Ontem, durante uma longa hora de conversa, dediquei-me amenizar o sofrimento e as ideias de meu filho mais novo.
Amuado, triste, raivoso com os 7 a 1 da Alemanha, não queria nem conversa sobre o assunto.
Dizia que queria destruir os alemães e tudo que fosse alemão.
– Até o cachorro-quente?
– O cachorro quente não é da Alemanha, é dos Estados Unidos.
– Mas a salsicha é da Alemanha…
– Então não como mais cachorro-quente!
– Nem hambúrguer?
E ele, com expressão de espanto e susto, já imaginando a renúncia ao McDonald’s, mais dolorosa que a do futebol que ele ainda não sabe saborear:
– Hambúrguer não é da Alemanha, esse eu sei que é dos Estados Unidos!
– Não, você lembra daquele navio que nós vimos – e vimos mesmo, um cheio de conteineres entrando na Baía da Guanabara – e você leu Hamburg (Hamburg Sud) escrito nele e me perguntou que se era hambúrguer e eu não te expliquei que era o nome de uma cidade da Alemanha onde tinha sido inventado o hambúrguer? (meio mentira minha, aliás, porque parece que eram os tártaros que esmigalhavam a carne para comê-la)
– É…
Bom, o medo de perder o hambúrguer abriu espaço para a conversa fluir e ele admitir conversar sobre derrotas e vitórias.
E eu lhe perguntei, então, se não havia meninos como ele na Bósnia, tão tristes quanto ele estava agora quando o Brasil sapecou os 3 a 1 do primeiro jogo.
E na África, aqueles meninos-camarõezinhos, pretinhos, já tristes porque seu time ia embora, não sofreram com os quatro gols brasileiros que nós comemoramos.
Os guris do Chile não foram às lágrimas com aquela bola na trave dos minutos finais e, depois, com os pênaltis?
E os garotos da Colômbia, do México, da Austrália, da Espanha, de todos os 28 países que perderam, antes de nós, o direito de sonhar com a taça?
Se o argumento é meio sofrível, ao menos teve a virtude de fazer, de cabeça, 32 menos 4, o que é menos maçante do que aquele chato “arme e efetue” da escola.
Pedro foi amolecendo sua tristeza e revolta, porque percebia, com certa vergonha, o que muita gente grande não consegue compreender: que somos todos seres humanos,essencialmente iguais, e só por isso temos o privilégio de usar a palavra humanidade, embora tanto dela nos esqueçamos.
Entender que a dor não é brasileira, não é bósnia, não é costarriquenha ou “belgicana”. E nem branca, preta, nem mulata ou amarela.
É dor, e passa, e cura, e sara.
E estamos prontos para novas alegrias e outras dores, porque é nisso, afinal, que se resume a vida.
Se é que a vida se resume, pois é tão grande e larga que talvez nada a possa conter ou definir, menos ainda a risca de cal de um campo de futebol ou uma bola que suicida seu instante de pássaro em uma rede.
Pedro vai hoje torcer comigo pelos argentinos.
Mas não por vingança dos alemães.
É porque com os garotos da mesma rua é mais fácil e melhor brincar, jogar, ganhar, perder, brigar e fazer as pazes.
