No mesmo dia em que 10 meninos tiveram uma morte horrível nos contêineres onde o Flamengo os alojava, prisioneiros do sonho de se tornarem jogadores profissionais de futebol, 10 rapazes tombaram para sempre, também, sob o fogo das armas da PM, numa estreita ladeira, a rua Eliseu Visconti, que liga Santa Teresa ao Catumbi, ou deveria ligar, porque há vinte anos todo o bairro sabe que está ali “o movimento” do tráfico de drogas, com seus “acertos” com a polícia e poucos transitam nela, sobretudo na partes mais baixas.
Sim, os rapazes, ou a maioria deles, eram traficantes. Não se vai aqui glamorizar fatos.
Mas também é fato que não nasceram traficantes e, mesmo com idades bem parecidas, não foram garotos cheios de sonhos como os que perderam a vida no “Ninho do Urubu”? Entraram para o único time que lhes dava acolhida, o do crime.
Como também é fato que foram executados dentro de uma casa, quando estavam se rendendo aos policiais, o que fotos, relatos e circunstâncias apontam, inclusive o macabro “socorro” prestado, o de levar os corpos ao hospital, para “desfazer o local” e impedir a perícia.
Perícia para que?
Ana Luiza Albuquerque e Thaiza Pauluze relatam na Folha:
Segundo o relato [de uma moradora], quando seu filho virou-se de costas para negociar a rendição com o grupo, agentes atiraram contra ele. “Deram um tiro nas costas. Furaram meu filho todo. Não me respeitaram em momento nenhum, nem meu filho de oito anos. Falou na cara do meu filho: ‘bem feito’.”
A mãe também disse que os policiais tentaram impedir que familiares entrassem na casa para identificar os corpos.
Outro familiar de dois jovens mortos afirmou à Folha que ambos eram envolvidos com o crime. Contudo, declarou que os dois se entregaram e foram mortos pelos policiais ainda assim.
Não é o que mandam fazer aos que não são “humanos direitos” e não têm, portanto, direitos e nem humanos devem ser?
Julita Lemgruber, ex-ouvidora da Polícia e hoje coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes resume:
“Está muito claro que a licença para matar entrou em vigor, mesmo antes da legislação do [ministro Sérgio] Moro. Simbolicamente isso já está sendo operado na prática. O policial se sente encorajado a matar, com a justificativa de ter sido tomado por violenta emoção”, afirma Lemgruber.
Eliseu Visconti, o pintor que dá nome à rua onde ficava a casa trágica, pintou há 130 anos “Uma rua de favela”, a imagem abaixo, obra que era um dos tesouros da coleção de D. Lily, viúva de Roberto Marinho, talvez pintasse ontem um doloroso “O vermelho e o negro”, sobre a foto de Pilar Olivares, da Reuters, delicado retrato da rubro-negra desgraça de um único dia.
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Como pôde o Brasil descer tanto ? Esse país enlouqueceu de fato, não é força de expressão. Ninguém apóia um governo assim sem estar doente
A medida que a Terceira Revolução Industrial (a revolução da microeletronica) avança e torna cada vez mais supérfluos para a exploração capitalista grandes massas de seres humanos, os mesmos se tornam tal qual o lixo (os resíduos da produção e da reprodução capitalista) um problema....Assim como o lixo se acumula em grandes aterros, polui rios e mares e gera um custo para administrá-lo e reciclá-lo, assim também seres humanos supérfluos se acumulam em favelas, periferias e bolsões de misérias. Da mesma forma que as pessoas ditas "civilizadas" descartam seus resíduos e esperam que os mesmos sejam retirados do ambiente onde vivem, o mesmo se dá com os seres humanos supérfuos. Espera-se que "sumam do ambiente" onde as pessoas normais (aquelas que ainda estão integradas ao consumo e à civilização) vivem. Ninguém chora pelo lixo descartado nos aterros....nem pelos seres humanos supérfluos.
A carnificina avança e estamos só no início.
Brito,
há poucas semanas, em São Gonçalo, na RM-RJ, houve uma chacina das mesmas proporções, cometida por essa meganhagem corrupta e assassina. Não vi esse episódio narrado no PIG-PPV nem na chamada "blogosfera progressista". O crime organizado domina agora os três poderes da república e nos estados federados.
Aprendi com um dramaturgo irlandês que a indiferença é pior que o ódio e nesse sentido a sociedade brasileira é a melhor constatação dessa máxima.
Diálogo aqui num prédio em Santa Tereza:
-Hoje foi um dia triste, 10 meninos morreram!
