A exato um mês da pretendida demonstração de força planejada por Jair Bolsonaro, no Sete de Setembro, a ninguém é possível saber se o que deveria ser, apesar de todos os pesares, uma data de festa cívica de congraçamento da identidade nacional e que foi, por aquele homem, transformada em dia de confronto e de intolerância.
Pode-se, sem qualquer esforço ou dar margem a imaginação delirante, listar muitos riscos e ameaças para o que seria um trivial “Dia da Pátria”, daqueles em que se leva as crianças para ver a Esquadrilha da Fumaça ou a passagem do Dragões com seus penachos, transformado em manifestação político-eletoral. Ou melhor: anti-eleitoral, porque os gritos serão de “fecha”, “cassa” e “intervenção militar”.
Como separar completamente, mesmo na Esplanada dos Ministérios, a parada militar e o comício – para dizer o menos – bolsonarista. Aliás, não há qualquer intenção de fazê-lo, a ver o que se pretende (ou pretendeu, pois parece que há chabu na história) com a inusitada transferência do desfile militar no Rio para a orla de Copacabana, palco renitente das manifestações pró-Bolsonaro.
Janio de Freitas, na Folha, abre seu artigo dominical com a inquietação óbvia:
A impossibilidade de uma ideia sadia de Bolsonaro denuncia, por si só, algum propósito maléfico em sua ordem que transfere o desfile de 7 de Setembro para Copacabana, avenida Atlântica. A passagem das tropas, sem a largura usual nesses velhos exibicionismos, será abaixo de um paredão de altos edifícios de onde podem sair muitas coisas. Um rojão, por exemplo, dos usados nos estádios, em mãos bolsonarista e apontado para baixo —pânico, reações armadas, ninguém dirá o que pode vir.
O colunista “pega leve”. Pode ser pior, e não é difícil. Um disparo, dos milhões de armas que passaram a circular livremente, ainda que não contra as tropas armadas pode detonar correrias, ferimentos, mortes, mesmo que tenha sido apenas a manifestação de insânia de um armamentista, como salva à estupidez. Ou, pior, planejada provocação que não é rara na história.
Que sentido estúpido para a velha crônica de Rubem Braga, Ai de ti, Copacabana,”porque a ti chamaram Princesa do Mar, e cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras”.
Parece, porém, estar havendo dificuldade em consumar-se o plano louco de fazer uma mistureba de fanatismo político e parada militar, consumando a promiscuidade das Forças Armadas com uma facção totalitária. Os militares, no seu jargão, chamam de false flag (bandeira falsa), um Riocentro
Não se sabe, porém, o quanto ela é real e traduz um inconformismo de parte do comando das Forças Armadas com o desvirtuamento total de seu papel institucional.
O aparente recuo do presidente, que ontem não citou a presença de militares no ato bolsonarista de Copacabana está longe de nos tranquilizar, porque a sucessão de mentiras e dissimulações presidenciais é notória.
As manifestações que isolam politicamente Bolsonaro têm, agora, mais uma e decisiva função: fazer com que o que resta de sadio na cúpula das Forças Armadas recuse entas imprudências e não forneçam a ele o palco para encenações dramáticas.