E viver, como nos lembrava de viver o Carlos Drummond de Andrade, depois do massacre que sofremos – mais doído do que este, ainda que com apenas um gol decisivo, porque mais injusto – na bela crônica, que recolho de um post antigo do Blog de Fred Soares, do Sportv:
Perder, Ganhar, Viver
Carlos Drummond de Andrade (JB, 7/7/1982)
Vi gente chorando na rua, quando o juiz apitou o final do jogo perdido; vi homens e mulheres pisando com ódio os plásticos verde-amarelos que até minutos antes eram sagrados; vi bêbados inconsoláveis que já não sabiam por que não achavam consolo na bebida; vi rapazes e moças festejando a derrota para não deixarem de festejar qualquer coisa, pois seus corações estavam programados para a alegria; vi o técnico incansável e teimoso da Seleção xingado de bandido e queimado vivo sob a aparência de um boneco, enquanto o jogador que errara muitas vezes ao chutar em gol era declarado o último dos traidores da pátria; vi a notícia do suicida do Ceará e dos mortos do coração por motivo do fracasso esportivo; vi a dor dissolvida em uísque escocês da classe média alta e o surdo clamor de desespero dos pequeninos, pela mesma causa; vi o garotão mudar o gênero das palavras, acusando a mina de pé-fria; vi a decepção controlada do presidente, que se preparava, como torcedor número um do país, para viver o seu grande momento de euforia pessoal e nacional, depois de curtir tantas desilusões de governo; vi os candidatos do partido da situação aturdidos por um malogro que lhes roubava um trunfo poderoso para a campanha eleitoral; vi as oposições divididas, unificadas na mesma perplexidade diante da catástrofe que levará talvez o povo a se desencantar de tudo, inclusive das eleições; vi a aflição dos produtores e vendedores de bandeirinhas, flâmuIas e símbolos diversos do esperado e exigido título de campeões do mundo pela quarta vez, e já agora destinados à ironia do lixo; vi a tristeza dos varredores da limpeza pública e dos faxineiros de edifícios, removendo os destroços da esperança; vi tanta coisa, senti tanta coisa nas almas…
Chego à conclusão de que a derrota, para a qual nunca estamos preparados, de tanto não a desejarmos nem a admitirmos previamente, é afinal instrumento de renovação da vida. Tanto quanto a vitória estabelece o jogo dialético que constitui o próprio modo de estar no mundo. Se uma sucessão de derrotas é arrasadora, também a sucessão constante de vitórias traz consigo o germe de apodrecimento das vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos, que inutiliza o indivíduo e a comunidade atuantes. Perder implica remoção de detritos: começar de novo.
Certamente, fizemos tudo para ganhar esta caprichosa Copa do Mundo. Mas será suficiente fazer tudo, e exigir da sorte um resultado infalível? Não é mais sensato atribuir ao acaso, ao imponderável, até mesmo ao absurdo, um poder de transformação das coisas, capaz de anular os cálculos mais científicos? Se a Seleção fosse à Espanha, terra de castelos míticos, apenas para pegar o caneco e trazê-lo na mala, como propriedade exclusiva e inalienável do Brasil, que mérito haveria nisso? Na realidade, nós fomos lá pelo gosto do incerto, do difícil, da fantasia e do risco, e não para recolher um objeto roubado. A verdade é que não voltamos de mãos vazias porque não trouxemos a taça. Trouxemos alguma coisa boa e palpável, conquista do espírito de competição. Suplantamos quatro seleções igualmente ambiciosas e perdemos para a quinta. A Itália não tinha obrigação de perder para o nosso gênio futebolístico. Em peleja de igual para igual, a sorte não nos contemplou. Paciência, não vamos transformar em desastre nacional o que foi apenas uma experiência, como tantas outras, da volubilidade das coisas.
Perdendo, após o emocionalismo das lágrimas, readquirimos ou adquirimos, na maioria das cabeças, o senso da moderação, do real contraditório, mas rico de possibilidades, a verdadeira dimensão da vida. Não somos invencíveis. Também não somos uns pobres diabos que jamais atingirão a grandeza, este valor tão relativo, com tendência a evaporar-se. Eu gostaria de passar a mão na cabeça de Telê Santana e de seus jogadores, reservas e reservas de reservas, como Roberto Dinamite, o viajante não utilizado, e dizer-lhes, com esse gesto, o que em palavras seria enfático e meio bobo. Mas o gesto vale por tudo, e bem o compreendemos em sua doçura solidária. Ora, o Telê! Ora, os atletas! Ora, a sorte! A Copa do Mundo de 82 acabou para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora, o sol de nós todos.
E agora, amigos torcedores, que tal a gente começar a trabalhar, que o ano já está na segunda metade?
