Brasil e Argentina: gêmeos, mas nem sempre é mórbida a semelhança…

orloff

Em meados dos  anos 80, havia uma propaganda de vodca que popularizou o bordão “eu sou você, amanhã”.

A frase se tornou muito usada para comparar o Brasil à Argentina.

Com o fim da ditadura, eles tiveram Raúl Alfonsín; nós, José Sarney.

Em 85, o Plano Austral na Argentina; em 86, o Plano Cruzado no Brasil.

Depois, Carlos Menem, em 89, que vinha do peronismo para ser neoliberal. Aqui, Collor e, depois Fernando Henrique, com Itamar e ele próprio. Lá, o interlúdio foi ao inverso, com Fernando de La Rúa.

E o “efeito orloff” seguiu ao inverso. Néstor Kirchner  se torna o presidente das mudanças, poucos meses depois da posse de Lula, no Brasil

Depois faz Cristina presidente, assim como Lula faz Dilma aqui.

Esta história, num recuerdo do 30° aniversário da redemocratização argentina, foi resumida hoje, num ótimo artigo, pela Cynara Menezes, em seu blog Socialista Morena que, se não fosse a qualidade da autora, já me encantaria pela doce menção a Darcy Ribeiro.

30 anos de democracia na Argentina: após a alegria, a privataria

Cynara Menezes

Há 30 anos, em 1983, os ventos da democracia voltavam a soprar para nossos hermanos argentinos, após sete anos de sangrenta ditadura militar. No dia 10 de dezembro daquele ano, Raúl Alfonsín (1927-2009) tomava posse como presidente eleito. Infelizmente, o sofrimento dos vizinhos não terminaria com a saída dos generais do poder. O governo de Alfonsín fracassou em seu plano econômico, o Austral, que deteriorou em hiperinflação e caos social, e o presidente acabaria renunciando ao cargo cinco meses antes de terminar o mandato, passando a faixa ao sucessor eleito, Carlos Menem. Foi como pular do fogo para a frigideira.

O governo neoliberal de Menem (1989-1999) dilapidou todo o patrimônio público da Argentina. Imagine as privatizações que fizeram no Brasil elevadas à máxima potência e você tem um quadro parecido –aqui, nos anos 1990, o governo do PSDB queria privatizar até a Petrobras, mas, graças à oposição liderada pelo PT, não conseguiu. A roubalheira das privatizações na Argentina foi imensa, e, também como no Brasil, o desemprego chegou à estratosfera. Sob a presidência de Menem, taxa foi aos 19% e terminou em quase 15%, igualzinha à brasileira ao final do segundo mandato de FHC. Com a venda da petroleira YPF, a maior empresa do país, e de todas as de serviços públicos, 317 mil trabalhadores passaram do setor estatal ao privado, mas apenas um quinto delas permaneceria no emprego.

Mortalidade infantil, desnutrição, abandono social total: este é o resultado do neoliberalismo na Argentina durante o governo Menem e de seus sucessores Fernando de la Rúa e Eduardo Duhalde. O país só sairia do buraco em que a direita o meteu com a posse de Néstor Kirchner (1950-2010), em 2003. Durante seu governo, Kirchner impulsionou a intervenção do Estado na economia, em contraposição à ditadura da iniciativa privada que havia se estabelecido no país desde o menemismo. Recuperou salários e aposentadorias, congelados por 10 anos. Reativou a indústria nacional e levou adiante o processo de desendividamento da Argentina, continuado por sua mulher, Cristina, ao chegar ao poder em 2007.

Durante os governos de Cristina, o salário mínimo mais que triplicou e o desemprego baixou para os atuais 6,8%. Além disso, a presidenta argentina reestatizou a empresa de petróleo do país, a YPF, e até as transmissões de partidas de futebol, que hoje são veiculadas pela TV pública, despertando a ira dos donos da mídia, principalmente o grupo Clarín. Não é à toa que no Brasil só se fala de Cristina para criticar a Ley de Medios que ela conseguiu aprovar, desconcentrando os meios de comunicação –como se isso fosse “perseguição” e não algo a ser celebrado e copiado.

Se você quer saber como a direita gostaria de governar a América Latina, veja o que aconteceu na Argentina. Aos olhos deles, esse é o modelo ideal de país: tudo nas mãos da iniciativa privada, sem nenhuma intervenção do Estado; o paraíso do capitalismo selvagem. Em 2003, o cineasta Fernando “Pino” Solanas fez o documentário Memórias do Saque, premiado com o Urso de Ouro no festival de Berlim, onde mostra a triste história das privatizações que levaram a Argentina à bancarrota. Assistam, vale a pena.

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