A cabine à prova de som do Brasil

narciso1

40 anos atrás, nos tempos da TV engatinhando em preto e branco, um apresentador de programas de prêmios chamado Jota Silvestre tinha um quadro onde um infeliz era colocado numa “cabine à prova de som” e tinha de responder “sim” ou “não” às propostas de trocar o prêmio inicial por outros que ele nem imaginava o que fosse.

E lá ia o desgraçado, respondendo com um sonoro “sim!!!” à pergunta sobre se queria trocar o fusquinha zero km por um pé de alface.

Por vezes, isso me vem à cabeça quando vejo a onda moralista que assola o Brasil desde as famosas “jornadas de junho” e o “padrão Fifa” que de imediato o sucedeu.

É óbvio que houve certa deterioração econômica, mas é difícil dizer o quanto a deterioração política veio da econômica e quando da econômica veio da política.

Mas houve uma fantasia coletiva, abarcada inclusive por parte de uma soi-disant esquerda de que era possível a “política perfeita” em meio a uma estrutura política que carrega a podridão de séculos, querendo,  como bons pequenos-burgueses sempre o fazem, reduzir a luta política a uma questão moral e ética.

Como em outras épocas histórias, as raras em que tivemos governos progressistas e com avanços dos direitos da população, isso se deu com soluções de compromisso com as oligarquias políticas e parcelas das classes dominantes.

Talvez aí tenham se verificado as principais diferenças: as primeiras penderam para o sectarismo medieval de seitas e as segundas se “financeirizaram”, ao ponto de apoiarem políticas recessivas, importadoras e especulativas, descolando-se da produção e do consumo.

Fomos para a nossa “cabine à prova de som”, desejando o prêmio de uma sociedade onírica, e “pra já”, sem perceber a marcha sinuosa caprichosa da história acabou ajudando a trocarmos o fusquinha pelo pé de alface. Ou melhor, se veria depois, à cicuta da democracia.

Não dá para deixar de notar que o “denuncismo” e o “escracho” viraram ao contrário, política e moralmente são, agora, armas da direita mais retrógrada.

Quando se tentou – já ninguém recorda – propor uma Constituinte, que desse aos governantes alguma independência daquelas estruturas apodrecidas, não havia mais forças – se é que algum dia houve – para fazer isso. Já então o discurso, além da conveniência dos políticos, era o de que se prestaria a uma “ditadura bolivariana”.

Mas enquanto parece que muitos de nós se comprazem, como numa sessão psicanalítica, em tratar quase que exclusivamente de erros e culpas, o povão vai nos ensinando o que quer.

A mais incrível e impiedosa campanha midiático-judicial que já se viu no Brasil, comparável apenas á campanha midiático-militar contra Getúlio, e a população, lentamente, vai reagindo, percebendo que os três anos, quase quatro, de desestabilização e criminalização da política só nos legaram sofrimento, atraso e um olhar triste para o futuro.

Esta é a questão que teremos de enfrentar. Pretender que nos portemos como uma seita, como um agregado confessional, como uma legião de puros e imaculados é deixar que nosso país regrida, como está regredindo, à barbárie.

A menos que queiramos fazer pequenos clubes, onde seremos quase “irmandades” é preciso entender que a retomada democrática do poder é o caminho para a transformação (ao menos parcial) das estruturas viciosas da política.

Aquela que não pudemos fazer  – e muitas vezes não ousamos tentar fazer, é verdade – em uma década e pico de governo. Mas que, agora, numa legitimação eleitoral em 2018, será inevitável, consequência natural do desfazimento do golpe.

Não nos isolemos em nossas cabines à prova de som morais e ideológicos. É olhar e ouvir a realidade que nos faz não trocar o fusca pelo alface.

 

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