Bolsonaro não busca a maioria, por enquanto

Escrevi, ontem, que Jair Bolsonaro não é um líder de massas, é o líder de turba e que isso é o fundamento da incessante temporada de declarações estapafúrdias do presidente, alimentando continuamente a fornalha de ódio de seu eleitorado mais fiel.

Hoje, Helena Chagas conduz ótimo raciocínio nesta linha, que, ao que parece, está se tornando clara aos olhos de muitos.

Diz que o atual presidente busca manter a hegemonia na direita e que isso “explica os movimentos tresloucados que visam a acirrar a radicalização política e a agradar os setores que o apoiam. Bolsonaro está “fidelizando” o seu público mais hidrófobo”.

Isso significa, diz ela, manter sob controle ” possíveis adversários como João Doria, Luciano Huck e outros”.

Estes, porém, estão atados diante do furor bolsonarista e é bem expressivo, a este respeito, o que aconteceu ao MBL quando este ensaiou restrições ao alinhamento automático com o ex-capitão.

Doria “cata” as lascas deixadas por Bolsonaro – Paulo Marinho, Gustavo Bebianno, por exemplo – e tenta seduzir Joyce Hasselman com uma candidatura à prefeitura paulistana, mas não tem muito por onde se mover senão na direção de Rodrigo Maia que, eleitoralmente, não tem muito a dar.

Não há espaço, aparentemente, para, mesmo com a força que lhe dá o governo paulista, para crescer sem que haja, como corretamente aponta Chagas, uma debacle total do presidente.

Mas aí, outro perigo: naufrágios produzem uma sucção que traga quem navega ao costado do barco furado.

Helena Chagas, por isso, diz que “chegou a hora de as forças de centro e de esquerda reeditarem as frentes que foram decisivas em determinados momentos da história, como o fim da ditadura.”

Sim, claro, seria o desejável, mas não é visível qualquer possibilidade para que isso aconteça, no curto prazo e enos ainda no horizonte ainda distante da eleição presidencial.

O “lavajatismo” ainda é, embora declinante, uma interdição a isso, porque a figura polarizadora do campo popular está prisioneira e, sobretudo, cheia de “senões” no campo das forças políticas de centro e centro esquerda.

O jogo, penso eu, ainda está no campo da direita e por lá deve seguir por algum tempo.

A esquerda, avariada, segue no porto da resistência, à espera de um capitão. Ou da volta dele.

 

Fernando Brito:

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  • Mas não por acaso, o 'capitão' que parte da esquerda espera (alguns por idealismo, outros por oportunismo, uns por falta de opção, outros por não ser opção, muitos por senso de justiça e entendimento maduro da inegável capacidade dele), continua devidamente 'guardado' pela direita, que prova, todos os dias, ter alguém pensante. Nunca subestimemos nosso adversário, especialmente se ele nos derrota.

    • Essa de ficar apostando em Lula deu no que deu... Agora estamos todos enfraquecidos... A esquerda deve ser plural e parar com a sanha autoritária.

  • O empresário Paulo Marinho, um dos primeiros a embarcar na nave bolsonarista, e que recentemente aderiu ao Gov. João Dória, disse que Bolsonaro era necessário para retirar o PT do poder. O próximo passo será colocar quem a elite deseja realmente: Dória ou Hulk.

    Na verdade, esse é o roteiro modificado. O roteiro original é diferente. Neste, depois de perder sua quarta eleição seguida, a elite decidiu não aguardar quatro anos, mesmo reunindo toda a condição de manter o então governo contra as cordas e fazer de seu candidato, Aécio, o franco favorito no pleito seguinte.

    A elite partiu para a derrubada do governo. O terreno já fora preparado com a inseminação de ódio em uma classe média fértil, devidamente adubada pela desinformação. Cães selvagens brotaram e tomaram as ruas e as redes.

