A “morosidade” da Justiça, o linchamento judicial de Moro e a lição de Montesquieu

montesquieu

A um juiz, pela importância da função que exerce, exige-se, antes de tudo, decoro, prudência e discrição.

O Dr. Sérgio Moro não cansa de – elevado ao estrelato de Juiz Supremo do Brasil – expor ao país a boa razão de esperarem-se tais coisas de um magistrado.

Ontem, está no Estadão, não perdeu a chance de usurpar as funções que não são suas e proclamar-se juiz dos desejos do povo, no mais deslavado populismo judicial.

“A população quer saber o ‘efeito final’ dos processos criminais, ‘saber se a Justiça funciona ou não’. Não podemos ter a Operação Lava Jato como um soluço que não gere frutos para o futuro”.

Não, Dr. Moro, o papel de Justiça é ser justa, equilibrada, garantidora não apenas do cumprimento da lei, mas da universalidade dos direitos, não importa a quem.

Não é a de se substituir ao linchamento popular dizendo: “podem deixar que eu espanco ele”…

“No Brasil, existem casos criminais em que a prova incriminatória é esmagadora, mastodôntica, com a responsabilidade demonstrada, e o réu insiste em ir até o final do processo, apostando na impunidade.”

É direito do réu, de qualquer réu, esgotar suas possibilidades de defesa.

O que compete ao Judiciário é fazer com que este processo de garantia do reexame de decisões  – quase todas de um só homem- seja rápido, não o de eliminar esta garantia.

Garantia, inclusive, do poder persecutório do Estado, que pode e deve recorrer de decisões que não considerem “esmagadoras e mastodônticas” as decisões do juiz ou as penas aplicadas, porque não há proibição, quando não é apenas a defesa quem recorre, de agravarem-se as penas. Só no caso de recurso exclusivo da defesa há a vedação do aumento de pena, o tal “reformatio in pejus” de que falam os advogados.

Mas vai-se adiante no estilo judicial que não busca apenas ternos em Miami, mas modelos de Justiça, ao arreppio da Constituição brasileira que diz, em seu o art. 5º, LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Sérgio Moro verbaliza aquilo que, há dias um colega seu, o juiz Alexandre Morais da Rosa, adverte da ideia de copiar o sistema americano de transformar a aplicação da lei ao um mero “negócio entre partes”, o acusador e o acusado, chegando ao “extremo de termos uma pena sem processo e sem juiz”.

O acusado, assim, praticamente se transforma num sequestrado, que deve pagar com algo – ou a delação de terceiros ou a assunção de uma pena “vantajosa” – pelo direito de ser condenado com “limite” de pena e sem a chance de lutar por sua eventual inocência.

Não há mais inocentes, há apenas os que não quiseram confessar e que, por isso, já estão condenados.

Escreve o Dr. Morais da Rosa:

“A negotiation viola desde logo o pressuposto fundamental da jurisdição, pois a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade, senão que está nas mãos do Ministério Público e submetida à sua discricionariedade. Isso significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo tribunal, que erroneamente limita­se a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor. Não sem razão, afirma-se que o promotor é o juiz às portas do tribunal. O pacto no processo penal pode se constituir em um perverso intercâmbio, que transforma a acusação em um instrumento de pressão, capaz de gerar autoacusações falsas, testemunhos caluniosos por conveniência, obstrucionismo ou prevaricações sobre a defesa, desigualdade de tratamento e insegurança. O furor negociador da acusação pode levar à perversão burocrática, em que a parte passiva não disposta ao “acordo” vê o processo penal transformar‑se em uma complexa e burocrática guerra”.

Aliás, a condenação precede mesmo o julgamento, porque o Dr. Moro provou que é possível – e triste – que se mantenha alguém preso por meses a fio sem que nada haja contra si, senão a versão unilateral de um delator que aponta o dedo a alguém para  se safar, no possível, de seus próprios delitos.

Alem do mais, a banalização da transação penal tem efeitos pra lá de  discutíveis sobre a eficácia do sistema judicial em si, quando não se considera o interesse – ou, quem sabe, o desejo – de envolver e culpabilizar terceiros. Qualquer pessoa do povo sabe que, nos crimes de menor poder ofensivo, o “pagamento de cestas básicas” tornou-se uma especie de garantia de impunidade de fato, como pode se tornar o pagamento de multas e a “deduração” de outrem.

O discurso do Dr. Sergio Moro não é o da elevação do papel do Juiz, mas o seu rebaixamento à condição de “justiceiro”, como se a punição e não a justiça fosse o cerne de sua ação.

