Aos meus amigos brizolistas que votaram Ciro

Não é segredo que minha origem política, desde 1981, é o PDT.

Foi meu encontro com os espaços democráticos, porque a política, antes, sob a ditadura, só podia ser feita nas organizações clandestinas, arriscando vida e liberdade, o que eu e muitos dos meus contemporâneos fizemos, certamente menos por coragem que pela força incontrolável da juventude.

Tenho, portanto, no partido inúmeros queridos amigos, gente da qual sei a honradez e a entrega à causa do povo brasileiro. Os caminhos políticos que tomei, depois de 22 anos como pedetista, em nada deles me afastam e, aos que se lembram de mim, sabem o quanto tenho de criticas ao PT. Críticas, não ódios.

Todos vivemos a dor e a decepção de 1989. Sabíamos, e estávamos certos, que Brizola era quem deveria estar no enfrentamento com Fernando Collor naquele segundo turno. Sabíamos, sim, mas sabia muito mais o próprio Leonel Brizola, que dedicou sua vida à transformação do Brasil de uma colônia em uma nação à altura do que podemos ser, com um povo que merece justiça.

Todos nos frustramos, sim, mas sou testemunha de que Brizola, como ninguém, colocou à frente da frustração tanto os seus deveres para com o Brasil quanto a sua democrática submissão à vontade popular. “Socialista é o povo” – ele dizia, lembram? – “nós somos apenas aprendizes do socialismo”.

Participei intensamente daqueles dias, honrado pela sua confiança ao colocar-me – a um garoto de 31 anos, então – ao lado de Cibilis Viana e Vivaldo Barbosa, para negociar os termos de sua aliança com Lula no segundo turno, com uma representação do PT composta por José Dirceu, Luís Gushiken e Plínio de Arruda Sampaio.

Nunca discutimos posições que os pedetistas teriam num eventual governo Lula. Havia uma restrição ao vice de Lula, José Paulo Bisol, e Brizola exigiu dele distância, mas não misturou isso ao dever de compor a frente de batalha. Ao lado dele, em seu apartamento em Copacabana,  assisti ao debate final entre Collor e Lula, com o coração apertado pelas baixarias do “caçador de marajá” que abalaram o petista.

Minutos depois, Lula chegava por lá, e não houve palavra de crítica, nenhuma, senão abraços e solidariedade.

Relembro esta passagem para, aos meus amigos, dizer que uma das marcas do brizolismo, por sua fidelidade ao Brasil e ao seu povo, é a da generosidade ativa.

Não éramos – e espero que todos ainda sejamos – homens e mulheres de “meias-paixões”, de casamentos de conveniência, de arranjos hipócritas. Menos ainda de nos escondermos.

Somos a chama, somos o orgulho forjado por gerações, somos o fio da história que teima e teimará em seguir sua trajetória, sem descansar enquanto este país não for livre e feliz.

Não discuto se Ciro poderia representar isso melhor do que Lula ou Haddad, essa é uma consideração passada, página virada pelas urnas, que nós sempre respeitamos.

Ele tinha o direito de candidatar-se, como fez, e tem agora o direito de “lamber as feridas” do processo eleitoral.

Mas, mais do que de nós, que nos apartamos de sua candidatura e mais de vocês, que a sustentaram apaixonadamente, é que tem de partir o chamado, chamado do qual Brizola não precisaria.

Venha, Ciro, venha a tempo de vencer ou morrer conosco.

Um homem da sua estatura não pode ser uma “Marina”, que mia desculpas para se omitir apenas dizendo “não” ao fascista, mas evitando o combate contra o fascismo na única forma que ele agora tem.

Tergiversar na batalha decisiva é uma covardia que um brizolista de verdade jamais terá.

Fernando Brito:

View Comments (75)

  • Gestos de grandeza como este de Brizola explicam o gigantismo de sua estatura política. Ele será sempre lembrado em nossos corações e mentes. No esgoto da política ficarão os protozoários do ressentimento, da inveja e da vingança pessoal.

