Essa reportagem da Vera Paoloni nos dá alguns subsídios para entender a crescente popularidade dos médicos cubanos nas cidades para onde foram, dentro do programa Mais Médicos. Eles preferem ser chamados apenas pelo primeiro nome, sem o doutor ou doutora, e só aí já vemos a diferença brutal para com parte da classe médica brasileira.
A solidariedade e a fraternidade, condições essenciais para o exercício de uma medicina humanista e inteligente, sobretudo quando se lida com pessoas simples do povo, parecem qualidades esquecidas por nossos doutores.
Sempre há tempo para aprender, contudo. E os médicos cubanos estão aí, para nos ensinar.
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A lição dos médicos cubanos
Por Vera Paoloni, especial para o 247
Melgaço, na ilha de Marajó, Pará, tem o pior IDH – Índice de Desenvolvimento Humano do país, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, divulgado no final de julho. São 24 mil habitantes, dos quais 12 mil não sabem ler e nem escrever, apenas 681 pessoas frequentam o ensino médio, saneamento é zero, saúde é rarefeita e internet só de vez em quando e apenas por celular. O melhor de Melgaço é o povo, as pessoas, atestam Maribel, Oyainis e Maribel as três médicas e o médico cubano Orlando que estão morando e trabalhando no município marajoara desde 21 de setembro, há pouco mais de 3 meses. Eles integram o programa audacioso e certeiro “Mais Médicos”, que leva assistência e médicos a municípios carentes e vulneráveis. Ponto para o Ministério da Saúde e para a presidenta Dilma Rousseff.
Se o povo é o melhor de Melgaço, o pior é a água. Ribeirinho, Melgaço não tem água tratada e nem saneamento básico. Isso gera micoses e contaminações genitais. Há gravidez muito precoce e um índice alarmante de hipertensão que atinge muitos jovens, resume o quarteto médico cubano que atende 24 pessoas, no mínimo, todo dia em Melgaço, de segunda a sexta. Com a consulta média de 30 minutos, salvo situações mais complicadas e que exigem mais tempo. Em todas as consultas, a medicina preventiva em ação: tratar a água com hipoclorito de sódio, ferver a água, só pra citar um exemplo.
Pobreza e generosidade – Quase a metade, 48% da população de Melgaço é pobre, aponta o Mapa da Pobreza do IBGE publicado em 2003 Grande parte da população do campo tem remuneração de R$ 71,50, fazendo com que as famílias na zona rural sobrevivam, em média, com R$ 662 por mês – menos que um salário mínimo. As distâncias são grandes e se leva até 15 dias pra cruzar o espaço de mais de 6 mil quilômetros. Com toda toda essa adversidade, o povo de Melgaço é acolhedor e generoso, garantem as médicas e o médico cubanos.
Rendimentos compartilhados – Afinal, o que vocês ganham de salário fica com vocês ou vai pra família, indago? “Parte fica conosco, parte vai para nossas famílias e outra parte vai para o nosso governo, para ajudar o nosso povo cubano”, me diz Maribel Hernandez. “Mas o que ficamos é suficiente para nos manter, para lazer. A prefeitura de Melgaço paga nosso alojamento e esse é muito bom: tem um quarto para cada um de nós, com banheiro, cama, ar condicionando. Temos mais que suficiente”, fala Maribel Saborit.
Nem açaí e nem farinha – Como a jornada de trabalho em Melgaço é de 40 horas semanais, igual a Cuba, pergunto o que fazem no final de semana pra driblar a saudade de casa, já que as famílias ficaram em Cuba. “Lavamos e passamos nossas roupas, limpamos nossos quartos, lemos, entramos na internet pra passar correio eletrônico, descansamos”. E Orlando informa que em julho vão de férias a Cuba.
