Os tenentes de toga e sem Brasil. Por Rodrigo Vianna

tenentes

Do meu bom amigo Rodrigo Vianna, o Escrevinhador, numa boa análise de um movimento de classe média, mas agora sem um projeto de construção de um país e de inclusão de um povo, mas de desmonte da soberania e de recolonização dos miseráveis:

O tenentismo togado e a crise total: estamos
às portas de uma anti-Revolução de 1930

Rodrigo Vianna

O tenentismo togado (promotores, juízes e Lava-Jato) propõe a demolição do Estado e das forças produtivas que o Brasil foi capaz de construir ao longo de mais de 80 anos. Estão na mira: Petrobras, BNDES, construção pesada, agro-indústria. É uma crise sem precedentes. Uma crise de regime. Uma espécie de anti-Revolução de 1930.

“Estamos às portas de uma crise que já não é de governo, mas de regime”. A frase é de Marco Aurélio Garcia, ex-assessor internacional de Lula e Dilma, que além de ter atuado nos bastidores dos dois governos é historiador e observador da cena política.

Ao contrário do que se imaginava, a Lava-Jato e o movimento comandado por procuradores, juízes e delegados federais não tinham como objetivo apenas derrubar o governo Dilma, nem destruir o “lulo-petismo” – como davam a entender colunistas e políticos ligados ao tucanato.

Este blogueiro, desde 2015, lembra que a Lava-Jato tinha, sim, um claro viés antipetista; mas sempre foi muito mais que isso.

Enganava-se quem via na atuação de Moro, Janot e outros togados um projeto “tucano”. O MPF e o juiz das camisas negras fizeram uma aliança puramente “tática” com o PSDB e setores de centro-direita para atacar Lula e derrubar Dilma. Mas a Lava-Jato jamais esteve “a serviço” do PSDB – como os próprios jornalistas tucanos chegaram a acreditar.

Um analista entrevistado pela BBC usou uma definição interessante para a ação dos procuradores e juízes: seria uma espécie de “tenentismo togado” (clique aqui para ler mais). O paralelo que se traça é com o movimento militar de jovens e impetuosos oficiais, que se levantou contra a República Velha, num longo enfrentamento que teve como desfecho a Revolução de 1930 comandada por Getúlio Vargas:

Não parece haver um recorte específico no sentido de poupar os demais partidos. No fundo, o que os “tenentes togados” fazem é o processo da vida política brasileira como um todo: “querem, em nome da ética jurídica, dos “valores republicanos”, erradicar a “politicagem” da cena brasileira. Mas é inegável que existe também um viés antipetista, às vezes por questão de classe, às vezes por perceberem a mistura de socialismo com corrupção como satânica ou herética” (Christian Edward Cyrill Lynch, doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ).

O tenentismo teve o papel de ajudar a demolir a velha ordem. Alguns tenentes foram levados ao governo de Vargas pós-1930, na qualidade de interventores estaduais. Outros caminharam para o prestismo que depois comandaria o PCB (Partido Comunista do Brasil) durante cinco décadas. Mas o tenentismo, ótimo para demolir a velha ordem, não tinha um projeto para colocar no lugar da Velha República. Na última hora, um político advindo da velha ordem (Getúlio Vargas, que fora ministro de Washington Luiz, último presidente da República Velha) assumiu o poder e lentamente construiu uma nova ordem.

O paralelo termina aqui. Está claro que, ao contrário dos tenentes (que eram ingênuos e sem projeto, mas lutavam pela modernização do país), os procuradores/delegados/juízes do século XXI não têm um sentido de construção nacional. Mas de demolição pura e simples.

Estamos diante de uma crise de regime, sim. Que, se chegar ao ápice, pode levar à destruição não só do “lulo-petismo”, mas de toda a ordem democrática implantada desde a Constituição de 88. E mais que isso: em certo sentido, pode levar à destruição do longo projeto de Estado Nacional iniciado em 1930.

O sentido de tudo que aconteceu de 1930 para cá foi: o Brasil pode ser um Estado autônomo, pode incluir as massas no desenvolvimento (com mais ou menos direitos, mais ou menos liberdade), e o governo cumpre papel central no desenvolvimento, dada a incapacidade da burguesia de liderar qualquer projeto nacional.

