O mestre Mauro Santayanna, que talvez não detenha a capacidade de uma Rachel Sheherazade ou o brilho intelectual de um Reinaldo Azevedo para ser convidado a comentar numa rede de televisão ou escrever na Veja, nos brinda hoje com um texto que deveria ser lido em todas as escolas brasileiras e servir de tema de debate aos jovens.
É destas coisas que fazem alguém, como fiz há quase 40 anos, escolher o jornalismo como profissão e a humanidade como a mais sagrada das religiões.
Santayanna atinge o torturador em seu mais falso orgulho: a sua coragem, que é apenas covardia.
Acusa a Justiça, como instituição, por sua leniência com o crime que ela deixa à vitima, se ainda não tiver tido medo suficiente de morrer, o risco de, além de denunciar, provar. E, em geral, para ouvidos moucos, porque, muitas vezes, é “o marginalzinho” a que se referiu nossa Barbie.
E aponta o erro nosso, da sociedade, de promover ou aceitar a barbárie com o suposto fim de evitar o crime e a violência, que não podem ser evitados, como deveria ser obvio, pelo crime e pela violência.
E que talvez nos obrigue, 80 anos depois, ao mesmo gesto de Sobral Pinto, diante da fúria de Filinto Muller com Prestes, a invocar, para os seres humanos, o direito previsto na Lei de proteção aos Animais.
Sobre a tortura
Mauro Santayanna
O que é a tortura? Como um ser humano pode conceber usar o corpo de outro ser humano, que possui a mesma pele, a mesma boca, os mesmos dentes, os mesmos ossos, os mesmos cabelos, os mesmos bilhões de neurônios, para puni-lo com dor, desespero e medo?
A convenção das Nações Unidas, de 1984, contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes, define a tortura como “qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido, ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação”.
São muitos os que buscam atribuir a tortura à natureza humana, como fazem com a guerra e outros crimes. Mas existe um enorme abismo entre quem luta e o torturador. O guerreiro luta por uma causa. Está sujeito a morrer por uma fonte de água, a carcaça de uma presa recém-abatida, por sua mulher e seus filhos.
O combatente atávico que existe em cada um de nós sabe dos riscos que corre, em defesa de suas circunstâncias, de suas ideias, de sua condição. Pode morrer ou ser ferido em batalha.
O torturador se distingue pela ausência de riscos, de coragem. O torturado sempre está desarmado, ou amarrado e indefeso, frente a ele. O torturador brinca com o medo do outro, porque, dentro de si mesmo, não consegue enfrentar e encarar o próprio medo. Ele é covarde por natureza, é movido pelo mal e o sadismo, e por sua fraca e abjeta personalidade. Ele não precisa de uma ideia, de uma razão.
“A finalidade do terror é o terror. O objetivo da opressão, a opressão. A finalidade da tortura é a tortura. O objetivo da morte é a morte. A finalidade do poder é o poder. Você está começando a me entender?”
explica, a um prisioneiro, um personagem de George Orwell, no livro 1984. Os torturadores são, antes de tudo, psicopatas. Dependendo do momento da história, irão torturar em nome de Deus, de uma bandeira, um uniforme, uma ideologia, uma religião. Use a roupa que usar, ocupe seja que cargo, o torturador não passa de criminoso vulgar.
Uma sociedade que abomina assassinos, ladrões, corruptos, estupradores, não pode aceitar conviver, em seu seio, com torturadores. Até mesmo porque o torturador quase sempre é, também, assassino, ladrão, corrupto e estuprador.
A diferença entre a tortura e a lei é a mesma que existe entre a barbárie e o progresso. Aceitar a tortura como inerente à condição humana é o mesmo que negar que um povo, um Estado, uma nação, a humanidade possam evoluir.
Dostoiévski dizia que a melhor forma de medir o grau de civilização de um país¬ era conhecer, por dentro, suas prisões. Nesse aspecto, a situação no Brasil é vergonhosa. Não apenas com relação às condições e superlotação de nossas cadeias, mas pela forma como nossa sociedade convive com a tortura e o torturador.