Nove anos de estudo – Nem a imensidão de água da baía do Marajó, o calor ou as travessias de barco até as comunidades assustam o quarteto médico cubano. Os quatro trabalharam em missões humanitárias na Venezuela e na Bolívia. Estudaram os nove anos da formação de medicina cubana: 6 da medicina geral e mais 3 da medicina integral, algo semelhante à residência médica brasileira, em que a especialização é feita juntamente com trabalho prático. E os quatro trabalhavam em Cuba. Maribel Saboritnoite, em Belém. Na capital, fizeram um treinamento na área de saúde e retornam segunda-feira 23, bem no período de recesso natalino. De Melgaço a Breves, uma hora de barco e de Breves a Belém, mais 14 horas. Ao todo 15 horas pra chegar em Belém, atravessando a baía do Marajó. Maribel Saborit, Oyainis Santos, Orlando Penha e Maribel Hernandez, médicas e médico cubanos se conheceram não em Cuba, país em que nasceram, estudaram, se formaram, casaram, tiveram filhos e trabalharam. Foi em solo brasileiro, em Brasília, que os quatro se encontraram pela primeira vez, em agosto. Agora trabalham em Melgaço e lá ficarão por 3 anos.
Maribel Saborit tem 21 anos de profissão. Maribel Hernanez, 19 anos. Oyanis, 8 anos e Orlando, 22 anos. Cuba orientou como critério de participação no programa Mais Médicos, o mínimo de uma missão humanitária.Orando esteve no Paquistão e Venezuela. Oyainis, na Venezuela. Maribel Saborit e Maribel Hernandez, na Venezuela e Bolívia. Além dos 9 anos de estudo, atuação em uma missão humanitária por 3 anos.
Um médico em casa? – Embora o quarteto fale num bem compreensível portunhol, indago se não falarem bem o português fez com que algum paciente deixasse de entendê-los. “De jeito nenhum diz Oyainis. A gente olha pra eles, conversa e se entende. Fazemos um amplo interrogatório, anotamos, fazemos exames físicos completos”. E Maribel Saborit completa: “o povo é muito acolhedor, generoso e agradecido. Fomos a uma comunidade ribeirinha, fizemos travessia de barco e na casa de um senhor diabético de 86 anos ouvimos, depois do exame: 4 médicos aqui, quatro médicos me visitando em casa, meu Deus posso morrer feliz. Nunca tinha visto um médico”!
Sem essa de doutor, doutora – Fico surpresa quando me dizem que se apresentam aos pacientes como Maribel, Oyainis, Orlando. Assim, sem dr., dra, termos que aqui no Brasil são acrescidos à profissão de médicos. Maribel Saborit ri e me diz: “por que dr., dra? Somos iguais, só tivemos mais chance de estudar, ter uma graduação. Mas nossa identidade é a mesma de quando nascemos”.
Os quatro me contam que Belém e Melgaço são “mais quente que Cuba”, mas isso não atrapalha. Gostam da comida à base de peixe, frango, carne, arroz, feijão. Só açaí e farinha não faz parte do cardápio deles. “Muito forte o açaí” diz Maribel Saborit sorridente. Eu afianço a elas e ele que não sabem o que estão perdendo. E rimos todos.
Internet, problemão – O contato com a família é via e-mail, pois falar pelo celular é muito caro. Cada um tem um tablet 3G, que faz parte dos equipamentos do Mais Médicos. E eles compraram um pacote basicão da Vivo, “mas os créditos somem muito rápido”, se queixam. Como falar por telefone é caro demais, sobra conversar por e-mail na internet do celular.
Eu digo a elas e ele que quem mora e luta na Amazônia quando vara uma notícia pro mundo, rompe o cordão sanitário do isolamento em que nos encontramos. O acesso à internet poderia ser uma forma de ajudar a romper esse cordão, mas temos o pior acesso de todas as cinco regiões do país e no Marajó, o pior acesso do Pará. Estamos ilhados, portanto.
Oyanis completa: “a saúde em Cuba precisa da ajuda de todos nós, porque o país sofre um embargo econômico que é muito doloroso para nossa gente. Então, a ajuda precisa vir de nós, cubanos e de nossos aliados”.