Há, contudo, um aspecto de imensa perversidade quando se nega a presunção da inocência até a apreciação de recursos e a condenação transitada em julgado, pretendendo a execução prévia de pena e recusando o que disse Montesquieu há mais de 250 anos, em seu Espírito das Leis: quando a (presunção da) inocência dos cidadãos não é assegurada, a liberdade também não o é” .

Porque a  lei é feita para todos os homens e mulheres, não para os criminosos e, portanto, deve cuidar antes de proteger o inocente que de castigar o transgressor.

É, dizia dizia o velho pensador, em que se funda boa parte da ideia moderna de estado, uma regra que vale tanto para o indivíduo quanto para a sociedade:

“Quando uma república conseguiu destruir aqueles que queriam derrubá-la, deve-se apressar em pôr fim às vinganças, às penas e até mesmo às recompensas. Não se podem realizar grandes punições, e por conseguinte, grandes mudanças, sem colocar entre as mãos de alguns cidadãos um grande poder. Logo, é melhor, neste caso, muito perdoar do que muito punir; pouco exilar do que muito exilar; deixar os bens do que multiplicar os confiscos. Sob pretexto da vingança da república, seria estabelecida a tirania dos vingadores. Não se trata de destruir aquele que domina, e sim a dominação. Deve-se voltar o mais rápido possível para o andamento normal do governo, onde as leis protegem tudo e não se armam contra ninguém.”

Nem Stálin nem Hitler pensavam assim.

 

 

 

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26 respostas

  1. Que esse juiz prenda pessoas sem acusação por um periodo superior a tres meses é uma coisa, outra são os tribunais superiores permitirem, se há abusos e ilegalidades não solucionadas nessa tal vaza a jato, quem teria a competencia para corrigi-las sãos esses tribunais, por que não o fazem?

      1. Não, caro WSobrinho. É CASUISMO E CANALHICE mesmo, de quem se aproveita de um abostamento e fragilidade “programada” de um até certo ponto “político e programático” ingênuo governo para se lambuzar com o mel das benesses da cachopa de mel do Estado. Prova cabal disto, é que é no furor da “vaza a jato” que os larápios da Toga -com raras exceções- se aproveitam para sugar as tetas já murchas da República com seus aumentos insaciáveis de salários e penduricalhos incorporados e estendidos aos demais agentes da verdadeira máfia do Direito que compõe nossa JU$$$TIÇA.

    1. Juiz não deve explicações aos leigo e casuísticos blogueiros e seus igualmente leitores.
      A Operação Lava-Jato vem sendo referendada pelos tribunais superiores, inclusive elogiada pelo ministro Teori.
      Podem tentar, mas sabem que nada vai anular ou debilitar ao Operação que está desarticulando a quadrilha que assalta estatais e por conseguinte o bolso do contribuinte e amparo social para os mais necessitados.
      Evocar Montesquieu para esse contexto deixa de ser fingida erudição (de quem nunca de fato o leu)e fica patente o desespero de desqualificar a Operação que prende corruptos de vários segmentos e estirpes e para fazer jus a imagem de lulista que o blog quer passar.
      Deprimente a notória distorção dos fatos.
      A troco de quê essa indisfarçada e sistemática parcialidade?
      Injusto seria não chegar ao cabeça da rapinagem.

      1. Ah, então juiz deve explicações apenas aos leitores de Veja, Folha, Estadão e à audiência da Globo? Como ninguém tinha pensado nisso antes?
        Qualquer poder deve explicações ao povo, pois apenas o povo é soberano; queiram ou não queiram os juízes.

        1. Pelo arcabouço constitucional quem controla os atos dos juízes são outros magistrados de instância superior ou administrativamente pelo esvaziado CNJ.
          As motivações do juiz estão nos autos e os interessados se inconformados com essas que recorram. Garanto-lhe que esses investigados, indiciados e réus têm muito dinheiro para pagarem aos mais caros advogados.
          Se estão presos ainda não é por falha de defesa ou falha institucional é por ter se configurados todos elementos da materialidade e da condutas delitivas, no popular, a casa caiu!
          Agora, concordo que agentes políticos eletivos como parlamentares e sobretudo presidente da República tem muito que dá satisfação ao povo, seu eleitor ou não, a começar pelo estelionato eleitoral, pelas pedaladas, pela corrupção que grassa o país.
          O mesmo povo que bota dessas desgracinhas lá é a mesmo que as apeiam.
          Ataca insensatamente ao juiz Dr. Moro é de uma baixeza sem limites.
          Perceba a paranoia que esses sites como o 247 instiga, ninguém presta, nem o PIG, nem PF, nem MPF, nem TCU, nem cidadãos anti-lulopetismo e assim por diante….. só a pobre petralhada que presta, não duvido que vamos saber o preço desse infrutífero e lambanceado lengalenga.