O brasileiro médio é falso, hipócrita e leniente com relação à tortura. As mesmas pessoas que se revoltam com o vídeo feito por uma vizinha, mostrando uma mulher espancando um cachorrinho na área de serviço, se regozijam quando veem um menino ou menina de 7, 8 anos – morador de rua e muitas vezes, já dominado pelo crack – ser agarrado pela orelha, e tomar uma surra de policiais ou seguranças. Param, a caminho do trabalho, para deleitar-se.
O agente do Estado, no Brasil, formado em uma longa tradição autoritária, que vem desde os capitães do mato, e dos diferentes hiatos ditatoriais de nossa história, acha que tem direito de vida ou morte sobre o suspeito. Isso está fartamente demonstrado não apenas nos milhares de casos de mortes por “auto de resistência”, mas também pelo que ocorre com os presos, muitos sem sequer terem passado por julgamento, no interior de nossas prisões. O mesmo vale para o outro lado da moeda.
Da mesma forma que um policial corrupto espanca, humilha e ameaça matar a mãe ou a filha de um suspeito, para saber – em interesse próprio – onde está escondido o produto de um assalto ou a droga recém-chegada, a violência extrema tem sido praticada, também, pelas novas gerações de marginais, que torturam e matam famílias, crianças e idosos, para tentar saber onde está um punhado de reais. Como controlar essa corrente de estupidez?
Um bom começo, do ponto de vista do Judiciário, seria perder o pudor de usar a lei e condenar alguém pelo crime de tortura. Raramente alguém que comete latrocínio com extrema violência tem a sua pena acrescida por tortura. É como se condenar alguém por esse crime fosse proibido, ou ela não existisse em nosso dicionário.
Nos portais e redes sociais ela nunca é citada por quem a defende. Ninguém, referindo-se a um suspeito, escreve ou afirma “tem de torturar esse cara”. Para que fique tudo mais íntimo e corriqueiro, banalizado, usam-se expressões como “tá precisando é de couro”, “se fosse meu filho, dava uma de criar bicho”, “comida de preso é paulada”, “pendura que ele canta”, “tinha que cortar na borracha” e outras do gênero.
A presidenta Dilma Roussef lançou, no último 12 de dezembro, o Sistema Nacional de Enfrentamento à Tortura, que prevê a instalação de um mecanismo autônomo que, por meio de peritos, terá autorização prévia para entrar em penitenciárias, instalações militares, delegacias, instituições de longa permanência de idosos, instituições de tratamento de doenças psíquicas ou similares, para constatar a existência de possíveis violações de direitos humanos nesses locais.
Trata-se de importante iniciativa, considerando-se que o Brasil é signatário da Convenção Internacional Contra a Tortura desde 1989, e que, em 500 anos de história, é a primeira vez que a Nação está encarando, de forma direta, essa abominável questão.
Mas a verdadeira batalha não se dará apenas com a fiscalização do que está ocorrendo nas prisões, que poderia avançar com a instalação de delegacias de direitos humanos em todo o país. Ela será travada nos corações e mentes da população brasileira.
Não podemos nos considerar civilizados enquanto milhares de brasileiros defenderem a execução ilegal e a tortura como método de punição e investigação. Não podemos nos considerar civilizados enquanto juízes estabelecerem jurisprudência atribuindo à vítima de tortura o ônus de provar que foi torturada. Esse paradigma, estabelecido na ideologia escravocrata e repressora de parte considerável de nossa sociedade, só poderá ser alterado a partir do ensino, em todas as escolas, desde o primeiro grau, dos direitos e deveres consubstanciados na Constituição brasileira, atendo-se estritamente ao seu conteúdo, para não dar à direita fascista motivo para combater a iniciativa.
Só quando ensinarmos nossos filhos e netos que o mero ato de um policial espancar um manifestante, em uma situação de protesto – ou manifestantes espancarem um policial desarmado – é ilegal; que extrair dor de outro homem, mulher, criança, indefeso, humilhando-os, transformando-os, pelo medo, em animais -irracionais, que gritam, sangram e choram, segundo a vontade de seu torturador, é crime abjeto e condenável, poderemos começar a mudar, de fato, a mentalidade a propósito da tortura, sua imagem e paradigmas, em nosso país..