Faz parte da nossa formação retribuir – A conversa vai chegando ao fim, pois há várias pessoas chamando o quarteto médico cubano e querendo tirar fotos, indagar, conversar, rir junto. E eu faço a última inquirição: o que fez vocês saírem de Cuba e vir pra Melgaço? E Maribel Saborit diz”: olha, faz parte da nossa formação ajudar países e pessoas mais necessitadas com nosso conhecimento que foi dado de forma coletiva e gratuita. Só estamos retribuindo”.
Encerramos a conversa e eu fico matutando que grandeza é essa de Cuba e do seu povo que tanto tem a nos ensinar! Se eu conheço quantos médicos do meu país que fariam algo semelhante aqui mesmo. Em janeiro vou a Melgaço numa caravana formativa da Fetagri/CUT no Marajó. Quero rever meu novo quarteto camarada e amigo e conversar com o povo atendido pelas médicas e pelo médico cubanos. (V.P)
5 respostas
Isto é uma benção de DEUS.
Feliz Ano Novo.
E viva o companheirismo!!!
Maravilha de pessoas! O nível sócio-cultural dos médicos cubanos é muito superior á maioria dos doutores daqui.
Que venha muitos mais! O governo acertou em cheio nesse programa mais médicos.
Quem vai sair ganhando é o nosso povo, já uma grande parte dos médicos daqui, sobretudo os que boicotaram o programa, nao vao aprender nada, também nao merecem.
José Emílio Guedes Lages-Belo Horizonte
Assisti a um dos muitos vídeos excelentes que mostram o trabalho voluntário dos cubanos pelo mundo. Nele, um médico cubano, que trabalhava sozinho em lugar muito afastado em Angola, subia várias vezes por dia as encostas íngremes da região montanhosa, levando nas costas garrafões de água para ele e os pacientes beberem, se lavarem e para seus prodedimentos médicos. Esses são os novos homens formados pela Revolução Cubana, que reunem em si os melhores sentimentos humanos: dignidade, determinação, abnegação, solidariedade e, principalmente, muito, muito amor pelo próximo.
De volta para o Futuro – Parte I! Notícia urgente! Domingo, dia 5 de Setembro de 2014. A exatos trinta dias do primeiro turno destas eleições presidenciais, o candidato do PSDB, Aécio Neves veio a público e convocou, as pressas, uma coletiva de imprensa para desmentir que o seu partido seja contra o exitoso programa federal “Mais Médicos”. Desmentindo informações de que estaria se sentindo “acuado”, ele vem negando, enfaticamente, nas últimas semanas que deseja extinguir um dos programas mais populares do atual governo, mas as desconfianças persistem. A verdade é que a população vê os tucanos e parcela significativa da mídia como adversários do programa refletindo ainda as declarações realizadas no ano de 2013 atacando a iniciativa do Governo Federal de levar mais médicos para as periferias das grandes cidades e aos grotões do país. O candidato acusa também os “petistas” de realizar ataques baixos e de “inventar mentiras” de que ele, Aécio, tenha se colocado algum dia contra o programa. E diz que os vídeos que circulam na internet foram criminosamente editados para afastá-lo do eleitorado mais humildade que é a razão de existir do PSDB. E aparentando “nervosismo” com as últimas pesquisas de intensão de voto que refletem o aumento da rejeição a sua candidatura foi ao ataque, novamente, dizendo que é sempre assim: “Desde o início a máquina do PT quer difamar e destruir minha campanha em vez de apresentar propostas de gestão para o país e para o conjunto da população. O PT não tem propostas! Só faz terrorismo! Não iremos acabar com as boas iniciativas. Pelo contrário vamos ampliá-lo contratando mais 100.000 cubanos (médicos?). Aliás, é bom lembrar que o programa Mais Médicos foi uma ideia “roubada” do PSDB que na época tinha o melhor Ministro da Saúde do Universo, José Serra, ainda no governo Fernando Henrique” teria dito ele. Aécio acusa também os petistas de jogar a povo contra sua candidatura que é a única capaz de “acabar com tudo isso que esta aí”…Hehehe! Como é dura a vida da oposição!
Os médicos cubanos merecem todo o nosso respeito.
Espero que eles sejam recompensados pelo povo brasileiro além do salário que recebem.