É fora de questão que os executores do assassinato da vereadora Marielle Franco e de Anderson Gomes precisam ser responsabilizados, julgados e condenados com todo o rigor da lei.
Mas é uma armadilha ideológica reduzir a isso a questão, afirmando que é “a impunidade” a responsável por estas monstruosidades, porque elas são fruto de algo muito pior: um sistema em que a violência e a necessidade de reagir a ela nos faz perder o foco que devemos ter: o fato de isso é , essencialmente, fruto do atraso, da injustiça, da falta de direito à educação, ao trabalho, à saúde e, como corolário destes, também do direito à vida.
Não foi à toa que as ridículas máscaras do personagem “Anonymous” deram a tônica do embrião do golpe que passou a se desenvolver depois das tais “jornadas de junho” de 2013 se inspirassem no filme “V de Vingança”. Vingança, como se sabe, é a reprodução com sinal inverso, do que é injusto e que só produz a continuidade do ódio, até por gerações afora.
É, portanto, a vingança, o contrário da mudança.
O fundamentalismo que se expressa no cartaz que aparece na cena do filme – Fortes pela unidade, unidade através da fé – prestar-se-ia perfeitamente ao Exército Islâmico ou a qualquer movimento fascista.
O sentimento de vingança serve como pretexto para a continuidade do que é bruto, desumano, corrosivo. Pior, para seu agravamento, porque legitima os métodos autoritários, sem inibir aquilo em nome do “combate ao inimigo”. Ou não é a isso que nos levou o “lavajatismo” judicial, que aboliu a prudência, os direitos e as garantias individuais e acabou por lançar o país num caos do qual só com muito otimismo podemos ver a saída?
É o mesmo roteiro mental dos que acham que “vagabundo merece é bala”. O conceito de “vagabundo” pode ser usado contra qualquer um que não sejamos nós mesmos e nossos pares. Mas só quem tem o direito de dar concretude a ele é quem detém o poder: sejam as armas, sejam os tribunais.
Na lúcida entrevista que deu à Rádio França Internacional, o delegado de polícia Orlando Zaccone diz:
Então nós temos aí, na chegada da intervenção, um reforço do discurso de que temos que restringir direitos e garantias individuais para a manutenção de uma certa ordem. Nesse contexto, aqueles que se opõem a essa construção, passam a estar no outro campo político. A ideia que se constrói em relação aos que se opõem é que são criminosos – traficantes, milicianos – e aí você joga no mesmo pacote aqueles que defendem políticas de direitos humanos. Ou seja, você joga, ao lado de traficantes e milicianos, os defensores de direitos humanos. Aí você constrói esses últimos como inimigos. A partir do momento que você localiza interesses contrários à intervenção em grupos criminosos, sejam de traficantes de drogas, sejam de milicianos, e a partir do momento que você tem defensores de direitos humanos contra a forma com que está sendo construída a intervenção, é muito fácil você construir que os defensores de direitos humanos estão ao lado de criminosos.
Troque criminosos por corruptos e defensores dos direitos humanos por defensores da legalidade e veja como se parece com o fenômeno do “lavajatismo” que assolou nosso ordenamento jurídico e judicial.
Volto à questão: punir criminosos não é programa político, sejam corruptos ou traficantes. É algo que deve ser rotineiro, institucional, permanente, não uma cruzada. Programa político é ter desenvolvimento e justiça social, dois trilhos de uma mesma estrada por onde precisa caminhar a sociedade brasileira.
A vereadora Marielle certamente não morreu para que seus assassinos fossem punidos como “exemplos”. Além de uma tautologia, isso seria uma redução maldita do significado desta tragédia. Sua morte só rebeberá o tributo que merece se for pelos valores de sua vida: respeito, legalidade, civilidade no trato entre povo e poder.
Com força, com energia, com o preço de nossas vidas, como pagou ela, mas em nome dos valores da civilização, não nos da selva.
O resto é coisa de vingadores moralistas, onde a moral só importa, mesmo, como ferramenta e justificativa para o ódio.
17 respostas
Eu ainda estou esperando o PSOL, partido que vive apontando o dedo para os outros, especialmente o PT, realizar uma autocrítica sobre seu apoio às “jornadas de junho”, aos movimentos “não vai ter copa” e “não vai ter olimpíada”. Será que esta autocrítica vai rolar?
Espere sentado porque quem apoia Bretas, Moro não tem muito remédio!
ONU quer investigação independente para o cruel assassinato de Marielle:
https://www.telesurtv.net/news/onu-investigacion-asesinato-marielle-franco-brasil-20180315-0057.html
PS – O principal cúmplice já foi identificado: BOÇALNATO e seu discurso de ódio e violência. Ele é o primeiro suspeito de ter sido o mandante da execução.
Obrigada, Fernando Britto. Se me permite vou sublinhar sua frase: “Marielle certamente não morreu para que seus assassinos fossem punidos. Sua morte só receberá o título que merece se for pelos valores de sua vida: respeito, legalidade, civilidade no trato entre povo e poder.”
O fascismo —a verdade única—- ,volta e meia assola a humanidade.O branco/preto,alto /baixo o mundo dual ( nós e nossos inimigos) é obviamente uma negação da inteligência.
Coloca-se o EI como fascismo ,só que neste caso a sua existência é “justificada” pela existência do fascismo do Império e seus parceiros. Curiosamente ,a brutalidade física,ideológica ,social da direita fascista brasileira ,não encontra o seu similar no campo oposto ,pior! são grande parte de suas ALIENADAS vítimas os pregadores da sua “doutrina”.