27 respostas
Valmir,
A questão não é diminuir o sofrimento animal. Mas apenas pensar porque muitos podem se importar com animais mas ignorar humanos. Para mim a explicação pode ser simples, preconceitos daqueles que classificam os marginalizados e de classes menos abastados como seres que não merecem nem o respeito dado aos animais.
calma, valmir.
o último parágrafo do texto do fernando ilustra o título e a foto, pois o beagle seria representativo do laboratório vandalizado por uma turba que até hoje não foi processada judicialmente por sua selvageria e ignorância científica. já a tortura praticada no país não merece a importância que tem. só isso, amigo.
Ignorância é defender esses testes sem nem ao menos saber que eles não são necessários. Vai se informar, burro.
tenho pena de você. torturar animais pode? vê-se que é um ser mal amado, pois só um ser de alma tão pobre pode falar que aquilo que se praticava ali era ciência justificável. sinceramente, tortura em nenhum dos casos de justifica. sofrimento em nenhum dos casos se justifica. o seu raciocínio é tão cruel, sarcástico, psicopático e insensível quanto o da desprezível sheherazade.
Defina “ser mal amado”.
Quais são as suas características?
Torturar condenado no mentirão pode?
O sargentão ustra tá nessa até o pescoço: “O torturador se distingue pela ausência de riscos e de coragem. O torturado sempre está desarmado, ou amarrado e indefeso, frente a ele. O torturador brinca com o medo do outro, porque, dentro de si mesmo, não consegue enfrentar e encarar o próprio medo. Ele é covarde por natureza, é movido pelo mal e o sadismo, e por sua fraca e abjeta personalidade. Ele não precisa de uma ideia, de uma razão.”
Os outros torturadores também.
O mestre Santayana, impecável como sempre. Assino embaixo. Também sou contra a tortura de animais confinados em apartamentos.
Nem cachorrinho, nem negrinhos, nem branquinhos, nem amarelinhos, nem ninguém. TORTURA NUNCA MAIS!
Pois ao respeito,gostaria de trazer experiencia minha.Tenho uma filha,que quando mais nova,era vegetariana porque não concordava com sacrifício de animais para que nosso consuma.Aves,vacuns,caprinos e ovinos,porquanto acreditava que abate-los,era um crime.Certa ocasião,argumentei com ela,que as alfaces,cenouras,repolhos,tomates,enfim vegetais que também são seres vivos e que ela também sacrificava a vida desse seres,para saciar sua fome.Quero com isso,indagar dos senhores que discordam do que escreveu o Sr.Santayana,o que estão usando,para nutrir-se!
Vida tem níveis diferentes. Você sacrifica uma bactéria quando trata uma doença, e suas próprias células se sacrificam quando identificam um organismo invasor no seu corpo. Isso é justificativa pra algo? Vá se informar sobre abatedouros e sobre a vida horrível desses animais antes de falar bobagens para sua filha. Os pais devem educar os filhos, não tirar o que eles tem de bom.
Que pena, que ao invés de valorizar a sensibilidade de sua filha apenas a deixou ser mais uma anestesiada pelo sistema. Infelizmente, você tb nã se deu conta de que animais possuem sistema nervoso central e portanto, sofrem e sentem dor, ao contrário de plantas e vegetais. A sensibilidade e a intuição dela sempre estiveram corretíssimas mas você, achando que estava argumentando de forma super inteligente a fez perder esse brilho. Que pena.
Sua filha pode se alimentar de brotos, frutos e flores. Assim não vai precisar matar um ser vivo. Existe uma corrente mais radical de vegetarianos que se recusam realmente a matar um ser vivo, se ela quiser pode pesquisar na internet , e se tornar um deles.
Está correndo toda imprensa, no Piaui jogaram um pessoa amarrada e espancada em cima de um formigueiro…
http://www.youtube.com/watch?v=ueIq2Tc1Hx0
Olha o absurdo, está correndo toda imprensa, no Piaui jogaram um pessoa amarrada e espancada em cima de um formigueiro…
http://www.youtube.com/watch?v=ueIq2Tc1Hx0
Fernando, olha o que fizeram no Piaui…
Se puder comente a respeito, abraços..
http://www.youtube.com/watch?v=ueIq2Tc1Hx0
E AINDA TEM UM MONTE DE INTERNAUTAS SEM NOÇÃO ENVIANDO E-MAILS, MAIS SEM NOÇÃO AINDA, DEFENDENDO A SHERAZZADE, AQUELA APRESENTADORA COXINHA DO SBT.
