“Isenção de IPI na compra de automóveis, crédito imobiliário e promessas de uma nova lei orgânica da Polícia Militar e da Polícia Civil para esvaziar o poder dos governadores. Essas são medidas com as quais o presidente Jair Bolsonaro busca garantir apoio dos policiais para sua campanha à reeleição em 2022(…). Bolsonaro também nutre planos de politizar e aumentar a representatividade das forças estaduais no Congresso”.
A chamada de capa do Estadão elenca o que sempre foi um sonho deste governo: a manipulação política das forças de segurança, um terreno fértil não apenas para conseguir-se cabos eleitorais, mas, literalmente, além deles, soldados, sargentos e oficiais que sigam uma hierarquia paralela, onde os interesses mútuos – deles e do presidente – se sobreponham aos seus deveres e cadeias de comando regulares.
Numa palavra: pronto a agirem como um partido político e a amotinarem-se em defesa do que acham serem direitos – e também privilégios – devidos em razão de seus “méritos”.
Bolsonaro, acenando com vantagens, estimula o mesmo comportamento que o caracterizou quando era um simples tenente que planejava explodir bombas em latrinas de quartéis para conseguir aumentos de soldo. Fora, claro, dos aumentos “informais” que acha legítimo, com as atuações paralelas em organizações de segurança e esquemas milicianos.
Mas não é só: a reportagem de Vinícius Valfré e Felipe Frazão escancara a distribuição de cargos a policiais para usá-los como trampolins para futuros mandatos parlamentares e o uso das próprias instalações policiais para a “pré-campanha” presidencial. Não existiu nenhum governo no Brasil, mesmo no final do regime militar, que praticasse aquilo que disse o atual vice-presidente, general Hamilton Mourão: que, nos quartéis, “se entra política pela porta da frente, a disciplina e a hierarquia saem pelos fundos”.
Com um detalhe deprimente: já nem são os quartéis do Exército, Marinha e Aeronáutica, mas nos da PM e delegacias de polícia, que se espraiam pelas ruas permanentemente, ao contrário dos militares.
Ao se reerguer a democracia brasileira – contra os perigos e ameaças que isso tem trazido – será obrigatório lançar mão de freios à ocupação da política pelos servidores públicos que, em nome do Estado, dispõem dos poderes de repressão, sejam juízes, promotores, militares ou policiais.
Não se trata de lhes retiraros direitos políticos, inclusive os de serem votados. Mas de estabelecer, como a todos que usufruem de poderes acima do que tem qualquer cidadão, quarentenas até que possam separar o que fazem em nome da sociedade do que significa representá-la.
Até algum tempo atrás, a auto-contenção de seus atos era o suficiente para fazer disso uma questão menor. Já não é mais, a menos que queiramos, em pleno século 21, viver sob um estado policial.