          1. O 247 atira pra todo lado; nunca o vi como um site petista. Reza a lenda que é de propriedade de DD, empresário muito bem tratado pelo STF (especialmente por um certo ministro que adora entrevistas), não pelo PT.
            Tente ser honesto pelo menos uma vez, já que cobra tanta honestidade dos petistas. É público que o governo do estado de São Paulo compra revista Veja e distribui em toda rede escolar pública. Que eu saiba, Alckmin não utiliza dinheiro próprio, mas público, então qual é o nome disso?
            Mas isso não é imoral né? Distribuir revista processada por calúnia e difamação com dinheiro público é uma prática altamente recomendável, da qual o governador não aufere nenhuma vantagem.
            Estiquem bem a corda da moralidade; um dia ela parte.

  2. O intransponível Sérgio Muro, tem certeza que é Deus, e a grande mídia o fez grande. De posse desse pensamento, ele age como um tirano, acima da lei e das Instituições superiores. Quem ousar enfrentá-lo, estará enfrentando a grande mídia, isso ninguém fará!

  3. E qual o motivo de nenhuma entidade (OAB, Tribunais de Justiça Superiores) falar essas verdades para esse juiz? A todo momento o juiz Moro está proferindo palestras e sendo convidado para entrevistas e ninguém com base juridica o interpela nestes momentos? Por que as entidades jurídicas não se posicionam fortemente contrárias a esse justiceiro de um olho só, que só investiga um lado e condena prematuramente? Alguém já escreveu que se o Juiz prende alguém no início do processo, e se for esse mesmo juiz que for julga-lo, essa pessoa já estará previamente condenada, porque o juiz não vai admitir que prendeu a pessoa equivocadamente.

  4. Já pensei que, como no futebol, tudo é uma armação, e nós bobos, na torcida. Quem garante que entre eles, juizinhos e juizões (no STF), PF, ministérios das mais diversas cores, controladorias idem, imprensa, políticos e governos não estão todos combinados? E a aposta? Maior transferências de recursos do erário para a banca privada e umas porcentagens para os atores acima. Assistam vídeos da Maria Lucia Fattorelli.

  5. … O atual *”juiz do ‘braZ$&l'” não resiste/iria a uma, digamos, delação premiada das organizações criminosas Globo do FIFALÃO do ‘laranja’ J. Hawilla &$ da sonegação bilionária!
    Delação premiada ‘editorializada’!
    Editorial escrito pelo Ali Kamel(o) e lido pelo ‘Bonner da Fatinha’ no famigerado **’JN’!
    *um rábula mequetrefe de primeira instância de uma comarca qualquer da província da ‘Guantánamo do Paraná’!
    **Nacional?! Poeta?! [pseudo]Jornalismo ou entretenimento?!…

  6. Em um pais que Juiz prende pessoas sem prova de culpa p/ que confesse ou delate, e o STF se omite. Em uma nação que um Jato utilizado por um candidato a presidência da república cai sobre residencias, há várias vítimas e passado mais de um ano a justiça não pode saber quem é dono e portanto não pode haver reparação porque há um bloqueio sobre as investigações,( assim como centenas de casos escandalosos) podemos concluir que aqui nesse país não há justiça, mas sim um processo seletivo de imputação de culpa para os quais os amigos são imputáveis.

  7. Sr.Britto.Li com prazer seu artigo,postado no Conversa Afiada,e me atrevi a colocar lá,comentário ao respeito.Gostaria que o lesse,se tiver tempo e “SACO”,se não me censuraram ainda.Mas em resumo,considero DELINQUÊNCIA JURÍDICA,a quase totalidade do que este senhor diz.Saudações…

    1. Quero saudar nesse blog,a AUSÊNCIA de qualquer óbice,ao que se posta aqui.Alguns blogs,mercê não sei ao que,censuram o que se posta.Penso eu,serem tais postagens de minha parte,tão medíocres,que não gostam de publica-las.Que fazer se meu alcance cerebral,não atinge as alturas dos intelectos privilegiados?São coisas Del Bandoneon!