Santayanna mais uma vez nos brinda com um excelente artigo sobre nosso grau de civilidade ou incivilidade..cada vez mais tenho a certeza de que precisa de um salto civilizatório e o exemplo deve começar de cima, dos extratos mais privilegiados da nossa sociedade..
Sherazade não vai entender isso. Não alcança. Ela só gosta de tortura. Apoia até grupo com estupradores.
Esta é para você se divertir Fernando,
Vocês não podem perder esta oportunidade de divulgar este vídeo. Não existe nada mais cômico ou tragicômico, exceto para os venezuelanos que vivem os problemas ou as “complicações” como andam dizendo. Estes caras de aluguel da globo! Coitada da minha apreciada UNICAMP.
Esta foi ótima; “Mônica Confuser”.
Valeu Igor pela maneira tão objetiva e didática nos seus argumentos (e ao vivo).
http://g1.globo.com/globo-news/entre-aspas/videos/t/todos-os-videos/v/especialistas-debatem-perspectivas-politicas-da-venezuela-apos-prisao-de-lider-da-oposicao/3157867/
Lembrando:
…”o Habeas Corpus impetrado por Sobral Pinto em favor do líder comunista Harry Berger, em 1937. Durante o Estado Novo (1937-1945), Sobral Pinto foi designado advogado ex-ofício dos presos políticos Luís Carlos Prestes e Arthur Ewert (Harry Berger) – acusados de subversão política pelo Tribunal de Segurança Nacional – e defendeu com brilhantismo esses homens ao impetrar Habeas Corpus no qual ele evoca a Lei de Proteção aos Animais em prol de assegurar a integridade física de seus clientes, em um caso único na História do Direito.”
Há uns 75 anos, a Alemanha tinha Hitler e aqui, Sobral Pinto, se não me engano, usava a Lei de Proteção aos Animais para defender L.C.Prestes das condições infames em que era mantido nas masmorras do ‘Estado Novo’.
Hoje a Alemanha mudou muito; o povo alemão, muitíssimo, enquanto nós …
Que vergonha!
Ocorre que o pando de fundo é o acidente do Maranhão, coisa que acontecia do mesmo jeito quando Sarney era do outro lado, mas agora que apoiar o petismo, porquanto, até ficou uma pessoa melhor, querem inventar essas de cadeias torturantes
Fernando Brito, olha o apoio da GLOBO nessa situação…
terminando com isso está acontecendo em todo o Brasil…
http://oglobo.globo.com/pais/ladrao-amarrado-formigueiro-no-piaui-11670345
Interessante como pra falar a favor do ser humano, alguém sempre tem que botar os animais no meio e diminuir a importância deles por comparação. “Argumento” típico de gente ignorante.
O autor foi claro em comparar que muitos ficam revoltados com a tortura em animais e se acomodam quando o assunto é tortura humana. São daquele time que fazem o discurso do ” direitos humanos para humanos direitos” e se esquecem que não fossem essa militância estaríamos em uma situação de total barbárie.
Temos que perceber que quando policiais corruptos assassinam ou torturam um preso , podem estar escondendo algo que os acusam , sem contar que querem solucionar crimes utilizando esses artifícios para mostrarem competência …
O coitadinho (que não estuda, não trabalha, não paga imposto e vive de fazer o mal) já cometeu outro crime depois de ter sido acorrentado:
http://oglobo.globo.com/rio/menor-agredido-preso-poste-detido-durante-tentativa-de-assalto-em-copacabana-na-zona-sul-11672516
E se ele tivesse matado os turistas? Pessoas de bem, trabalhadoras, cumpridoras das leis, talvez chefes de família, pagadores de impostos e que vieram a turismo ao Rio para se divertirem e ajudar a economia do Estado?