17 respostas
Lindo texto.Fernando vc.foi muito feliz ao republica-lo.A vida e assim,nao existem vitorias,sem lutas.Ja estou preparada pro jogo de logo mais,na maior animacao.Minha manicure ficou sem entender quando ontem pintei as umhas com as cores da nossa Bandeira.Entao expliquei pra ela amor incondicional e assim,na alegria ou na tristeza.Vamo la meu Brasil.Amanha torcer pelos hermanos……
Li sobre Sócrates uma vez,foi comandante numa guerra,e vendo que perderia a guerra pois já estava sendo dizimado,então fugiu e salvou os que poderiam ser salvos,e quando chegou,foi duramente criticado,por não ter ficado e morrido com todos…
Sabe,você acreditar nas coisas que são reais e não se misturar em ficções, e’ uma tábua de salvação, então as coisas vão
acontecendo e a vida segue !
o que isso têm com o futebol ?
numa guerra você pode perder a vida,e o futebol e’ um jogo,num jogo um lado perde outro ganha mas a vida continua,então vou assistir e alguem vai perder e outro vai ganhar,e todos deveriam se alegrar com a vida,sem vida não haveria copa.
Quanto as crianças,que choraram Fernando, não se preucupe,as crianças são mestres do universo imediatistas que não vivem no ontem nem no amanhã,têm a força e a espada da alegria,e acham que podem tudo até se cansar e dormir como anjos prontos para começar tudo de novo, e vivem com deus no paraíso.
Essa seleção de 82 não ganhou o título de campeã do mundo, mas era muito boa. Dava gosto vê-la jogar. O Telê não ganhou a copa. “Azar da copa.”
Lindo e educativo texto de Drummond.
Linda também a poesia de sua frase, Fernando: “uma bola que suicida seu instante de pássaro em uma rede”. Precisamos de mais gente politicamente guerreira e poeticamente dedicado às letras como você!
Uma perguntinha sacana só para reflexão e provocação.
Quem é o técnico mais incompetente ?
Felipão de 2014 que armou um time de bagrinhos alegres contra uma forte Alemanha (leia-se Bayern)
ou
Telê Santana de 1982 que tinha nas mãos um timaço recheado de craques mas que perdeu para uma Itália nem de perto tão poderosa assim ?
Com todo o respeito, mas que provocaçao mais sem noção, companheiro … Comparar TELÊ E A SELEÇAO DE 82, com o felipão e a selecinha de 2014, é quase comparar uma FERRARI com um carroça. A única semelhança que guardam ente si é que ambas morreram na praia e não chegaram lá, sendo que esta merecia, aquela não. Uma pena, mas que se há de fazer !?!? Segue a Barca. Próximo !!!!
“ANOS tuKKKânus LEWINSKYânus NUNCA MAIS !!! NO PASSARÁN !! VIVA GENOÍNO !! VIVA ZÉ DIRCEU !! VIVA A LIBERDADE, A DEMOCRACIA E A LEGALIDADE !! VIVA LULA !! VIVA DILMA !! VIVA O PT !! VIVA O BRASIL SOBERANO !! LIBERDADE PARA JULIAN ASSANGE, BRADLEY MANNING E EDWARD SNOWDEN JÁ !! FORA YOANI e MÉDICOS COXINHAS !! ABAIXO A DITADURA DO STF DE 4 PARA A GLOBO !! ABAIXO A GRANDE MÍDIA CORPORATIVA, SEU DEUS ‘MERCADO’ & TODOS OS SEUS LACAIOS & ASSECLAS CORRUPTOS INIMPUTÁVEIS !! CPI DA PRIVATARIA TUCANA, JÁ !! LEI DE MÍDIAS, JÁ !! ******* “O BRASIL PARA TODOS não passa no SISTEMA gloBBBo de SONEGAÇÃO – O que passa SISTEMA gloBBBo de SONEGAÇÃO é um braZil-Zil-Zil para TOLOS”
Estou horrorizado com o que as pessoas, sem noção, perdidas na própria imbecilidade estão falando e escrevendo por aí.Acabo de ver um blog no yahoo com pessoas em decomposição, agora, generalizando tudo e manifestando ódio pelo Brasil e pelos brasileiros. As pessoas acham que a liberdade é escrever e falar o que pensam sem respeitar os olhos e os ouvidos dos outros.
Ainda bem, que podemos reler Drummond!
