A barbárie e a elite

linchamento

Erra, e erra muito feio, quem atribuir à irresponsabilidade das redes sociais o linchamento e morte dona de casa Fabiane Maria de Jesus, no Guarujá.

A culpa por esta morte é nossa e, especialmente, de quem trabalha com comunicação e cultura. E com política.

Porque é na comunicação e na política (que não se separam nunca) que se definem as bases de um comportamento coletivo que caminha para a civilização ou retrocede para a barbárie.

E transformamos a  comunicação, que sempre trouxe os componentes “sucesso e dinheiro”,  em algo voltado quase que exclusivamente a dinheiro e sucesso.

Primeiro, um tanto envergonhadamente, reclamamos das “patrulhas ideológicas”, como se dizia nos anos 80.

Os meios ditos intelectuais – embora muitos ali nem o fossem, mas apenas vivessem da “famosidade” – tinham valores que os aproximavam de valores éticos e sociais e dentro de seu próprio microuniverso exigiam algum alinhamento a eles.

Os anos 50 e 60 formaram uma  camada de pintores, poetas, escritores, jornalistas, médicos, músicos, gente capaz de lidar com o imaginário social com amor ao seu povo e à delicadeza.

No final dos anos 80, isso começou a  se perder.

A “década perdida” começou a  empurrar a todos para um divórcio com o povão.

Meus colegas de faculdade hão de lembrar que um punhado de garotos, com um punhado de trocados, organizávamos shows na faculdade com Elba Ramalho, com Djavan, com um monte de gente já com disco na praça e tocando nas rádios.

Alguém pode imaginar isso hoje?

Migramos do “Gente Humilde” para o “funk-ostentação”, do valor coletivo para o império inquestionável do “sucesso” individual, exclusivamente material.

Este foi um movimento de cima para baixo, de fora para dentro.

Não foi o povão que trouxe o “Big Brother” ou transformou favela e periferia em guetos.

Não foi o povão quem colocou Ratinhos, Datenas e Sheherazades a dizerem que linchamentos são “compreensíveis”.

A eleição de Fernando Collor talvez tenha sido o “cabo da boa esperança” onde deixamos para trás este passado.

Dali para frente, a idolatria do “mercado” se impôs e invadiu os corações e mentes da parcela da elite brasileira que via, sentia e queria estar junto do povo brasileiro num projeto de país.

O processo de traição da ideia de um só Brasil completou-se com Fernando Henrique e a esquerda, num processo autofágico, aceitou os dogmas mercadistas e a ausência do Estado como ponto referencial da vida social.

Nasceram – com grande apoio no próprio PT – a ideia do “onguismo” e da “responsabilidade social” como as melhores – e quase únicas – alavanca de promoção social e trocamos a ideia de povo pela de “comunidade”.

“O povo, unido, jamais será vencido” perdeu o sentido, porque seria só com a  sua fragmentação em “projetos sociais” que levaria à eficiência.

Passou a prevalecer a ideia cruamente exposta na letra dos Titãs: “eu só quero saber do que pode dar certo/não tenho tempo a perder”.

A  transformação em dogma da “verdade” da ineficiência e da corrupção intrínsecas ao Estado, em outra face, fazem desacreditar da punição ao crime e, ainda pior, fazer contestar a Justiça quando ela própria não assume o papel de linchadora.

O principal aparato de controle social do sistema, seus meios de comunicação, em nome de um “liberalismo mercadista”  legitimam, com pouquíssimos pruridos formais, a barbárie como a regra “natural” mais importante do convívio humano, do “mercado” ao justiçamento por pauladas.

O “mérito” e o “demérito” passam a ser a régua absoluta e o direito humano que nos civiliza fica esquecido ou debochado, à direita bolsonarista ou à esquerda blaquibloquista.

Ambos, convenhamos, bem inferiores ao animus linchatório irracional de uma multidão, porque formulados “a frio” e com “justificativas”.

Não há defeito maior nos quase 12 anos de governo petista do que a vergonha em usar o poder para enfrentar o sistema.

Foi forte na sua gênese o medo dos adjetivos “nacionalismo” e “populismo”, que eram verdadeiros tabus, antes que se descobrissem parte de uma corrente histórica que nasceu antes, muito antes, do PT.

