Prezada Suzana Singer,
Como este blog foi citado em sua coluna dominical na Folha, tomo a liberdade de oferecer algumas ponderações sobre o que aqui dissemos sobre o jornal onde a senhora trabalha ter criado a figura do “corrupto sem corruptor” e que isto estaria alimentando os “guerrilheiros cibernéticos” em suas críticas.
Eu procurei corrigir a sua citação, porque o que dissera, sobre o caso Siemens-Alston, é que a Folha criara a “corrupção sem corrupto“, pela relutância em ligar os contratos superfaturados com os contratantes do Governo de São Paulo, todos tucanos.
Mas, com a calma que nos permite a passagem de algumas horas, vejo que a resposta que dei, apesar de correta, é incompleta.
A senhora também está correta, porque a Folha parece ter inventado a corrupção sem corruptor, como constava de seu texto.
Refiro-me a um tema que, certamente, vai merecer sua crítica interna, honesta e corajosa como é.
Falo do caso da sonegação de impostos pela Globopar, holding das Organizações Globo.
A sonegação e o valor de seu sancionamento pela Receita são fatos, tanto que a Folha, embora com atraso de uma semana, os publicou.
Depois, também com imenso retardo, também veiculou a condenação de Cristina Maris Meinick Ribeiro pelo sumiço criminoso do processo global. Outro fato, não ilação.
Ora, até as pedras sabem que a D. Cristina não terá surrupiado o uma processo de R$ 615 milhões para usar aquele cartapácio como calço para algum armário perneta, não é?
A partir de dois fatos, cuja conexão é mais que evidente, por que o jornal – que dispõe de uma numerosa e competente equipe de repórteres – não apurou?
Por que os promotores do caso não foram ouvidos para explicarem porque não houve a quebra do sigilo fiscal e telefônico de D. Cristina?
Por que a Globo, ao contrário das demais empresas envolvidas, não foi investigada, até porque, apensada ao processo de sonegação, desapareceu com ele uma representação para fins penais?
Nada isso está coberto por sigilo fiscal, faz parte de um processo criminal, público.
Quanto ao que estaria coberto por tal sigilo – e sigilo, pela lei, não cobre atos de crime contra o Fisco – permita que lhe recorde uma história que, ontem, a venda do The Washington Post – comprado na bacia das almas pelo dono da Amazon, num marco simbólico como poucos da decadência e morte da mídia impressa – inevitavelmente evoca.
Dois repórteres só revelaram o maior escândalo da política americana porque tiveram o apoio corajoso de um editor, Ben Bradlee, e a decisão firme da dona do jornal, Katharine Graham, de “bancar” o que os jornalistas apuravam.
Como certamente sabe, Graham não era uma intelectual, apesar de formada em jornalismo. Teve uma vida de dona de casa até o suicídio do marido, Philip Graham, que administrava o jornal da família. No comando do jornal, passou a apoiar seus editores e repórteres.
Em 71, antes de Watergate, portanto, o jornal foi impedido pela Justiça de publicar os papéis secretos do Pentágono sobre a Guerra do Vietnã.
Graham contou o que fez:
“Engoli em seco e mandei ir adiante, vamos publicar.”
O The Washington Post foi processado por isso. Mas o jornal – e a liberdade de imprensa – venceram na Suprema Corte americana, porque o interesse público, sim, este é o sagrado.
Com o devido respeito e certo de sua concordância, o papel do jornalista não é publicar press-releases ou decisões judiciais já tomadas.
É, diante de indícios, ousadamente investigar e publicar o que disso resulta.
É certo que não desonra qualquer profissional ser “furado”. É da profissão, ainda mais nestes tempos em que cada cidadão, graças à internet, pode revelar publicamente aquilo que chega ao seu conhecimento.
Mas, igualmente nisso confio que seja o seu pensar, não investigar o que vem a público e é interesse público – tal como são R$ 615 milhões e um crime de supressão de processo fiscal – é omissão, para dizer o mínimo.
D. Cristina Maris Meinick Ribeiro tornou-se, assim, a corrupta sem corruptor, dando razão à sua observação sobre o parco talento da frase atribuída deste blog.
Que não foi essa, mas bem que poderia ter sido.
Como, quem sabe, um dia tenhamos um Katharine Graham no jornalismo brasileiro.
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