Há uma história antiga, dizem que originada na Primeira Guerra Mundial, de que três soldados não deviam acender seus cigarros no mesmo fósforo (e os fósforos, ainda mais secos, eram artigo raro naquelas trincheiras úmidas e lamacentas) porque o terceiro a fazê-lo morreria.
É que no primeiro o inimigo se alertava; no segundo, mirava e, no último, atirava.
O primeiro fósforo, nestes dias, foi a vitória de Lula; o segundo, o governo de transição e, claro, o terceiro é a definição dos ministros, para evitar que, antes da hora, estes fiquem na mira do oceano de pressões políticas e suas ondas poderosas.
E Lula vai levar até pelo menos a segunda semana de dezembro a escolha da maioria de seus ministros-chave. Como, aliás, fez em 2002, quando só no dia 11 de dezembro a escolha de Antônio Palocci para o Ministério da Fazenda e de Henrique Meirelles para o Banco Central, surpreendendo a muitos ao escolher um homem do mercado financeiro para chefiar a autoridade monetária.
Estamos falando de um longo e inteiro mês em que, anunciado, o escolhido para a Fazenda percorreria, também, uma longa passarela de “cascas de banana”, com “fatos & fakes“, atiradas de todos os lados.
O argumento de que isso “acalmaria os mercados” é risível. Mercado não é “calminho” e sua agitação é a chave dos movimentos de cardume – evito o rebanho para não dar-lhes a conotação que a palavra “gado” – tomou. O fato de que aquelas cenas desesperadas de pessoas no pregão da Bolsa terem sido substituídas por telas de computador não muda esta característica.
A começar pela evidência de que as grandes definições de política econômica serão do próprio Lula, que não fará, como Bolsonaro, a “terceirização” da gestão da economia. O lúcido José Paulo Kupfer, no UOL, explica bem o que se tem dito aqui desde o início:
(…) é bom ir desacostumando do que valia até agora porque Lula não terá um “Posto Ipiranga” na economia — são claras as indicações de que, qualquer que seja o ministro da Fazenda, será ele mesmo, Lula, em última instância, o condutor da política econômica. Outra é que Lula considera que, depois de seus dois mandatos, em que superávits fiscais foram a regra, não precisa mais se ajoelhar no milho e pedir licença ao mercado para governar, como teve de fazer, com a “Carta aos brasileiros”, em 2002.
Claro que há gente bem intencionada que se impressiona com a crescente pressão da mídia para que as indicações sejam antecipadas. A boa intenção não o livra dos erros de interpretação política.
Mesmo que seja para conceder, fazê-lo antes da hora só aumenta a precisão do poder de fogo do lobby mercadista, muito pior que o dos fuzis da Primeira Guerra.