E certamente por ter, também, mergulhado no pragmatismo de entender que é mais fácil conservar-se sem este enfrentamento.

Pode ser, nos tempos de bonança, mas não no das dificuldades.

Nelas, só o salvou o sentimento profundo –  que sobrevive mesmo que quase nunca alimentado e sempre vilipendiado – de que somos um povo e um país e um povo capaz de ter um destino próprio, sem tutela.

O preço de conviver com a  realidade e as elites brasileiras não nos exime do dever de fazer contraponto ao sistema e do de não nos deixarmos viver na  lógica do “dinheiro e do sucesso”.

Pisar nos tapetes não pode ser afundar na sua maciez.

Não pode ser deixar o núcleo das forças transformadoras sem Norte e, a seguir, sem ânimo para o enfrentamento.

Não pode ser deixar de sonhar.

Quando se deixa de falar nos valores e sonhos de um povo, a começar do de ter um país que seja seu, tudo se brutaliza na realidade imediata.

Se aceitamos que ser lobo é a realidade para o ser humano, não nos espantemos se agirem como feras.

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21 respostas

  1. Cabe salientar, caro Fernando, que grande parte da população Brasileira está com o fígado intoxicado pela raiva gerada na Mídia Mofada emcabeçada pela Globo! São fígados gordurosos e raivosos prontos para virar patê e servir de recheio aos brioches de uma elite oligárquica e egoista. Vejam o exemplo da “Justiceira Sherazade”, qual seu currículo social ou jurídico, para ser transformada numa “estrela da comunicação” em telejornal, com direito a dizer aos telespectadores o que é certo e o que é errado; o que é moral e o que é imoral, além disso, receber um salário de 250 mil reais por mês no SBT e ser disputada a tapa pela BAND com a oferta para 350 mil reais mensais. Enquanto um médico tem que estudar mais de 10 mil horas para se habilitar a fazer uma cirurgia ou atender seus pacientes dignamente e com responsabilidade, e só sonhar em ganhar um décimo do salário desta falsa “justiceira” Sherazade! Então são estas anomalias de uma sociedade bitolada e limitaa a idolatrar e imitar falsos ídolos, já dizia Nietzsche em “O OCASO DOS ÍDOLOS”, cuja leitura, acredito, ajudaria a desintoxicar o fígado e o cérebro de muita gente.

    1. Com o devido respeito, ia indo muito bem, mas pôr médico como exemplo positivo de alguma coisa não dá, faça o favor.

      1. Porque ?!?!? Nem todo o médico é COXINHA.

        “ANOS tuKKKânus LEWINSKYânus NUNCA MAIS !!! NO PASSARÁN !! VIVA GENOÍNO !! VIVA ZÈ DIRCEU !! VIVA A LIBERDADE, A DEMOCRACIA E A LEGALIDADE !! VIVA LULA !! VIVA DILMA !! VIVA O PT !! VIVA O BRASIL SOBERANO !! LIBERDADE PARA JULIAN ASSANGE, BRADLEY MANNING E EDWARD SNOWDEN JÁ !! FORA YOANI e MÉDICOS COXINHAS !! ABAIXO A DITADURA DO STF DE 4 PARA A GLOBO !! ABAIXO A GRANDE MÍDIA CORPORATIVA, SEU DEUS ‘MERCADO’ & TODOS OS SEUS LACAIOS & ASSECLAS CORRUPTOS INIMPUTÁVEIS !! CPI DA PRIVATARIA TUCANA, JÁ !! LEI DE MÍDIAS, JÁ !! “O BRASIL PARA TODOS não passa no SISTEMA gloBBBo de SONEGAÇÃO – O que passa SISTEMA gloBBBo de SONEGAÇÃO é um braZil-Zil-Zil para TOLOS”

      2. Absolutamente, meu caro. Sou testemunha de uma geração de médicos que aderiu sua formação e atividade à ideia da Saúde Pública. Devemos a eles, aliás, a formulação do SUS, nos anos 80

      3. Há um tempo atrás, um médico residente da Santa Casa de POA, que pegava o ônibus para vir trabalhar, passou uma madrugada inteira abrindo e fechando o peito da minha mãe, para salvá-la de uma hemorragia pós-operatória de uma endocardite. Hoje -muito feliz- tomo mate com minha mãe. Se eu não fosse agradecido e reconhecesse os bons médicos -os que não são mercenários- eu estaria corroborando com Sherazade, meu amigo!

