Quem joga ou já jogou futebol pelo menos uma vez na vida conhece o sentimento esquisito que é levar um gol decisivo e ter de agarrar a bola embaixo do braço, crispar a cara com a expressão de “vamos virar, vamos que dá”, e correr até o centro do campo pra dar a nova saída.
Mesmo quando falta só um minuto pro fim da partida e, no fundo, bem no fundo, nem nós mesmos acreditamos mais na possibilidade da virada. E a gente diz: “Vamos virar, vamos que dá, pessoal” – só pra não esmorecer o ânimo geral do time.
Num sentido simbólico, apenas figurativo, todo mundo já levou gols assim na vida e conhece a dor do recomeço. Eu mesmo já levei alguns. No campo e fora dele.
A impressão que eu tenho é que, desde bem criança, aprendi a importância de recomeçar. Um episódio que me marcou pra sempre ocorreu em 1977. Eu havia acompanhado pelo radinho de pilhas, ainda sem conhecer o Maracanã, todo o Campeonato Carioca daquele ano. O Vasco tinha vencido o primeiro turno e chegado à decisão do segundo contra o Flamengo. Se ganhasse aquele jogo, portanto, levaria a Taça sem precisar da finalíssima.
A partida acabou zero a zero e seguiu pra disputa de pênaltis. Zico foi escalado pra fazer a última cobrança pelos rubro-negros. Pelos vascaínos, a missão coube a Roberto Dinamite.
No gol do Flamengo, estava o Cantarelli; no do Vasco, o Mazarópi – os dois, curiosamente, nascidos no mesmo ano, 1953, e na mesma cidade, Além Paraíba, Minas, coincidência boboca que ficaria gravada eternamente na minha memória.
No penúltimo pênalti do Flamengo, Mazarópi defendeu o chute do Tita, ali ainda um moleque dos juvenis. Zico, já entronizado na camisa 10 da Gávea, pôs a bola na rede em seguida – mas, depois dele, Roberto Dinamite também marcou e deu o campeonato ao Vasco.
Lembro que fiquei muito triste e chorei bastante e até me escondi embaixo da cama. Fiz isso pra me proteger da zombaria do meu único tio materno, que sempre gozava das desditas do meu Flamengo e tentava me convencer a ser Botafogo.
A tragédia da derrota, tão injusta na minha compreensão de criança, embora talvez nem tivesse sido, plantou no meu coração uma vontade ainda maior de torcer pelo Flamengo, num impulso infantil que me acompanharia pra sempre.
Aí veio 1978, e, dessa vez, foi diferente. Agora, era o Flamengo que havia vencido o primeiro turno e chegado à decisão também do segundo. E, de novo, o adversário era o Vasco – e, se o Flamengo vencesse, seria campeão sem necessidade da finalíssima, exatamente como o rival um ano antes.
Mesmo quem não viu aquele jogo épico, e gosta minimamente de futebol, conhece o desfecho desta história. Aos 43 minutos do segundo tempo, depois de passar a partida inteira no ataque, com o Vasco encolhido na defesa, porque só precisava do empate, saiu um escanteio pro Flamengo.
Naquele tempo, quem batia escanteio era lateral ou ponta, e quem marcava gol de cabeça na cobrança, normalmente, era atacante. Mas o destino deu uma ordem invertida, e o Zico pegou a bola pra cobrar.
O camisa 10 bateu, o zagueiro Rondinelli correu da meia lua até a pequena área e surpreendeu o defensor Abel e o goleiro Leão, do Vasco, com uma cabeçada fulminante. Um a zero!
O gol deu o campeonato ao Flamengo e levou embora as minhas dores infantis de 1977 – e ali nascia o time que mais glórias daria nos anos seguintes ao clube da minha paixão, a maior delas a de campeão do mundo, em 1981.
Esta história faz sentido aqui porque é contada por um rubro-negro. Mas poderia ser a de qualquer time, a do próprio Vasco, por exemplo, com seu Expresso da Vitória, imbatível entre 1945 e 1952, como comprova a História. Ou a do Corinthians, campeão paulista depois de 23 anos, em 1977, numa final contra a Ponte Preta.
Ou a de qualquer pessoa, a de alguém derrotado um ano antes e que se reergueu após uma enorme injustiça, fortalecido pelos favores do recomeço.