-sim aqui perto !!
-Não, estou falando do Flamengo, aqueles eram todos traficantes !!
Todos deveriam assistir o documentário Bus 174, sobre um fato acontecido no Rio há alguns anos. Talvez assim descobrissem que cada um de nós ajuda a puxar o gatilho nas mortes que acontecem todo dia causadas pela polícia. "Sim, os rapazes, ou a maioria deles, eram traficantes." E daí? Há alguns anos, em Salvador, a polícia matou um cidadão. Declarações do delegado que se tornaram manchete no jornal A Tarde: "nós ainda vamos provar que ele era bandido".
Ari, alguns anos depois desse caso do ônibus 174, houve o julgamento desses policiais. Num feito histórico, conseguiram com que eles fossem a júri popular, em vez de serem julgados pela Justiça Militar. Para quem não se lembra, os policiais foram absolvidos. Foi em 2006, se não me engano, mas lembro que, quando saiu essa notícia, eu falei para minha mãe: "a Justiça no Brasil acabou hoje". Muito antes de Moro, Bolsonaro et caterva, já vivíamos na barbárie. ????
Se vc tiver curiosidade, leia o livro Os Juristas do Horror - disponível na rede em espanhol. Impressiona a semelhança entre o que acontecia na Alemanha da época e o que vem ocorrendo entre nós.
Os autores das mortes provavelmente não devem ter aceito só a parte que lhes cabia no acordo, resolveram levar tudo. Os meninos devem ter negado a intensão, visto que tinham que prestar conta aos superiores. Isso foi o suficiente. Dai em diante o Bozo e o ex-árbitro de Curitiba protegem a ação.
Publicado nos Comentários GGN
Boeotorum Brasiliensis
09/02/2019 at 01:40
https://jornalggn.com.br/violencia/operacao-da-pm-deixa-13-mortos-em-favelas-do-rio-de-janeiro/
Hoje ao ouvir o depoimento de um Coronel da PMRJ, sobre o “incidente”, na rádio BandNews, chamaram-me a atenção alguns trechos. No primeiro o Coronel afirma que foram 10 mortos e o entrevistador corrige o número com base em informação da Secretaria Municipal da Saúde. Em seguida o coronel informa que as mortes decorreram de um conflito entre facções de traficantes na comunidade e diz que todos eram “marginais”, para alívio geral, tanto que o entrevistador sequer fez menção de avançar no assunto. Informa também da apreensão do armamento citado na matéria e que a polícia agiu em defesa das pessoas de bem, com critério e planejamento rigoroso para evitar ferir inocentes. Enfatiza que para “combater o mal” é imprescindível a colaboração das tais “pessoas de bem” denunciando e informando endereços para que a polícia possa agir. Que é com base nessas informações que a polícia consegue fazer prisões importantes e grandes apreensões de armas. Então vejamos. Em uma batalha entre facções que, segundo o Coronel, durou horas antes da intervenção da polícia, não houve mortos nem feridos. Enfrentando bandidos armados em military grade (armas automáticas, fuzis de assalto e granadas de mão) em um conflito em área urbana populosa todas as baixas, fatais e por ferimentos, deram-se, exclusivamente, no lado dos “marginais”. Nenhuma pessoa de bem, nas palavras do Coronel, e aparentemente, uma vez que não foi mencionado, nenhum policial foram sequer levemente feridos. Um exemplo de letal eficiência. Aos mais argutos deve ter passado um certo desconforto ao confessar que a inteligência policial e as investigações parecem estar deixadas a cargo daquela parcela população disposta a apontar e a dar a localização de criminosos.
O que se conclui desse enredo enviesado e incompleto, a partir das evidências apontadas, do histórico de comportamento da polícia do RJ e do BOPE em particular, é que houve uma ação tipo blitzkrieg, com alvos pré-definidos e objetivo de “neutralizar” todos os suspeitos localizados. Mission accomplished. Well done. Oorah!
Não é segredo que as ordens do Palácio da Guanabara são exatamente essas e uma força policial das mais letais do mundo não somente está licenciada para matar mas ordenada a fazê-lo como política de estado. É crível supor que esses eventos farão, doravante, parte da programação oficial do Rio de janeiro junto com o Carnaval. Até quando e no que resultará não é possível prever. Mas, que não trará nada de bom é garantido.
Denúncia, sempre! Como nos disse Bertolt Brecht: "Nos tempos de trevas / também haverá o cantar? / Sim, haverá o cantar / sobre os tempos de trevas."
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