    2. concordo meu caro, mas pedir á manada que ¨está com o fígado intoxicado pela raiva gerada na Mídia Mofada, que perde seu tempo diário, vendo tv, com Datena, Rezende e Boechat, á ler……..desculpe, é pedir muito (infelizmente).

  2. Me parece claro que nos últimos trinta anos, pelo menos, os sonhos e as utopias, que são sempre civilizadores na medida em que pautam e orientam gerações e formam consensos positivos, foram sendo substituídos pelo pensamento único do sucesso associado exclusivamente ao acúmulo de bens. Trocamos os sinais! Do Idealismo Coletivista dos anos sessenta e começo dos setenta, passamos, dos oitenta em diante, para o Individualismo Consumista! É batido, mas é real: Ter passou a valer muito mais do que Ser!

  3. Houve um tempo em que o homem vivia em cavernas,não sei como era,só sei que
    no mundo externo,muita coisa mudou vemos belíssimas casas,belos carros
    tecnologias,informação, mas e dentro ?
    mudou alguma coisa ? as pessoas estão
    buscando ? por isso essa frustração em possuir fortuna e fama que não levam a uma evolução, interior, alguem muito rico, falecido a pouco tempo e fabricante de computadores disse: “eu daria tudo que tenho,para se fosse possível,passar uma tarde com Sócrates…”

    1. As pessoas querem ser famosas,e depois
      usam disfarces,para serem anonimos,
      As pessoas querem ser ricas,vão até? nas igrejas pedirem riqueza,não sabem que quanto mais adquirem,mais escravos ficam dos seu bens,sabe quanto custa os impostos ?
      Um simples mortal,nem sabe se vai estar vivo,daqui a dez minutos,quer ser e ter tudo,entra nesse mundo de mãos vazias e nus,e saem do mesmo jeito.
      E melhor procurar paz e sabedoria,e entender sobre nos mesmos…

  4. Também concordo que se a Gloriosa tivesse durando mais 25 anos, o civil de civilização nossa hoje será espetacular.

  5. BOA TARDE,

    MAIS UMA VEZ A POPULAÇÃO ERRA E ERRA DO LADO DELA MESMO! ESSE LINCHAMENTO TEM QUE SER NA BASE DESSE BRASIL, PEGAR A ESCORIA DELE ESSE DESTRUIR NADA, ERRADICAR DO SOLO NOSSO ESSA BICAMERAL E TUDO QUE TIVER DNA DELES. FAZER RAÇÃO DELES ISSO SIM!!!

  6. Infelizmente tenho que admitir que o GF tem a maior parte da culpa, ao dar e renovar concessões para mídias que desinformam, mentem, apresentam programas degradantes, acusam sem provas e que desconhecem o que é civismo e nacionalismo. As Sherazades, Ratinhos, Datenas e semelhantes, são bem pagos para fazerem o que fazem. São bonecos de ventríloquos pois se não seguirem as orientações dos patrões vão para a rua, seja no rádio, na tv, no jornal, na internet. Assim, o GF tem que fazer a sua parte cortando na própria carne e retirando das mídias o que não presta e responsabilizando criminalmente os que alimentam a barbárie.