Os militares de 64 não ousaram confrontar a herança varguista de Estado. Collor tentou, e caiu. FHC anunciou que enterraria a Era Vargas, mas não conseguiu – seja porque dentro do PSDB ainda havia setores que seguraram a onda ultraliberal, seja porque na oposição o bloco PT/CUT/movimentossociais/partidos de esquerda foi capaz de resistir ao desmonte.

O tenentismo togado, agora, propõe (talvez sem a devida clareza, mas por ações práticas) uma demolição do Estado e das forças produtivas que o Brasil foi capaz de construir ao longo de mais de 80 anos. Estão na mira: Petrobras, BNDES, construção pesada, agro-indústria. É uma crise sem precedentes. Uma crise de regime. Uma espécie de anti-Revolução de 1930.

Assim como os tenentes não tinham projeto, mas apenas a energia renovadora, os togados não parecem ter outra função que não seja demolir tudo. Mas o poder, como sabemos, não admite vácuo. Alguém ocupará espaços. Se o tenentismo togado cumpre a tarefa de implodir o sistema político e de minar a própria ideia de um Estado forte, com vistas ao desenvolvimento, sobra o que?

Provavelmente, uma nova ordem baseada em “iniciativa privada, visão gerencial privatista, abertura do país”.

Muita gente se pergunta: por que a Globo foi com tanta sede ao pote na direção de destituir Temer?Ora, porque a Globo pretende se safar do naufrágio, pretende estar do outro lado do balcão se, e quando, a crise de regime levar de roldão PT/PSDB/PMDB e as agências federais de desenvolvimento – como BNDES, Petrobras e toda a longa e bem sucedida construção varguista do Estado.

A Globo é a organizadora do projeto privatista, do novo regime que já nos espreita na esquina da história.

Mas nem a Globo pode se salvar, se as delações de Ricardo Teixeira arrastarem para a fogueira da destruição os direitos de transmissão esportivas e os esquemas de lavagem de dinheiro já denunciados aqui – https://vimeo.com/album/2146619.

Até 2 ou 3 meses atrás, setores mais responsáveis do centro democrático emitiam sinais de que era preciso “salvar a política” do avanço destrutivo representado pelo tenentismo togado. Lula era visto como o nome que, de dentro do sistema político, poderia comandar a necessária resistência. Nelson Jobim e Renan, além do próprio FHC, chegaram a vocalizar essa estratégia.

Mas o tempo pode ter passado. A crise de regime pode arrastar a todos, sem exceção.

Em 1930, brotou na última hora uma solução autoritária (Vargas) que deu sentido para a demolição da República Velha. Um sentido nacional, de desenvolvimento.

Minha impressão (e espero estar errado) é que vai surgir nos próximos meses uma liderança autoritária, que ofereça um sentido para a destruição promovida pelo tenentismo togado. Mas agora um sentido regressivo, de recolonização do Brasil.

A anti-revolução de 1930 avança, e me parece que nem Lula teria força agora para deter a onda que se avoluma no horizonte.

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8 respostas

  1. eu também acho. vamos voltar a republica velha onde quem dava as cartas eram latifundiários. o brasil nunca deixou de ser isso. o problema é entender como tal poder se formou por aqui.

  2. Classe trabalhadora tem que ir as rua por diretas já.
    Ou continuará a ser esmagado pelo fascismo da casa grande.

  3. Este golpe é a ressureição  da republica do ipiranga. Idealisada pelos golpistas que além de inviabilizar a soberania Nacional  realiaram o Brasil a conteporeadade do colonianismo lacaio vinculado aos intereses não mais de uma fracassada Grã-Bretanha do final do inicio do seculo XX e sim aos ideais da "modernidade americana".
    Os ideais desta republica da toga gerenciada pelo agente, do neoliberalismo midiatico, rede globo, recupera  a essência  do discurso positivista, proto facista cravado na bandeira da ordem e progresso – de quem e para quem? – da substituição do hino nacional, "já  podeis da patria livre.." pelo factoide do grito do " ouviram do ipiranga…"
    Assim nos tornaram todos escravos produtores do real poder, os donos do capital economicos e culturais, sem desvios dos direitos do "populismo getulista" e do "consumismo lulista".
    ABAIXO O COLONIALISMO!
    INDEPENDÊNCIA  DO BRASIL!
    FORRA OS LESA PÁTRIA!
    POR UMA CONSTITUINTE  LIVRE E SOBERANA.