    #HaddadSim

    • Meu pai tinha pavor do Brizola. Eu nunca entendi o porquê. Falava da fazenda de ovelhas dele no Uruguai (fake news e gente caindo nela nunca foi novidade, isso pra mim era caô), q ele fugiu fantasiado de mulher (logo o velho caudilho, c/ aquela carranca feia...), os CIEPs eleitoreiros, posicionados onde n tinha criança mas tinha visibilidade... E a tal da corrupção. Ah, a corrupção! Eu já ouvia falar disso em 1982, ainda com uns 8 anos de idade.

      Mais velho, cheguei na adolescência e na juventude. E como todo jovem, resolvi ser "do contra" e procurar informações sobre o velho caudilho. Conheci Darcy Ribeiro. Grande homem. Gênio da educação. Vi sobre o projeto dos CIEPs, entendi que não era eleitoreiro (apesar do q considero um erro aquelas paredes até a metade - já dormi em um CIEP). A tal fazenda? Era um sítio de final de semana. E ele precisava se manter também, não viveria de brisa. Vi o q ele fez no Rio, no 2o mandato, como a Linha Vermelha (e eu já era aluno da UFRJ, me foi útil p/ ir e voltar pra casa). Minha esposa é professora II do Estado do Rio, entrou no último concurso feito no mandato do Brizola. Ela entrou quase pós-adolescente, formou-se no ensino médio, fez a prova, entrou... Não ouse falar mal do Brizola pra ela, ou pra família dela. Uma família cheia de professoras que agradecem muito à ação do Brizola por elas. Assisti atônito o direito de resposta q ele ganhou em cima da Rede Globo, com Cid Moreira lendo laconicamente o texto. E ali entendi de forma cabal como a Globo é nojenta. Nunca mais vi a Vênus Platinada do mesmo jeito. Aliás, já há algum tempo, vejo nada deles.

      Hoje vejo um homem com erros e contradições. Como qualquer pessoa. Mas alguém que aprendi a admirar pela sua resiliência, seu amor pelo país, pelas ideias e pela sua garra. E aquela fala, única dele!

      Meu pai? Bem, ele diz q o Brizola perdeu uma ótima oportunidade de se candidatar a senador, em 1998: "Eu votaria nele, sabe? Já pensou, ele no Senado? Se tivesse TV Senado naquela época teria sido muito divertido de assistir".

  • O PT nunca me enganou.

    Sabe por quê?
    Porque eu leio, me informo, busco estatísticas, metas do governo, ano a ano. Porque acompanho os bastidores da política e os passos das aves de rapina que, há décadas, gastam o piso do Congresso Nacional, com seus sapatinhos italianos.

    O PT nunca me enganou porque conheço bem a história política desse país. Quem é quem, quem é filho de quem, quem é herdeiro de qual capitania hereditária desse chão sem fim.

    O PT nunca me enganou porque olho pra gente nas ruas. Reparo que crianças sumiam dos semáforos, dos canaviais, da beira de estradas da prostituição infantil e ganhavam o mundo e os sonhos, em bancos escolares.

    Eu lia quantos carros haviam sido vendidos naquele ano, quantas TVs, geladeiras, freezers, celulares e computadores. Via quarteirões inteiros, antes terrenos, com casas erguidas na praia. Tudo coisa fina.
    No aeroporto, pego de 4 a 8 voos por ano. Eu via negros a bordo, com duas, três crianças pequenas. Nordestinos humildes na sala de embarque, procurando o desembarque perdidos, como se fosse a primeira vez das suas vidas voar pelos céus do país. Coisa que não via. Me enchia de alegria.

    O PT nunca me enganou porque, de uns anos pra cá, quando chovia, menos gente morria soterrada em barranco, levada por enxurradas.
    Porque quando acabava o ano, os shoppings estavam cheios e, no supermercado, a gente via as mulheres de limpeza, levando perus e cerejas pra ceia de Natal das suas casas.