  7. Fernando, eu ia assinar enbaixo, mas vou defender o PT. Hoje já tenho uma visão bem melhor, ainda que incompleta, do triplo mandato petista. A direita os odeia porque odeia tudo que não seja espelho, e a esquerda os odeia porque os acredita covardes. Até certo ponto, sim, o PT foi covarde, ou melhor acomodado, visto que costuma a ser teoria de quem está no poder fazer o mínimo necessário para continuar no poder porque mudanças podem saur do controle e gerar tiros pela culatra. Quando Lula assumiu, sabia que, por mais que acreditasse em moratórias, reformas de base ou governos puramente trabalhistas, havia uma elite pequena mas poderosíssima, que controlava e ainda controla capitais e mentes. Uma briga estilo chifre contra chifre acabaria mal para a esquerda e muito mal para o povo, que veria um expurgo ideológico que faria a deposição de Collor parecer um espirro de chiuaua. Lula pensou bem e decidiu que, mesmo que perdesse a guerra contra a Casa Grande e radicalismo ambidestro, deixaria um legado. O governo petista fez o maior investimento em educação nos últimos 50 anos, em especial através do Bolsa-Familia, que antes de tudo visa salvar não os mais pobres, as os FILHOS dos mais pobres. Lula sabe que povo com um mínimo de educação pode futuramente colocar a Casa Grande contra a parede, com ou sem Lula, Dilma, Brizola ou Jango. Isso a direita terá que mover mares e terra para tirar do povo. O PT anda hesitante porque tem sido bem sucedido o método ‘soft way’ de levar a situação, mas a blitzkrieg da oposição e da mídia atingiram um patamar de imensa sordidez, e els vão ter que realinhar suas estatégias, e não pode ser ‘nas coxas’. Desculpe a verborragia, um abraço.

  8. Bem antes da virada do século XIX para XX, a noção de multidão causava arrepios. Durkheim torna conhecido o conceito de anomia. A explicação era a desintegração dos controles sociais em sociedades que passaram por grandes transições. A imagem mais forte que me vem à cabeça é do filme Tempos Modernos de Charlie Chaplin. Século XX, no após guerra, um sociólogo americano, David Riesman, escreveu um livro chamado A multidão solitária em que destacava dois tipos de indivíduos: Um introdirigido, voltado para si mesmo e outro, alterdirigido, submisso em maior ou menor grau à aprovação dos outros. Teria um terceiro tipo que não recordo. O alterdirigido tem sido vinculado a celebridades instantâneas de hoje. Se num primeiro momento, anos 50, pode ser representado por personagens da série Papai sabe tudo, hoje poderia ser ligado à imagem do Show de Truman. No final do século passado até nossos dias temos ouvido muito sobre o conceito de fragmentação. Conhecimento fragmentado, experiências multiculturais, identidades descentradas, isto é, uma perda do sentido de si, antes ancorada em referências estáveis. Isso tudo é muito teórico e complexo para definir que tipo de conquista ou decadência social vivemos. O que mais me chama atenção no problema da fragmentação é o esgarçamento dos laços de solidariedade humana. Na aparência de tudo isso, há uma percepção forte de uma volta ao passado, às visões preconceituosas dos anos 50, da crise da guerra fria e, em certos casos, até um retrocesso das visões desumanas das sociedades feudais. Não foi à toa que os teóricos do nazismo alemão misturaram mitologias, visões de etnias e superioridade racial calcadas numa pseudo ciência. Ali, a identidade étnica e cultural (a visão de raças atualmente já é rechaçada por muitos estudiosos) unia os chamados arianos, a raça branca pura (sic). Nessa chamada pós-modernidade, por mais que me esforce, não consigo ver nenhum sinal de fragmentação nas estratégias da mídia corporativa, mesmo na presença das redes sociais. O tipo de certezas que disseminam parecem vir do maccartismo dos anos 50 , com atos de espionagem e de perseguições da mesma época. E a volta do bode expiatório. Alguém tem que pagar pelas frustrações sociais. Aliás, se fosse exemplificar usaria o filme Rede de Intrigas. Quanta miséria!

  9. Quem é culpado?
    Quem apedrejou, quem esfolou, quem chutou, quem não fez nada para impedir, quem falou, quem divulgou, quem postou, quem apontou, quem cuspiu, quem beliscou, quem socou….quem matou aos poucos….
    ESTES SÂO OS CULPADOS…e merecem ir para cadeia, e ser apresentados aos filhos e familiares Da FABIANE MARIA de JESUS,que tinha a idade do MESTRE.

  10. … na segunda-feira ouvi na “cbn” o maior absurdo sobre os acontecimentos do Guarujá — a imbecil viviane mosé afirmou que a culpa é da internet, pois quando o Brasil vivia o tempo do se deu no “jn” ou na “veja” é verdade, isto não teria acontecido, eles se acham os donos da moral e bons costumes …
    … será que eles não perceberam sua decadência …

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