São muitos os favores dos recomeços. A gente só aprende a importância deles quando perde alguma coisa muito valiosa – um parente ou amigo muito querido, um bicho de estimação, um grande amor, uma final de campeonato, o emprego, o trem, o prumo.
Nos anos 1990, eu tive um chefe na editoria de política do “Jornal do Brasil”, o botafoguense Rui Xavier, meu amigo ainda hoje, que me dizia o seguinte, e talvez ele nem lembre: “A gente pode perder tudo na vida, menos a pose.” Nunca esqueci.
Como o Flamengo de 1977, Dilma foi tungada agora do que parece ser tudo – embora não seja. E, apesar do calvário que cumpriu até o derradeiro voto no Senado, não perdeu a pose um só minuto.
Primeira mulher presidente do Brasil, e, mais ainda, uma mulher sem marido, Dilma, no exercício do poder, duelou com a misoginia e o preconceito e até o abandono por seu partido em certo momento. Por último, além da misoginia, duelou com a fraude de argumentos sem consistência daqueles que só queriam o seu lugar.
Acabou derrotada no Senado por uma turbamulta de famintos da cadeira que ela havia conquistado nas urnas. Tudo bem. Jogo jogado.
A agora ex-presidente cumpriu, até o fim, um martírio que não se iguala em dor física ao dos anos duros da ditadura militar, quando, muito jovem, ela se viu presa e torturada. Mas, com certeza, Dilma conheceu neste agosto de 2016 uma dor que ultrapassou os limites do aceitável em sua alma.
Mulher honrada, até prova em contrário, ela jamais foi acusada de qualquer desvio, ao contrário de centenas daqueles parlamentares desimportantes que enxovalharam sua biografia, primeiro na Câmara, sob o comando diabólico de Eduardo Cunha, e depois no Senado, com Aécio Neves e seus siameses.
Numa comparação livre e de consequências menos rebuscadas, situações como a vivida por ela são comuns na vida de todo mundo. Agora mesmo, em algum lugar, alguém está sofrendo uma enorme injustiça e terá de agarrar a bola embaixo do braço e levá-la até o centro do campo e recomeçar a partida pra provar, quem sabe a si mesmo, que pode se levantar e virar o jogo mais adiante.
É quando resta empinar o queixo e animar a turma, “vamos lá, vamos virar”, e dar a nova saída. O jogo não acabou.
Pra quem sobreviveu a tanta sensaboria, como a Dilma, o jogo não acaba nunca. Não acaba nunca. Nem que seja em 2018, já sem ela em campo.
Nem que seja depois. Ou bem depois. Nem que seja na imprecisão de um dia.
* retirado do blog de Marceu Vieira.
13 respostas
Quando a “possuída” e cínica, fez referência ao neto de Dilma, fiquei pensando: TODOS OS DESCENDENTES e aliados de DILMA, tem do que se orgulhar, já o mesmo não ocorre com a advogada do golpe, pois seus descendentes irão sentir vergonha dela
Ontem, um dos canalhas que votaram pelo impeachment, confessou que não havia crime algum, mas ela seria afastada por não ter apoio parlamentar, ou seja, pessoas honestas não podem fazer parte da política, só os corruptos iguais a ele.
michel temer é a criatura mais desprezível deste mundo
Pura verdade! Mas muitas vezes na cobrança de um pênalti, sem termos treinado o suficiente, jogamos a bola pra torcida e perdemos o campeonato! Espero que DILMA tenha aprendido com o OMELETE MAIS CARO DO MUNDO – os OVOS DA DEMOCRACIA – e não erre mais na cobrança de pênaltis, se um dia voltar a “bater”…http://tv.i.uol.com.br/album/dilma-mais-voce_f_001.jpg
Para quem temia a falta de apoio internacional do nosso governo, segue nota da UE:
A UE toma nota da conclusão do processo de impeachment no Congresso brasileiro e que resultou no afastamento da presidente Dilma Rousseff. A UE acredita que as instituições democráticas do Brasil foram capazes de lidar com os desafios políticos da situação. A UE vai continuar a trabalhar com o governo brasileiro para fortalecer ainda mais as relações e nossa parceria estratégica entre Brasil e a UE para fazer progresso no acordo entre Mercosul e UE e, de forma unida, lidar com desafios regionais e globais.
E mensagem dos EUA:
Vimos notícias de que o Senado brasileiro, de acordo com o ordenamento constitucional do Brasil, votou para remover a presidente Dilma Rousseff do cargo. Estamos confiantes que continuaremos a forte relação bilateral que existe entre nossos países.
