Caso Globo: o MP é autista?

Que a imprensa brasileira seja o que é, sabemos.

Impera ali a “liberdade de expressão” dos donos e dirigentes – frequentemente mais realistas que o rei – e publicam o que querem, quando querem e como querem.

É a lógica da empresa privada: vale o que dá lucro, não vale o que dá “prejuízo”, político inclusive.

Mas não o Ministério Público, que é uma instituição da sociedade, paga – e bem paga – com o dinheiro da coletividade e que tem, na sua missão de fiscal da Lei, o dever supremo de zelar pelo dinheiro da população.

São, portanto, servidores públicos e não têm o direito de praticar favoritismos na sua atuação.

No entanto, diante do caso Globo, que além da sonegação de impostos envolveu, no mínimo, o furto de dois processos dentro da Receita Federal, o Ministério Público Federal sente-se no direito de manter o mais escandaloso silêncio de sua história, como se não tivesse satisfações públicas a prestar sobre o caso.

Tem, e são indeclináveis.

Primeiro porque este país é uma república e não um sistema de castas.

Segundo, porque houve crime e crime, além de oportunidade, tem interesse.

Terceiro, porque há regras que a todos obrigam, que são a Lei, que é para todos.

Erga omnes, senhores doutores promotores.

Mas o silêncio do Ministério Público, rompido apenas por uma longa e imprecisa nota, parece fazer crer que todos são uma súcia de idiotas e só suas Excelências estão providas do divino saber jurídico.

Não há sigilo fiscal fora da lei e a lei o prevê apenas para as informações que violem a devida proteção ao estado dos negócios da empresa. Não as da regularidade fiscal de uma empresa, aliás condição para que ela possa contratar com a administração pública, nos termos do art. 193 do Código Tributário Nacional.

E é o caso da Globo, que mantém contratos millionários com o poder público, além de ser uma concessionária de serviço público, cuja transparência das contas é uma obrigação.

A denegação do recurso apresentando pela Globo à autuação fiscal pela operação de compra dos direitos televisivos da Copa de 2002 já constitui, salvo se apresentado recurso administrativo ou judicial que a suspenda, crédito contra ela por parte do Erário.

Se o extravio do processo suspende o prazo recursal, pela ausência de regular notificação, o fato de a Globo alegar que o processo foi reconstituído a partir das cópias por ela mesma fornecidas não caracteriza a ciência da denegação – que ela própria confessa – de sua defesa e, portanto, a abertura do prazo recursal que foi, inexplicavelmente, estendido por mais seis meses do que prevê a lei?

O direito jamais ofende o bom-senso, e não é aceitável supor que alguém não possa ser considerado ciente de uma decisão da qual ele próprio fornece cópias à restauração do processo. Qualquer estagiário sabe que, ao pegar cópia, a parte dá-se por citada. É daí que flui a contagem dos prazos.

A reconstituição de um processo não desconstitui os atos praticados anteriormente ao seu extravio nem a preclusão direitos recursais pelo transcurso dos prazos que já então fluíam.

Segundo, se pode haver discussão sobre o fato de a sonegação de impostos possa dar azo ao privilégio do sigilo fiscal, nenhuma dúvida pode haver sobre a representação fiscal formalizada  pelo Auditor Fiscal Alberto Sodré Zile, em outubro de 2006, contra a Globo, que gerou o  Mandado de Procedimento Fiscal 07190000/00409/2006.

Diz expressamente o texto do Código Tributário Nacional, modificado pela Lei Complementar 104/2001 que:

“§ 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a:” 

                    “I – representações fiscais para fins penais (…)

Isso, portanto, é público e seu destino tem de ser publicizado.

O Ministério Público se diz “consternado” com o vazamento de informações protegidas por sigilo fiscal.

Consternados estamos nós, com a atuação – vá lá a boa-vontade de chama-la assim – do MP diante de um caso de milhões como esse, com um surrupio de processos que ficou restrito à condenação de uma barnabé-laranja.

E com o fato de alguns de seus integrantes parecerem estar procurando brechas não para punir os corruptores, mas aqueles que trouxeram à luz este escândalo.

O MP não tem o direito de  se calar num autismo mais que decepcionante à sociedade.

Porque, diante do silêncio, passa a ser legítima a suposição de que possa haver ali o que o dito popular assina-la com o “quem cala, consente”.

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17 respostas

  1. Caro Fernando Brito, parabéns pelo excelente trabalho que faz com o Tijolaço. Gostaria, apenas, que refletisse sobre o termo “autista”, pois ele sou pejorativo e os autistas não devem ter sua condição associada ao imobilismo. Eles fazem parte de um mundo diferente do nosso. Nem melhor, nem pior.

    Grande abraço!

    1. não me referi às pessoas autistas,bem entendido, até porque tenho o rico convívio com uma delas, todos os dias, mas ao adjetivo, quanto ao comportamento.

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