  8. Brito, em tempo de escuridão e pensamentos binários, brilhante mais uma vez. O Brasil não merece essa mediocridade imposta por essa camarilha jurídico-maçônica-midiática. O Brasil foi feito para brilhar e enquanto estiver sob influência dessa vanguarda da elite do atraso, não sairemos do atraso por questões óbvias.

  9. Interessante é que o ministro Zavascki antes era suspeito, por haver sido indicado por Dilma. Agora é da “turma” por referendar algumas decisões de Moro. Isso vale para os outros. Enquanto era suspeito, pouco importava o acerto da escolha de Dilma. Agora que saiu da suspeição, ninguém reporta a competência da Presidenta na escolha. Nesse caso, a culpa não é do PT? Por que será?

  10. Juiz não deixa livre cunha , alckmin , gilmar mendes , cabral , pezão , fernado henrique cardoso , serra e os maiores criminosos de euma Nação.
    Juiz não interroga o Chefe do Programa Nuclear Brasileiro sabendo que a cia escuta ou moro conta tudo a eles como dilma.
    Não é juiz sergio moro é como varios farsantes que se apossaram do judicário e faliram com o Sistema de Justiça na Nação.
    Ze Dirceu , Almirante Othon e mais de 600 mil Brasileiros presos por acusações falsas , sem provas ou por delitos menores e serra , fhc , dilma , moro , cunha , alckmin soltos significa a palhaçada e ameaça a Segurança e Soberania Nacional que as instituições judiciario , legislativo e executivo se tornaram , quando a ameaça de cobrança Popular aumentou , assinam acordo de desmatamento zero ,Amazonia Verde e Exercito , prendem Othon , Tec Nuclear e Amazonia Azul , Marinha ,e Ze Dirceu , JD no MD , o Homem que conhece toda a cia dos eua no Brasil e America do Sul.
    Vão pra pros quintos dos infernos moro e todos os grandes criminosos da Nação , a Marcha Trabalhista está em Formação e a caminho de Brasilia
    Saudações Trabalhistas

  11. Caro Brito

    Juiz é órgão unipessoal, portanto Moro sabe que a maioria da população não o diferencia quando age como órgão e como pessoa física. como pessoa física é fascista como seu pai foi

  12. Brito, permita-me completar a última frase do seu irretocável texto: Nem Stalim, nem Hitler pensavam, nem o Dr. Moro pensa, assim.

  13. Vou sair um pouco do foco do justiceiro e falar de alguns detalhes que me chamam a atenção. Operação lava jato, o tribunal em Curitiba/Paraná, o tempo despendido até agora, as fases da operação, as viagens e diligências, realização de perícias (algumas erradas como no caso da cunhada de Vaccari) e o número de réus até agora (119 e 30 condenados). O que falar sobre as custas dos processos – 119 réus e 30 condenados? Qual a remuneração legal para os agentes do processo, o chamado ônus financeiro de cada processo (já viram o montante de multas?)? Qual o lucro dos cartórios curitibanos? Essa operação, além de colocar os holofotes políticos nos seus atores, não serviria a mais alguns interesses cartoriais? Tem gente ganhando com isso. E muito. Não é só do dinheiro da Petrobrás que saem pixulecos… Dá uma boa reportagem.

  14. Nada a vê nivelar Stálin com Hitler!…O primeiro nos salvou do segundo. Aliás temos muito que aprender com ele de como combater e derrotar fascistas em todas as frentes.

    1. Apoiadíssimo caro Sérgio.Por vezes o Brito é muito perestroika como o saudoso Eng. Leonel de Moura Brizola se referiu aquele Roberto (hoje Bob)Freire num debate em 1989. Saudações.

    2. Sr.Sergio Rodrigues.Convém agregar ao comentário que postou,o FATO de que todos os relatos,sobre o Sr.Stalin,que se tem conhecimento,foram feitos pelos seus inimigos e detratores.A extinta URSS,esta reduzida em mais uma nação capitalista,que tem armas poderosas.Senão,já teria desaparecido.

  15. Pelo visto, a única literatura sobre Diteito que o Moro têm à disposição são as escritas por : Reinaldo Azevedo, Merval Pereira e Lobão (“cantor/compositor”).
    Tristíssimo !

  16. Alemanha ano de 1937, portanto em pleno regime nazista:

    “Os cidadãos não podiam mais contar com a proteção da lei, já que a culpa ou a inocência não eram mais decididas pelas cortes. A polícia podia prender qualquer um pelo que pensavam que eles poderiam fazer no futuro.”

    (“A História da SS – O implacável esquadrão da morte de Hitler”, de Nigel Cawthorne – pág.87)

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