  4. Sempre entendi a Lava Jato como um dos fascismos concorrentes no Brasil.

    Ela tem alvos e timing estudados.

    Lula e o PT, acho, sempre foram os alvos primeiros e principais.

    Justamente por representarem a experiência viva na direção de um Estado de maior bem-estar social para a população, especialmente o seu extrato mais desprovido.

    Os 500 anos em que só a plutocracia apitava tiveram, ao longo de Lula e Dilma, um intervalo muito generoso (ainda que dentro dos marcos estreitos de um capitalismo mais humano, se é que isto não é uma contradição nos termos).

    Mas a Lava Jato também constituiu-se primariamente para agulhar não importa quem seja o governante.

    E, tal como é típico dos udenismos e fascismos, como justificativa para a sua própria existência, e resistência, como ferramenta de intermediação social, opressão e finalmente poder, a Lava Jato sempre brandirá a espada do combate ao fantasma da corrupção.

    E, é certo, em cumplicidade às vezes criminosa com a mídia plutocrata, sem os holofotes – pra não dizer a direção geral – da qual ela não sobrevive.

    De onde, então, a lente de aumento do consórcio Lava Jato-mídia magnificará, como inconvivível, uma corrupção por vezes pequena ou insignificante, embora condenável.

    De onde, então, de contradições, mentiras e invencionices sem pé nem cabeça, ela alternativamente inventará a corrupção, como tem sido as estórias improváveis do triplex e sítio do Lula.

    Se é certo que a mídia rachou entre velhos e novos atores e esquemas de dominação, e parece que isto aconteceu mesmo, até aqui nada invalida as características e roteiro da Lava Jato. Ela não quer, e tem apoio interessado pra isto, voltar pra casa.

    Por falar em agulhar, também andei me perguntando se e o quanto os casos da Fifa e da CBF não estarão servindo como moeda de troca nisso tudo mais recente.

  5. /2017 às 07:50
    Não penso que os togados agem sem saber porque. Claramente o comando e estratégia por trás de suas ações vem do império, Estados Unidos.

  6. Estamos assistindo a tentativa de restauração da república velha. Deu para perceber isso naquela famosa foto da “posse” do “governo” temer: um monte de homens velhos, brancos, ricos; apenas homens, nenhuma mulher. Ocorre que o brasil não é mais o mesmo. Sua população se multiplicou, existem meios modernos de comunicação e a internet permite que mentiras sejam rapidamente desmentidas. O que está se criando, não só no brasil, mas na América Latina, é uma enorme massa de gente que, hora ou outra, vai se levantar contra esta minoria de traidores e entreguistas. A história não acontece da noite para o dia. Antes daquelas famosas datas que a gente decora nas aulas de história, muita água rolou por debaixo da ponte. Como está acontecendo agora. O momento atual faz parte do ciclo que se iniciou em 1889, quando a “elite” derrubou o Imperador para assumir totalmente a posse do brasil. No ciclo Vargas, o poder da “elite” deixou de ser total; no período que se sucedeu a 1964, também, porque os militares não confiaram naqueles civis traíras e não lhes entregaram o poder central. Este foi recuperado pela “elite” com aquela redemocratização farsesca. Em 2002, com a eleição de Lula, o poder central novamente escapou das mãos da elite branca e agora, através do golpe, tentam recuperá-lo totalmente. O que são os “tenentes togados” e todo o judiciário senão um poder com gente que quase integralmente tem sua origem na “elite” e nas classes médias que foram doutrinadas pela mídia e escolas particulares feias por e para gente rica? É isto. Espero ver o dia em que a nossa bastilha será tomada e uma limpeza será realizada dentro do estado para livra-lo dos que o usam para manter o brasil sob comando da “elite”.

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