Também tem a nota conjunta das grandes potências como Cuba, Venezuela, Nicarágua, Equador e Bolívia:
Exigimos o retorno imediato da Presidenta Dilma e a implantação da Lei de Meios e dos Conselhos Populares, bem como das doações de refinarias e daqueles financiamentos camaradas que os amigos petistas nos davam com dinheiro surrupiado dos brasileiros. Abaixo o Golpe! Hasta la Victoria!
Que bom! Agora o Brasil vai poder se curvar a todos os países que querem a velha ordem mundial, não só aos eua. Você, vira lata contumaz, deve estar se sentindo muito feliz.
Agradecemos também as palavras da ONU. o Mundo civilizado é outra coisa, bem distante dos ditadores que falam com passarinho do quinto mundo.
Tem uma frase de Shakespeare, que eu adoro: “não há longa noite que não encontre o dia.”
E para brincar com a metáfora do futebol, só posso acrescentar que sou atleticana. Quem é Galo sabe entrar em campo para virar o jogo :- )
Temer o invejoso golpista, o ratao e as ratazanas ,muito boa charge do new York Times, na posse, o Gilmar fazia parte das ratazanas, todo afoito, que o golpista ursurpador,nao venha dar uma de ditador, ursurpador, golpista e pouco, nao venha mandar calar a boca, pintaram e bordaram com Lula e Dilma, e golpista sim, se o encontrasse onde fosse diria golpista, rato, parabens a charge do jornal americano, rato arrivista, que me perdoem os ratos. Cala boca ja morreu,quem manda na minha boca sou EU.i Rasgou a democracia chega de jogo de sena com Renan e judiciario foi a maior farsa que vi no meus mais de meio seculo de vida, jamais havia visto, tamanha encenacao, logicamente com eduardo cunha(letra minuscula de proposito) comandando! Bravo Roberto Requiao, Golpistas golpistas! golpistas! Requiao nao esmoreca, o povo se orgulha, de sua altivez e bravura!
Brito, necessario se faz, levantar os antecentes de todos os ministros da gangue, e dos que votaram contra Dilma em troca de nomeacoes do golpista, nao deixar escapar nenhum venal e levar ao conhecimento de todos , trabalhadores e dos muitos iludidos da classe e media, com tanta mentira desses canalhas confundem todas as classes, isso e necessario para que politicos corruptos nao se elejam mais!
Fernando, não tolero injustiças. Tenho raiva, vontade de chorar. Fico macambúzio por dias, semanas. Estou me sentindo como em 1995, quando meu Santos perdeu a final para o Botafogo, graças ao Márcio Rezende de Freitas, encarnação global da situação. Meu voto foi jogado no lixo, com a ajuda de amigos e parentes, estes com a visão turvada pelas idiossincrasias de nossa elite e de nossa querida e dita “grande imprensa”. Lembro também que fiquei assim quando o Collor venceu em 1989, com a ajuda (de novo) de uma famosa edição global. Nas duas oportunidades, tive que esperar por muito tempo para chegar à vitória. Mas sei que ela chegará novamente. Até lá, estaremos aprendendo com essas derrotas. Mesmo que estas tenham sido “na mão grande”. Da próxima vez, estaremos espertos para não embalarmos serpentes e escorpiões em nossos lares. Continuemos a luta por uma nação igualitária.
Brito, Sinto no momento sua frustração de 77. Já a conhecia em 64, ainda que vivendo num país imaturo mas alegre e cheio de esperança. Dai vieram tempos do “apesar de você, amanhã será outro dia…”. De volta ao passado, sem democracia e com um governo que entroniza a marginália, num mundo de poucas esperanças. Sim o tempo é de briga, de encarar, lembrando sempre de ensinamentos de Che Guevara “hay que endurecer sin perder la ternura”
Eh golpe agora e GOL amanha ! Dilma é um exemplo de perseverança, de coragem e de muita sabedoria. Lula sabera levantar o PT e a resistência em torno de cabeças novas e quem sabe agora Ciro Gomes entre numa fase de preparo para que possa se candidatar com o apoio do Lula e da Dilma. Acho até que um governo com esses nomes acabara vindo pelas forças inevitaveis da vida, da virada e das faces desmarcaradas dos golpistas. Canalhas, Canalhas, Canalhas, cairao inevitavelmente.