O juiz que virou caricatura de meganha

O criminalista Luís Francisco Carvalho Filho publica, hoje, na Folha, o patético retrato da submissão de Sérgio Moro ao faroeste defendido por Jair Bolsonaro para a questão da criminalidade.

Cada juiz criminal brasileiro está virtualmente obrigado a relevar os nada raros excessos policiais. Um ou outra exceção virá, talvez, quando a vítima da violência for de classe média e tiver visibilidade como pessoa, não como “elemento”.

Pior ainda é que uma grande parte da magistratura aderiu a ideia de que, agora, é “xerife”.

Moro ainda não chegou ao ponto de seu colega Witzel, que manda ” mirar na cabecinha e… fogo!”

Mas chegará.

Ilegítima defesa

Luís Francisco Carvalho Filho, na Folha

Durante a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro (PSL) externou várias vezes o sentimento de que o policial tem mais medo do capa preta do que do bandido.

Capa preta é a visão caricata do juiz encarregado de decidir, a posteriori, de cabeça fria e de modo insensível, se o agente de segurança agiu ou não criminosamente em conflito armado.

O candidato prometeu projeto de lei para que policiais não sejam responsabilizados por “excessos”, se, por exemplo, após uma missão, “no dia seguinte, aparece gente morta com três, quatro tiros”.

Para agradar o presidente, ajudando-o a cumprir promessa eleitoral, ao mesmo tempo em que acena para a bancada da bala que atua no Congresso, Sergio Moro, apesar da origem capa preta, incluiu no projeto anticrime uma mexida imprópria no conceito de legítima defesa, tão clássico e enxuto.

Quer alterar o Código Penal para permitir o perdão do excesso doloso ou culposo decorrente de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

Policiais modulados por medo, surpresa e violenta emoção?

O profissionalismo policial aponta justamente para a direção oposta, estimulando reações destemidas, precisas e racionais na luta contra o crime.

Não é privilégio brasileiro a disputa em torno da punibilidade do agir repressivo.

Série de reportagens do site Vox, publicada em novembro, mostra que agentes norte-americanos matam muito mais do que agentes de outros países ricos e que não são frequentes, também nos EUA, processos, punições e encarceramento de policiais acusados de atitude racista ou abuso de poder.

A própria permissividade da posse de armas por civis resulta em percepções subjetivas de ameaça à integridade física de policiais e vítimas, ampliando o potencial de agressividade dos confrontos.

Para Sonia Sotomayor, indicada por Barack Obama para a Suprema Corte, o recente reconhecimento de uma imunidade qualificada para policial assassino do Arizona amplia a aceitação do postulado “atire primeiro e pense depois”.

O texto apresentado por Moro ao país, durante a internação médica do presidente da República, dá a todos (agentes policiais e pessoas comuns) a possibilidade de redução da pena ou perdão por eventuais excessos na defesa da integridade física própria ou alheia.

Mas o propósito é proteger agentes de segurança eventualmente arbitrários e reduzir o risco de interpretações judiciais adversas: deixa a polícia “trabalhar”, sinaliza o ministro da Justiça.

A proposta de Moro retira do capa preta e dá para o delegado de polícia o poder de relaxar a prisão do colega de trabalho, preso em flagrante por excesso doloso ou culposo em conflito armado ou em “risco iminente” de conflito armado, sem prejuízo da investigação cabível.

Se o pacote anticrime for implementado, haverá, de fato, mais rigor penal no Brasil.

Bolsonaro não prometeu “entupir a cadeia de bandidos”?

As cadeias já estão entupidas de bandidos e de miséria e, provavelmente, o número de prisioneiros crescerá.

A mensagem oficial tem um viés estrábico.

Corrupção policial — problema grave em muitos estados brasileiros — aparenta ser menos perigosa que corrupção política. O aumento da letalidade na ação repressiva não importa. O abuso de autoridade permanece impune.

