Diante da reiterada insistência de Jair Bolsonaro em propagandear as virtudes curativas da hidroxicloriquina e até dizer que a tragédia de Manaus ocorre porque não a ministraram em massa, as instituições de Saúde tem o dever de esclarecer a população, sob pena de tornarem-se cúmplices do charlatanismo presidencial.
A Fundação Oswaldo Cruz, enfiada pelo governo na aventura da vacina indiana – na qual o seu papel seria colar adesivos com o seu nome em frascos nos quais só sabe o que haveria dentro pelo que o Instituto Serum dizia ter, mais ou menos como estes importados que têm rótulo dizendo que é “importada e distribuída por Manoel&Joaquim Produtos Alimentícios”- bem que poderia, chamar a imprensa e dizer que assina, junto com a Organização Mundial de Saúde e instituições de diversos países, um artigo científico onde se relatam os resultados experimentais da droga bolsonariana e conclui-se que ela é uma “futilidade” – esta exata palavra, pouco usual até em linguagem acadêmica – que deve ser descartada.
O estudo, publicado pelo New England Journal of Medicine, avaliou, além da hidroxicloroquina, também o remdesivir, o lopinavir e interferon beta-1a – em pacientes hospitalizados com Covid-19. No caso da hidroxicloroquina, morreram 104 de 947 pacientes que estavam recebendo a droga contra 84 mortes em 906 do grupo controle, sem administração da droga.
Ou seja, não morreram menos, morreram até em maior quantidade.
“Nenhuma droga reduziu definitivamente a mortalidade, geral ou em qualquer subgrupo, ou reduziu o início da ventilação ou a duração da hospitalização(…)Os regimes de hidroxicloroquina, lopinavir e interferon foram descontinuados por futilidade (…)”
A Fiocruz até noticia o estudo em seu site, ontem, mas de forma lacônica e anódina: Remédios como hidroxicloroquina e remdesivir podem ser usados no combate à Covid-19?
Que diabo é isso de “perguntar” algo que já e sabe a resposta, no momento em que a população carece de informação assertiva, porque há “apenas” a maior autoridade pública do país dizendo que é isso, muito mais que a vacina, o que pode evitar a doença grave e a morte?
A Sociedade Brasileira de Infectologia, que é uma agremiação corporativa, sem os compromissos públicos que tem a Fiocruz, é dez vezes mais enfática:
A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) não recomenda tratamento farmacológico precoce para COVID-19 com qualquer medicamento (cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, nitazoxanida, corticoide, zinco, vitaminas, anticoagulante, ozônio por via retal, dióxido de cloro), porque os estudos clínicos randomizados com grupo controle existentes até o momento não mostraram benefício e, além disso, alguns destes medicamentos podem causar efeitos colaterais. Ou seja, não existe comprovação científica de que esses medicamentos sejam eficazes contra a COVID-19.
É o mínimo que se espera de uma instituição com sua importância e com a tradição da Fiocruz.
Em 1970, dez cientistas da Fundação Oswaldo Cruz foram cassados por terem a coragem de resistir ao descaso da ditadura com a Saúde Pública e, num requinte de crueldade, impedidos de trabalhar em qualquer instituição sanitária pública. Não é preciso ter toda, mas convinha que os dirigentes do principal instituto de pesquisas de saúde do país tivessem um pouco da coragem de seus mestres.