Excelente a reportagem, hoje, em O Dia, da coleguinha Maria Luisa Barros, usando os dados da tese do delegado de polícia Orlando Zaconne.
Em 15 anos, 12.594 mortos em “autos de resistência”, isto é, mortes oficialmente atribuídas a policiais, sem contar os “por fora”, que aparecem nos matagais e carros abandonados.
Como lembra bem a repórter, uma “Guerra das Malvinas”, quase, por ano.
Muito mais que todos os policiais dos EUA, com 20 vezes a população do Rio, mataram (409) em todo o ano de 2012.
E um número incomparável aos 10 executados por receberem a pena de morte ainda remanescente em 32 dos 50 estados norte-americanos.
E o Ministério Público, nas 308 ações analisadas no estudo, concluiu que todas foram adequadas, tanto que as aruivou.
O resultado é ruim também para os policiais: a banalização do confronto faz com que os policiais mortos seja, também, maior, na mesma escala.
Outro dia escrevi aqui que não era preciso ter sequer sentimentos humanitários para entender que mais mortes não vão trazer segurança.
Basta olhar a realidade.
Basta entender o óbvio, que o guri ou jovem que rouba e mata não tem “medo racional” da morte que – ele sabe – está com encontro marcado com ele bem mais cedo do que a Natureza o faria.
Basta ver que, a menos que se fizessem um morticínio semelhante ao que os nazistas fizeram com os judeus – a comparação é apenas numérica, no caso das vítimas, por favor – não se vai reduzir o número de crimes ou de criminosos.
E se não é possível usar a morte em massa (se é que já não consideramos os números atuais algo “em massa”) não se faz senão mentira e demagogia de pior espécie.
A mídia e a falta de políticas ousadas de enfrentamento desta tragédia fazem todos serem aplaudidos por um banho de sangue que só faz aumentar.
É tão raro encontrar policiais com a sinceridade de Zaconne – mesmo que eu discorde da extensão de sua posição pró-legalização de drogas mais pesadas – que vale mesmo a leitura:
Após análise, delegado conclui que
sociedade aceita violência policial
Maria Luisa Barros, em O Dia
Em uma década e meia, as ações policiais registradas nos inquéritos como ‘autos de resistência’, aqueles em que os agentes alegam legítima defesa, mataram 12.594 pessoas em todo o Estado do Rio. É como se, nesse período, a população fluminense tivesse travado 14 Guerras das Malvinas — conflito entre argentinos e britânicos que terminou com a vitória da Inglaterra e um saldo de 907 mortos.
Na guerra urbana carioca não há vencedores. Todos perdem, sobretudo os jovens negros das periferias. Foi o que constatou o delegado da Polícia Civil Orlando Zaccone, que também é doutor em Ciência Política, a partir de um trabalho investigativo para a sua tese de doutorado que deu origem ao livro ‘Indignos de vida: a forma jurídica da política de extermínio de inimigos na cidade do Rio de Janeiro’.
Para provar que o Estado criou um sistema que legitima a violência como forma de punição, o mestre em Ciências Penais esmiuçou 308 autos de resistência ocorridos entre 2003 e 2009. Descobriu que todos foram arquivados a pedido do Ministério Público e que, em apenas um caso, uma viatura policial havia sido atingida por disparos de arma. Do total, 99% foram engavetadas em menos de três anos.
Ao analisar o perfil das vítimas, Zaccone observou que 75,6% dos autos de resistência aconteceram dentro de favelas. A maior parte das vítimas (78%) era negra ou parda. Em 60,7% dos processos nos quais os mortos eram maiores de idade, foi anexado ao processo a folha de antecedentes criminais da vítima.
Segundo ele, esses indícios reforçam a ideia de que o governo, a sociedade e o Judiciário , através de promotores e juízes, sustentam uma política que aprova as execuções policiais contra aqueles que, por supostamente estarem envolvidos no crime, não teriam direito à vida. “A Justiça peca por omissão. O promotor ao fazer o arquivamento omite indícios de execução”, denuncia o delegado.
Na visão dele, a polícia mata, mas não mata sozinha. “A sociedade aplaude quando a violência é dirigida aos ‘matáveis’. Quando essa ação transborda e atinge outros inocentes, essa mesma sociedade não tolera e exige a punição do policial”, critica.
Mais que a pena de morte
Em 2011, 676 pessoas foram executadas nos 20 países que mantêm a pena de morte. No mesmo ano, ocorreram 961 mortes em ações policiais nos estados do Rio e São Paulo. Na série histórica das mortes por autos de resistência, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), o pior índice ocorreu, em 2007. Naquele ano, às vésperas da instalação das primeiras Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), 1.330 pessoas morreram no estado em ações policiais. Nos anos seguintes, esse tipo de ocorrência caiu.
Em 2014, chegou a 584. Os números ainda superam os casos registrados nos anos 90. Naquela década — auge da chamada ‘gratificação faroeste’ — os homicídios decorrentes de intervenção policial eram inferiores a 400 casos no ano.
“Discordo quando dizem que as mortes por autos de resistência diminuíram depois das UPPs. A bem da verdade, os índices apenas retornam para os níveis da década de 90”, diz o delegado Zaccone.
(A íntegra da matéria está aqui)
Uma resposta
Ainda sobre o escândalo que envolve a FIFA, ainda inconformado com a interferência do FBI, do país campeão mundial da corrupção, vejam:
“Una investigación realizada por la organización sin fines de lucro Propublica y la organización mediática NPR reveló irregularidades en el manejo de las donaciones a la Cruz Roja para damnificados del terremoto de 2010 en Haití. Así, en 2011 la Cruz Roja puso en marcha un proyecto de varios millones de dólares para reconstruir la zona de extrema pobreza que surgió tras el terremoto que azotó al país.” (RT).
Onde estava o FBI que não descobriu essa bandalheira da Cruz Vermelha estadunidense? O dinheiro da FIFA é mais importante do que o da Cruz Vermelha destinado à reconstrução do Haiti?