“Posso ir embora?” Pode, Altenir, pode…

altenir

Fico sabendo que se foi o amigo e colega Altenir Rodrigues, depois de uma luta intensa contra um câncer.

Jornalista veloz, daqueles que sentavam à máquina e em dez minutos arrancavam dela um texto correto e que gritava “boca de bode!”, brado vitorioso dos  tempos onde os títulos eram encomendados pelos cruéis diagramadores com medidas imperiosas. Três de treze, por exemplo, que virou até nome de time de futebol em O Globo, eram três linhas de até treze toques, o que fazia o suado redator apelidar o sucesso de “boca de bode”: certinho, justinho.

Altenir, com quem trabalhei nos anos 80, ainda é pra mim uma permanente lição de vida. Um infarto, dias depois de ter gramado cadeia na ditadura, mudou tudo para Altenir. Ele mesmo contava, divertido, que como o médico avisara que a sobrevida, naquele tempo em que só as pontes de safena eram solução, era em média de seis a sete anos, resolveu aproveitar.

Amou e casou muitas vezes e comprou uma motocicleta que foi parar debaixo de um ônibus, doida para fazer “o serviço” que o coração não fez.

Mas Altenir escapou da moto como escapou do infarto e colecionou amigos, casamentos e filhos, próprios ou agregados, como quem dá conta de amar em grande escala. E o coração, emendado e grande, durou até o fim pra isso.

Por isso mesmo, por ser leve e por ser rápido e bom profissional, Altenir chegava no trabalho, com o paletó às costas e, como um bordão, sempre perguntava, no seu sotaque nordestino: “posso ir embora?”

Pode, Altenir.

Você  sempre pedia para ir e nunca ia, enquanto havia serviço a fazer. E foi assim, você foi ficando e fazendo sempre o serviço a fazer pelo seu país, pelo seu povo, pela liberdade que um dia te faltou para pensar assim.

Pode ir, a gente fecha essa edição que nunca termina, a vida.

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10 respostas

  1. Bela homenagem, deixo o poema de Camilo Castelo Branco para sei amigo.

    AMIGOS
    Amigos, cento e dez, ou talvez mais,
    Eu já contei. Vaidades que eu sentia:
    Supus que sobre a terra não havia
    Mais ditoso mortal entre os mortais!

    Amigos, cento e dez! Tão serviçais,
    Tão zelosos das leis da cortesia
    Que, já farto de os ver, me escapulia
    Às suas curvaturas vertebrais.

    Um dia adoeci profundamente. Ceguei.
    Dos cento e dez houve um somente
    Que não desfez os laços quasi rotos.

    Que vamos nós (diziam) lá fazer?
    Se ele está cego não nos pode ver.
    – Que cento e nove impávidos marotos!

  2. Linda mensagem, Fernando. Só alguém sensível como tu é capaz de expressar tanta delicadeza.

  3. Caraca !!!!
    Que figurinha carimbada esse seu amigo. Deve ter sido um cara super de boa e bem humorado, pelo que voce compartilhou com a gente.
    Nao importa se de acidente, de cancer ou de susto, o fato é que depois da missao cumprida a gente vai dessa para curtir outras paradas.
    Muito bacana o que voce escreveu de despedida.

  4. Belo texto, Fernando, sobre um belo e inesquecível ser humano e companheiro de lutas e copos. Estamos todos de luto. Parabéns e fraterno abraço.

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