Como nos tornamos estúpidos. Por Patrick Mariano

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A elite brasileira, que se incomodou tanto com a classe média baixa e alguns pobres sentarem-se ao seu lado nas poltronas do avião não percebe que ela é quem foi, afinal, sentar-se ao lado dele nas poltronas dos programas “mundo-cão” que infestam nossos meios de comunicação e tornou-se tão bárbara quanto aqueles homem para os quais a complexidade da vida social deveria resolver-se com a tríade “prende, mata, esfola”.

Patrick Mariano, hoje, no “Justificando“,  nos dá um texto onde esta barbarização das relações fica evidente

Insônia

No dia 12 de outubro de 1995, o então pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, Sergio Von Helder, em programa de TV, chutou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. A imagem chocou o país e virou símbolo de intolerância religiosa.

Passados vinte um anos do ocorrido, no último dia 7, na cidade de São Paulo, um homem de paletó e gravata desfere fortes chutes em alguém que dormia na calçada. A cena, gravada por um cidadão, foi levada a Polícia Militar imediatamente. O policial lhe disse que não poderia fazer nada. Ao se dirigir a outro posto da PM, mostrou a gravação e obteve a mesma resposta: “não podemos fazer nada”.

O primeiro ato agride a fé de milhões de pessoas. O segundo deveria nos fazer perder o sono porque destrói a fé no próprio ser humano. Há um componente a se refletir neste caso, pois o ato do motorista do Uber em gravar e repreender o agressor mostra que a dignidade humana no tecido social não está toda corroída. A digna e cidadã ação, no entanto, não encontrou no Estado qualquer eco, ao contrário. À mercê de qualquer apoio, restou publicar o vídeo em uma rede social e inclusive temer por ameaças.

Foi um ato parecido, de uma mulher no Rio de Janeiro, que denunciou a ação de justiceiros no bairro do Flamengo que agrediam crianças e adolescentes pobres, muitas vezes até a morte. A inação do Estado também a deixou sobre toda sorte de ameaças.

Não são raros, felizmente, exemplos de cidadania e alteridade, mas a inação estatal serve de desestimulo e amedronta quem defende a dignidade da pessoa humana. Bem lembrou Marcelo Semer esses dias que no julgamento do processo do massacre do Carandiru só ocorreu absolvição quando o julgamento foi realizado por magistrados. Todas as vezes que jurados escolhidos na sociedade julgaram aqueles fatos, o resultado foi a condenação.

Em nossos dias vivemos e assistimos ao culto a falsos totens. Um deles é o culto da punição ou ao sentimento de sua ausência. Mas o Brasil já pune muito e seletivamente – os dados estão aí. No entanto, o nefasto desejo de quem cultua a punição traz em si um direcionamento seletivo estimulado para determinados grupos ou pessoas.

Em Curitiba não pode haver delação premiada que não comece e termine com as palavras Lula e PT. O enviesado uso da teoria do domínio do fato só vale para determinados grupos políticos, mas não é usado contra uma juíza de direito que manteve uma adolescente de 15 anos durante 26 dias em uma cela com 30 homens, a submetendo ao horror de agressões físicas e violências sexuais.

O desejo ou a pulsão de punir é construído ideológica e subjetivamente para recair sobre alguns. Daí porque a imensa maioria da população carcerária é formada de pobres, jovens e negros. O ódio é construído com requintes de seletividade. Bem por isso, para “combater a corrupção” é válido interceptar ilegalmente a comunicação de um cidadão ou prender outro no hospitalenquanto acompanhava a cirurgia da pessoa amada, desde que ele seja de determinado grupo político.

Ou seja, quebrar o sigilo telefônico de um petista sem qualquer fundamento legal e divulgar o conteúdo desse áudio não causa a mesma indignação que o de um jornalista. São graus de cidadanias diferentes. Pior, os veículos de comunicação que agora protestam contra o judiciário de forma veemente são os mesmos que divulgaram incessantemente o ilegal áudio do ex-presidente Lula. Uns mais cidadãos que os outros, apesar de a Constituição afirmar a igualdade de todos perante a lei.

Para praticar arbitrariedades incessantes sem ser incomodado é preciso rebaixar o outro a uma sub-cidadania, torna-lo indesejável, estigmatizá-lo a ponto de não ter mais direitos. Quando jovens de Brasília atearam fogo e assassinaram o índio Galdino de Jesus, disseram que imaginavam se tratar de um mendigo. Por essa lógica desumanizadora, pessoas em situação de rua podem ser queimadas ou chutadas enquanto dormem.