    O PT nunca me enganou porque via, cada vez mais, mais jovens pobres nas faculdades. Porque meus próprios irmãos e primos, estavam cursando ensino superior, após os 30.

    O PT nunca me enganou porque eu gosto de ver, sentir, ouvir e me relacionar com gente. Gente preta, gente pobre, gente humilde... Não vejo TV, não vejo novela. Gosto de ouvir a vida da boca do povo. Eu via, eu ouvia, eu sentia. Nossa gente estava feliz.

    O PT nunca me enganou porque tem obra aqui do lado de casa. Durou mais de 6 anos a obra. A peãozada toda se reunia na hora do almoço, na rua, pra papear e tomar um solzinho do meio-dia. Era alegria.

    Foi sair Dilma, os pedreiros sumiram. O sinal voltou a ter menino limpando para-brisa. No Natal, já via as mulheres da faxina discutindo o preço do frango, do ovo.

    O PT nunca me enganou. É difícil governar um país tão extenso e desigual. Combatendo interesses de poderosos, mesquinhos e perigosos. Enfrentar as salas e bastidores do poder que sempre teve dono - o rico, o milionário. Contar com o apoio do povo que a TV envenena contra si próprio e seus interesses.
    É difícil governar um país na mão de pastores e mentirosos. Que ora saúdam o senhor pela "riqueza alcançada", ora pregam ódio pra disfarçar a volta da miséria que apoiaram.

    É difícil governar um país, onde a classe média tem empregadas domésticas e senzalas que chamam de "quartinho", ainda hoje. Quando chega a alforria pra esse povo migrante e trabalhador, a carteira de trabalho, a fixação da jornada, extra, férias, fundo de garantia, essa classe média abre fogo, abre guerra.
    Quando chega a oportunidade do filho do pobre mudar seu destino, o empregador de mão-de-obra barata, no campo, nas indústrias, nos comércios e até nas casas "de família", abrem fogo, chamam à guerra.

    Esse povo triste, desolado e abatido que hoje encontro, cruzando na rua comigo, nos supermercados, no elevador dos prédios comerciais, o PT nunca enganou. Se teve alegria, iria durar até o certo dia que os mais afortunados tolerassem.
    E, aquela gente pobre toda zanzando, alegre, com a boca escancarada, cheia de dente que o dentista consertou, eles nunca toleraram. Nunca quiseram enxergar. Nunca quiseram saber de suas vidas. Nunca deram liberdade pra essa gente comer a comida do patrão, subir pelo elevador social, frequentar a casa como amigos dos seus filhos.

    O PT nunca me enganou. O Brasil sempre foi dividido por preconceitos. Não bastava ser rico, se fosse preto. Ser branco, se fosse pobre. Ser nordestino, branco e rico, vá lá.

    Sempre acompanhei a política e o vai e vem das cadeiras. Sei bem como as coisas funcionam no Brasil e o lugar que nos reservam, é sempre à margem. Nunca odiaria um partido, nem ao PT lançaria todo meu ódio. Ódio é coisa de quem não quer tomar o olhar da realidade pra si.
    O PT, por melhor que tentasse ser como partido, como representante dos nossos sonhos, somos nós os que têm que sonhar.
    Se não sonhamos com igualdade, dignidade, direitos e com a alegria do nosso povo, só nos é merecido viver um pesadelo juntos.
    (MALU, Malu Aires)

    • Me explica aí, já que sabe de tudo (ou pergunta pra Malu). Porque os militares estão tão oriçados desde 2013?

    • emocionante texto...mas eles com 5 anos de propaganda mentirosa enganou via Dutos diários no JNazi e enganam ainda agora pelo fatídico Zap e FB (coordenado por gente de mau caráter acionando robôs) através de memes e fake news nos grupos familiares

    • O que está em jogo agora é uma escolha muito simples: democracia ou totalitarismo fascista.