A solução ? complicada ,difícil,mas vale a pena tentar pela educação,não estou falando em instrução ,EDUCAÇÃO .Cidadãos educados para QUESTIONAR SEMPRE,SEMPRE,SEMPRE.
Não fale bobagens, EI não passa de um grupo de mercenários criados, pagos e armados pelos EUA. Até fábrica de pães os EUA montaram para esses malditos, forneceram até cineastas para fazer de suas execuções obras de arte da barbaridade. Em 2012 Obaminha e seu departamento de estado entregaram para o seu “justificado” EI mais de 400 milhões de dólares. Isso até as areias dos desertos sírios sabem.
Concordo plenamente com vc, Sérgio Brito: não precisamos de vinganças e sim mudanças, dentro da legalidade e o respeito pela pessoa humana,
Só uma coisa!! Em regime capitalista não existe respeito da pessoa, nunca!! Ele só respeita o ESPERTALHÂO! Comprar fiscais, dar e receber propinas faz parte do REGIME CAPITALISTA. A HISTORIA NÃO É CONDUZIDA PELA JUSTIÇA!! O CIVILIZAÇÃO SE DESENVOLVEU EM DETRIMENTO DOS SUBMETIDOS AOS PODEROSOS (SEMPRE LADRÕES E ASSASSINOS) A LEGALIDADE É AQUILO QUE ENRIQUECE MEIA DUZIA, ALGUNS MILHÕES COMPARTILHAM UM POUCO, E METADE VIVE PIOR QUE BURROS DE CARGA.
Essa única coisa diz tudo!
Fica claro o texto quando você vê o comandante supremo das forças, pedir garantias para que uma nova comissão da verdade não seja criada. Ora, assinou embaixo!
Pela primeira vez vou ter que discordar de parte do que o Fernando Brito escreve. Discordar dando sugestões. Leia a história em quadrinhos V de Vingança, escrita por Alan Moore. E também pesquise sobre a origem dos anonymous e sua filosofia. Você vai ver que o livro e a filosofia dos anonymous foram muito deturpados aqui no Brasil. Deturpados com má fé mesmo. Ou deturpados pela ignorância. Pesquise. ABS.
A mídia, com a rede globo a frente, as seitas evangélicas e a imoralidade das instituições, transformaram a sociedade brasileira num misto de imbecilidade e ódio, de difícil comparação na história contemporânea.
A volta à civilidade passa pela desconstrução desse sistema, que escancarou sua índole predadora, tendo os pobres como alvo.
Reverter esse quadro, mantendo os atores do golpe e seus facilitadores é simplesmente impossível.
O judiciário, o legislativo e o funcionalismo público em geral está minado de traidores, fascistas e manifestoches de várias matizes.
Nessas horas lembro dos expurgos de stalin e, mesmo sem defende-los, vejo como são compreensíveis sob a luz dos fatos atuais, se há alguma forma menos radical para essa desinfecção só o futuro dirá, porém é impossível seguir em frente com essa parcela da sociedade.
Minha idade não permite mais resgatar, qualquer convivência cordial com esse tipo de gente.
Sinto por Marielle e por seus nobres objetivos, porém estamos numa época onde o mal sempre prevalece.
Dezenas de ativistas de esquerda foram mortos esse ano e, por isso, é impossível aguentar tamanha provocação, até por questão de sobrevivência ideológica- e só lembrar o que aconteceu com a oposição aos nazistas de 1932 em diante.
Vou lutar até o fim com todas as armas que estiverem a meu alcance, sejam elas as palavras, as atitudes ou os porretes.
Conta comigo!
Sensacional.
Me desculpem, não conheci Marielle, não conheci a sua luta, pois moro no interior de Pernambuco,,mas conheço o Brasil, e digo,com toda a certeza está guerreira talvez tenha sido a primeira, mas da maneira como este país está indo, com certeza não será a última. Então,fica a pergunta: Quem será a próxima? Temos vários candidatos a entrar nesta lista, e nós sabemos quem são! Por isto meus amigos, vamos ficar como, como dizia meu velho avô: vamos ficar com os olhos bem abertos e com os ouvidos bem em pé.
Olá, Fernando Brito.
Concordo com tudo, menos com sua interpretação sobre o filme V de vingança. O personagem que veste a máscara foi vítima de uma “intervenção”, o cartaz na parede representa o inimigo, o objeto da vingança. O V invade a “Globo” e planeja um grande atentado, mas não o conclui justamente por perceber que o ódio e o sentimento de vingança que ele nutria não faziam dele a pessoa adequada para decidir sobre o futuro. Ele não é intolerante nem autoritário, ele se colocou contra a verdade do “lavajatismo”. Infelizmente, aqueles que vestiram a máscara em 2013, estragaram toda a lógica anarquista e libertária do personagem que marchava ao lado dos que eram perseguidos pelo autoritarismo. Claro que cabem diversas interpretações, mas certamente o V, um homem que teve o corpo inteiro queimado em uma “intervenção” era um defensor dos direitos humanos e lutava pela liberdade (com métodos questionáveis, sem dúvida alguma). Ahhh, V abominava armas de fogo. Claro, Brito, que nada disso contraria sua brilhante argumentação sobre ódio, vingança, sobre o nosso sistema judiciário e por aí vai…
Abraço!
Não sejamos ingênuos, Fernando Brito. As instituições já foram destruídas. Não há espaço de diálogo. Só restou mesmo o “olho por olho, dente por dente”.