A Polícia Militar de São Paulo não faz nada quando a vítima é uma pessoa em situação de rua porque histórica e ideologicamente foi concebida para exterminar os indesejáveis do sistema capitalista. Tanto é assim, que as dezoito estrelas que cada policial ostenta em sua farda são exaltações da participação da corporação em fatos históricos como a Milícia Bandeirante, Guerra dos Farrapos, Canudos, Greve Operária de 1917 e ao golpe militar de 1964.

Pouco antes de encerrar esse texto, soube da agressão ao ex-deputado Eduardo Cunha quando desembarcarva em um aeroporto. Embora seja acusado da prática de inúmeros crimes e tenha se comportado como um canalha enquanto esteve na presidência da câmara, não deveria soar estranho a afirmação de que não é ético sair batendo nas pessoas que praticam crimes ou agem politicamente de modo contrário ao nosso gosto ou interesse. Na calçada da ética, o espaço ocupado por quem se comportou como um pulha é o mesmo daquele de quem deita o corpo para dormir ao relento com uns poucos trapos.

E assim seguimos, com perversas pulsões punitivas construídas subjetivamente para recair sobre determinados grupos. Desumanizando pessoas e grupos e nos tornando cada dia menos humanos ao naturalizar a barbárie, pois cada chute daqueles dados por um “cidadão de bem” contra alguém que dormia inofensivamente deveria quebrar a nossa própria costela, mas termina por sequer tirar nosso próprio sono.

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12 respostas

  1. Esse texto repete, até de maneira cansativa, o que todos sabem mas fingem não querer saber. Esse Brasil é o Brasil de sempre, o mesmo que se lambuza nos facebooks, nas novelas, no PIG, nas indignações seletivas, no denegrimento feito da imagem do PT, do Lula e da Dilma sem que ninguém aqui nesse blog se incomode muito. Xingar Dilma de vaca, anta, mosca-morta, poste, gerentona, etc. foi a marca registrada do Tijolaço. Lembro que em janeiro de 2016 so comentei pela primeira vez por ter ficado estarrecida de ver que todos achavam normal, principalmente o proprio blogueiro Fernando Brito, que ainda nem sequer mudou uma virgula pra mudar essa situação. Lula ser chamado de molusco, nove dedos, ladrão e outros qualificativos também se tornou, ao longo do tempo, fato normal, narrativa aceita e muitas vezes incentivada; bom exemplo quando Cruvinel diz que nem dentes Lula tinha, ja estava mesmo quase morto… Sim, a Cruvinel do 247. Enfim, muito estranho qdo tantos brasileiros não conseguem perceber que essa sociedade que ai esta foi construida e fomentado por todos, por TODOS !!! Estranho, muito estranho mesmo. Aquela pesquisa sobre o preconceito de cor/raça é paradigma dessa concretude.

  2. E tem gente perdendo tempo com avaliações do quadro político pra 2018… Tá mais do que comprovado eleição é uma inutilidade, porque “eles” manipulam o voto do eleitor através da mídia, compram consciência de quem se dispõe a manipular pessoas pela internet e, se nada disso funcionar, usam a justiça para impor sua vontade. O brasil é um lixo. Não será através das urnas que se conseguirá promover a faxina que o país necessita pra pelo menos parar de andar pra trás.

  3. E se fosse o contrário? Um morador de rua entrasse no Shopping Ibirapuera e chutasse as canelas de alguém classe média/alta? O que fariam? Deixo a resposta com vocês.
    Neste país de merda, as pessoas valem pelo TER e não pelo SER. Pensamento estúpido de quem se julga superior ao próximo e que usa como régua bens materiais. Sociedade inútil e demagoga.

  4. Esse tipo de gente (se é que se pode designá-los assim) deveria morar numa selva e aprender com os macacos como viver em sociedade.

  5. Os PATETAS GOLPISTAS ESTATIZADOS DO TEMER devem aplaudir estas barbaridades. É a cara deles.

  6. Correto, Maria Ferraz. A esquerda na américa esta sob forte ataque e, mais do que nunca, temos que nos unir. E não é só no Brasil, mas na Argentina, Paraguai, Colombia, Mexico, e muitos outros que não tenho conhecimento. Mexico, neo liberal, ja não tem sus ha tempos, como o Brasil caminha para não ter também.

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