    • Belíssimo texto. Cheio de verdade. Peço permissão para compartilhar.

    • não consegui ler tudo
      chorando muito
      onde fomos parar?

    • Muito bem. Não aguento mais essa viola de PT tem que fazer auto-crítica, devo fazer algumas críticas ao PT.

  • Uma das coisas q mais me arrependo na vida é não ter votado no Brizola em 89 e sim no Lula.

      • Ninguém poderá responder a esta sua dúvida. Pergunto-me, se o debate final entre Lula e Collor não tivesse sido editado pela Globo, Collor venceria também?

        • A Globo não gostava do Brizola. Por todas as circunstâncias, Collor seria eleito. Tudo foi armado para isso.

        • Em 1989, não houve derrota de Lula nem vitória de Collor. O que houve foi vitória da Globo e derrota do Brasil!

      • As pesquisas da época diziam que sim, Brizola venceria. Como ele era o único que assustava a globo, na reta final eles sabotaram Brizola de todo jeito, inclusive "liberando" seus artistas para apoiarem Lula, que acabou vencendo por uma diferença de 400 mil votos.

  • Tá, mas quem disse que Ciro é brizolista???? Ciro é cirista . . . e ponto.

      • E quando ele defendia o mandato de Dilma vc ( e muuuitos petistas) estava aonde?

    • Exato! Quem mudou de partido 7x mudará mais uma, após o naufrágio nas urnas.

    • Isso é que está difícil de entenderem. Ciro pensa somente em Ciro. O resto é verborragia

  • Será que o Ciro, depois de torcer para Lula ser preso, agora torce para que o coiso, caso eleito, faça muitas besteiras para que ele Ciro seja lembrado? Ou torce para que o Haddade, caso eleito, não consiga governar, e ele Ciro ser lembrado? Se for isso, é um péssimo analista, está jogando fora uma oportunidade de ouro de mostrar que pensa no País, diante de uma ameça de termos um fascista "legalizado" pelas urnas.
    Acho que Ciro não tem dimensão para estadista, ainda não saiu do PSDB.

    • Ele, como Marina, já está pensando na próxima.
      São o que, no campo, chamamos de cachorros-ovelheiros, os cães que aprenderem a comer ovelhas. E, lá, se diz: 'cachorro comeu a primeira ovelha, pronto, só matando'.

  • Nenhuma palavra dos senhores sobre a trama meticulosa do líder supremo petista pra destruir a Campanha do Ciro. Por pura vaidade, desejo de poder, de nao perder o protagonismo das esquerdas. Lula sabia e sabe que Haddad é fraco eleitoralmente. Sabia que haveria um grande risco de perder. Sabia que Ciro teria muito mais chance. Não pensou no povo brasileiro. Preferiu arriscar por o país nas maos de um psicopata fascista do que perder a pecha de ser um deus para os seus seguidores. Ciro já apanhou muito do PT. Uma hora cansa.

    • Não interessam as "magoazinhas" do Ciro com o PT. A partir do momento em que ele se dispôs a ser candidato representando a esquerda, perdeu o direito de abandonar a luta pela metade. Desonrou os votos que recebeu. Se o meu fosse um deles, estaria furiosa (como estou agora com o Haddad e sua apatia).
      Outra coisa: Haddad ter sido escolha de Lula é ponto controverso. Prova de que Lula não manda tanto no PT como seus detratores acreditam. Afinal, se fosse o "tirano" que dizem que ele é, teria se candidatado em 2014. Assim como o saudoso Brizola, Lula entende que "socialista é o povo". Infelizmente, nem todos no PT concordam...

  • A militância mais jovem e alguns mais experientes não querem.
    Mesmo porque, Lula já disse que Haddad cumpriu o seu papel.
    Isso mesmo. Verbo cumprir no pretérito perfeito.

Related Post