O crime policial (da violência ao enriquecimento ilícito) não faz parte do pacote anticrime de Sergio Moro.

Na fantasia política de Bolsonaro, bandido merece morrer e policial não merece processo.

Fernando Brito:

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  • espero uqe essas coisas cheguem à população - àqueles que nunca ficam sabendo de tudo, e que são as 1° vítimas desses trastes

  • O que o intelecto não ensina ,o sangue o faz.
    Haverá vítimas inocentes nos tempos que virão ,tal vez até muito perto de um de nós aconteça a desgraça.
    Quem sabe ,alguém atingido acabe aplicando a mesma regra ditada por eles ,"bandido bom é bandido morto" e no Planalto e adjacências ,eles sobram.

    • É verdade. Haverá um momento em que pessoas, mesmo pacíficas, atingidas pelo horror imposto por esses criminosos à testa da nação, indignadas e desprotegidas pela lei, irão ultrapassar a fronteira e dar-lhes do seu próprio remédio. Há exemplos pelo mundo. Eles se imaginam intocáveis. Ser intocável é pura ilusão.

  • O CRIMINOSO moro já tem quem lhe siga os passos à frente da corte sumária da provincia curitibana ,o bolsoasnista Luiz Bonat.
    O trf4 ,tribunal dos amigos do criminoso o confirmou , tá tudo dominado.

  • Pois é, o articulista tocou num ponto crucial: que história é essa de policial agindo sob "violenta emoção"? Esses profissionais não são, ou deveriam ser, treinados justamente para evitar isso? Claro, ser humano nenhum é imune a emoções, mas espera-se de um policial preparo para dominar as suas.

  • "Deixa o homi trabalhar", não era ( é) a justificativa do arbítrio, destruição da presunção de inocência, prisão arbitrária, condução coerciva ilegal? O pobre e a pobre classe média ( que mesmo pobre se acha elite inatingível) por preconceito elegeram um doido odiento, e sua matilha de hospício. Sofreremos.

  • não acho que seja submissão do moro ao bozo, me desculpe, Fernando Brito. A atuação do ex-juiz sempre foi a de um meganha, contido muito de leve, pelo relativo peso da toga. Nunca foi juiz. O "postulado" do perdão, ao policial, ao agir por "medo, surpresa ou forte emoção" cai como uma luva no modus operandi de moro, ao longo da farsa jato. Está realizando um sonho de criança, brincando de mocinho e bandido, só que ao lado dos bandidos.

    • Maria Thereza, quando você fala do "sonho de criança" do juizeco, eu fico imaginando como seria uma análise psicológica do perfil dele. Daria um bom livro...

    • O postulado do perdão que ele defendeu, por exemplo, com o Onix (caixa 2), ou antigamente, por inúmeras vezes, quando o PSDB era citado por testemunhas e ele dizia "isso não vem ao caso". Ou seja, o postulado do perdão está implícito no Sérgio Moro, só que só vale para brancos, ricos e direitistas de carteirinha.

  • Qual a novidade? Se a destruição da solidariedade social foi o mais bem sucedido trabalho da direita brasileira, o que podemos esperar, agora que ascenderam ao poder quase absolutista na política nacional, é a passagem ao ato. Os desvalidos serão mais desvalidos que nunca, os sociopatas agindo como agentes 007, com licença para matar, o tecido social roto e o líder da matilha abençoando tudo isto como a realização de seu sonho mais pervertido.
    Não se perguntem por quem os sinos dobram, eles dobram por nós (John Donne).

  • As cadeias já estão entupidas de bandidos e de miséria e, provavelmente, o número de PRESIDIÁRIOS crescerá.....

  • Quanto à POPULAÇÃO,grande parte dela,aplaude essa CATÁSTROFE ELEITORAL BOLSONÁRICA.Meganha?Esse é o protótipo ,basta olhar ,naturalmente com temor.

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