    E foi aí que o roteiro original saiu dos trilhos. Os cães selvagens devoraram o candidato oficial e seu partido. Preferiram seguir alguém que exalava os mesmos feromônios. O capitão era especialista em lidar com pessoas em transe de ódio. Não foi difícil engajar a matilha. Não restava à elite outra opção para não ver o poder continuar nas mãos da esquerda. Isso foi facilitado por um aceno dado pelo capitão. Ele incorporou a política econômica da elite, tendo como garantia a pessoa de Paulo Guedes.

    Em sete meses, a aliança forçada exibe trincas indisfarçáveis. O capitão presidente constrange a elite no exterior. Aquele privilégio de ser rico e parecer requintado apesar de vir de um país exótico já não pode ser usufruído. Devem explicar as aberrações do capitão.

    No palco interno, a situação não é diferente. Aqueles intelectuais e jornalistas moderninhos que trajam civilidade, enquanto defendem os privilégios de seus mecenas e empregadores na elite, estão desesperados. Como manter alguma credibilidade e o discurso civilizatório ao defender o troglodita da presidência?

    Este é o momento de colocar em ação o roteiro adaptado. Existem bons motivos para tal. Além de se livrar do constrangimento externo e interno causado pelo capitão, ele já entregou algo há muito perseguido pela elite: a reforma da previdência. Além disso, ele é o bode expiatório ideal. A política econômica do governo vai mal com viés de piora. A culpa não é do capitão. São as medidas que não funcionam. Mas colocar a culpa no capitão pelo desastre econômico que está no forno, pronto ser servido, salva a cara de seus patrocinadores, e preserva as medidas para mais uma tentativa futura.

    Portanto, a segunda parte do roteiro adaptado já está em andamento. Isto já pode ser notado. É crescente o número de jornalistas e de intelectuais que se manifestam em antagonismo ao governo, após meses cultivando o argumento da equivalência entre Bolsonaro e Haddad e tecendo loas à modernidade de Paulo Guedes e à honestidade de Sérgio Moro. Essa recém recebida carta de alforria não me convence. A idade já não permite. Estão seguindo o roteiro.

    O desacoplamento vai se acentuar. O capitão tende a se isolar e isolar seu grupo de eleitores de influência externa. Ele preserva a caneta, os militares e milhões de militantes raivosos, um ativo eleitoral invejável. A luta vai ser renhida no lado direito. O capitão ocupa o terreno desejado por Dória (ou Huck). Sintomático que Paulo Marinho já não cita Moro. Ele era o favorito da Globo, um poderoso patrocinador, mas após ser ofuscado por Bolsonaro e de ser atingido pelo Intercept, o ex-herói já não é considerado.

    Para tomar o terreno do capitão não poderão atacá-lo para afastar seus eleitores, como era a regra. Seu eleitorado fanático já está vacinado. Restará a via judicial e do legislativo. Terão que impedir o presidente e seus filhos. Somente a retirada da família da disputa eleitoral poderá fazer seu eleitorado cativo disponível de novo. Mas como fazer isso?

    O judiciário brasileiro joga com a elite, isso já se sabe. Portanto, em princípio, ele pode colaborar com os planos da elite. O problema é sua compulsão por se flexionar diante de uniformes militares. E os militares estão com Bolsonaro. Quem levar o judiciário, ganha a disputa.

    Enquanto a disputa se desenrolar, a situação econômica se deteriora, e aumentam os pedidos pela libertação de Lula. Essa é outra dificuldade a ser vencida. Sua entrada na disputa altera completamente as relações de força. Portanto, é mister que ele continue preso. Quanto a isso, tanto o judiciário quanto os militares concordam.

    Trata-se de uma luta em que todos tendem a perder. A vítima maior tende a ser o Brasil.

    • obrigado por sua exposição. o quadro que você descreve é claro. temos a elite mais canalha do mundo.

  • Sim, é visível que temos um presidente que não fala aos brasileiros, mas à sua tropa. Isto se deve a algumas razões: além da mencionada no artigo, relevante sem dúvida (provavelmente articulada pela famiglia), existe uma deficiência cognitiva séria no miliciano, própria de quem cresceu e vive pelo preconceito e pela violência, sem maiores concessões ao debate - que dirá ao debate democrático...

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