privacidade" de forma absoluta. Darei um exemplo: sou absolutamente contrário ao sigilo fiscal e financeiro de empresas. Empresa não é um cidadão, um ser humano, não tem "privacidade". Mas as pessoas têm. E elas não podem ser violadas a granel, porque temos um sistema policial/judicial que não têm um sistema de freios e contrapesos. Se um policial inventar algo a meu respeito, não pode um juiz simplesmente sancionar uma escuta telefônica ou cibernética. Basta que o policial "desista" da investigação, depois de ter recolhido os dados de arapongagem que lhe interessava para outros fins. O último número de intercepções telefônicas que se tem é de 2010, quando o então presidente do CNJ, Gerson Dipp, disse que estavam em curso nada menos que 16 mil escutas telefônicas judicialmente autorizadas, naquele momento. O que permite dizer que, com cinco ou seis interlocutores por terminal, 100 mil pessoas eram objeto desta quebra de intimidade. Isso em 2010, o que permite estimar que hoje isso seja muito maior, porque não se divulgam mais números. Não temos maneira de saber o tamanho que atingiu este método que deveria ser, obvio, excepcionalíssimo.
O que tem de juiz querendo aparecer. ......
O que mais aparece é o Gigi e depois o Moro, ou não.
Excelente, Brito.
Temos 2 problemas:
1) Acabou a privacidade.
2) As empresas norte-americanas é que nos protegem de sermos espionados pelas nossas autoridades locais mas é claro, não estamos livres de sermos espionados por eles próprios, os estrangeiros.
Perfeita a análise!
Isso mesmo a privacidade não tem mais é agora querem usurpar o WhatsApp com o pretexto de combater criminosos sabendo que existe outras formas de fazer. Preferem seguir o atalho botando a liberdade de expressão e de comunicação em risco tudo em nome da segurança nacional.
Que aliás não passa de falsidade, se banirem o WhatsApp os criminosos migraram para outros aplicativos. Aí fica a pergunta resolve bloquear?
Estou entre os que acham que a privacidade acabou ou está quase no fim. Basta um celular no bolso ainda que desligado para que qualquer pessoa possa ser localizada. Ja existem alternativas, tanto em mensageiros quanto em redes sociais e mails que restringem essa perseguição a todos. Os juizes são um caso perdido. Ainda é dificil crer que alguem pode determinar se voce viverá ou morrerá, ficará preso ou em liberdade, se pagará uma multa ou não. Precisamos evoluir em outro sentido. São poderes demais nas mãos de alguns, poderes sobre nossas vidas. Afinal as milhares de piadas sobre juizes e juizas pelo mundo afora nao afetam os seus comportamentos. A mercê deles e delas continuamos todos nós.