PS.: GANA 02 X ALEMANHA 02
3×1 na Croácia,Fernando…
Quantos anos tem o menino?Infelizmente, para todos os amantes do Futebol foi uma derrota amarga e de difícil consolação.Mas vamos digerir com o tempo e enfim…continuo com uma pulga atrás da orelha com a facilidade que a Alemanha/Adidas goleou as 2 principais seleções rivais/Nike que confrontou.E as dificuldades com as outras menos badaladas Gana,Argelia… mas isso é uma outra história, que espero que um dia seja recontada…
Durante toda semana pos jogo recebi muitas piadas gozando a nossa derrota, além de ouvir a cantilena sobre a vergonha que nós quiseram fazer assumir. Então resolvi mostrar como me sentia:
Esta decretado: chega de piadas infames com a seleção. Vamos esquecer. Agora eh torcer pelo Brasil. Vida que segue. O Brasil não acabou.
Seremos dignos de todas as taças quando conseguirmos enxergar que somos mais que um pais de chuteiras. Somos um pais que se estende além das quatro linhas do gramado. Somos cada pedaço deste grande pais. Torná-lo cada vez maior vai exigir de cada um dos verdadeiros brasileiros um amor verde, amarelo, negro, branco, mulato, índio. Todos juntos e cada vez mais misturados.
Continuamos sendo brasileiros. Com defeitos e qualidades. Como tem que ser. Nem melhor , nem pior que ninguém. Apenas nos que sabemos rir de nosso fracasso. E capaz de seguir em frente de cabeça erguida. E de renovar a esperança de vencer. A maior vitória será vencer as desigualdades. A glória vira quando formos um hexa campeão em justiça social. Esta eh a minha declaração de crença que o seu futura espelha a grandeza que há em cada coração neste imenso Brasil. Ninguém verá uma terra como está, eu creio e tenho orgulho disto.
Corre.. aranja mais poetério que achar bom derrota que tá vindo mais uma
Lei de Mídias Já!!!! … “Com o tempo, uma imprensa [mídia] cínica, mercenária, demagógica e corruta formará um público tão vil como ela mesma” *** * Joseph Pulitzer. … … “Se você não for cuidadoso(a), os jornais [mídias] farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo” *** * Malcolm X. … … … Ley de Medios Já ! ! ! . . . … …
. Lei de Mídias Já!!!! … “Com o tempo, uma imprensa [mídia] cínica, mercenária, demagógica e corruta formará um público tão vil como ela mesma” *** * Joseph Pulitzer. … … “Se você não for cuidadoso(a), os jornais [mídias] farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo” *** * Malcolm X. … … … Ley de Medios Já ! ! ! . . . … …
Estas antigas reminiscências,sr.F.Britto,de figuras do passado,ou não são entendidas ou se entendidas,são relegadas ao esquecimento.Claro que pra nós,mais velhos,são importantes já que as guardamos nas memórias,mas pra os mais jovens,as sentenças passam,como passavam para nós,tirante o zelo de poucos e me remete à juventude,onde tudo que passara,jogava-se no esquecimento.E também me rememora,versos do tipo;quando partimos ,no verdor dos anos da vida,pela estrada florescente,as esperanças vão conosco à frente e,vão ficando atras,os desenganos!Convém portanto,para citar Tomas de Aquino,se não me engano,insistir nas advertências que fazemos aos mais novos,e talvez quando chegarem alhures,onde estamos,repitam o que fazemos no momento,seja a única forma de mudarmos ou tentar-mos mudar alguma coisa.
Nem só as derrotas servem de aprendizado, como os erros.Sócrates faz lembrar que os sábios da antiguidade diziam ” é claro que a terra é plana, senão a água cairia”.Isso nos faz refletir que verdades que antes eram absolutas, hoje são risíveis , mesmo quando ditas por sábios.Nada como o tempo para apagar cicatrizes de derrotas, e corrigir erros…
fosse no Leblon, ninguém roubaria os ósculos desta estátua.
Aproveito e dou aqui os meus parabéns para a seleção alemã. Afinal, difícil não é ser campeão…difícil é ser um campeão ranhento.