Como nossos pais? Por Jari da Rocha

sisifodore

Perdi, nas agruras da vida, a ilusão de ‘torcer’ pelo futuro. Ficar chuleando o que se deve construir e lutar é, além de devaneio, covardia, descaso, acomodação.

Quando nasci, logo depois, um ano mais tarde, vieram anjos retos me dizer que a vida tinha que ser difícil. Eu não sabia, mas o inferno duraria ainda metade da vida.

Devia ter desconfiado, afinal, frequentei uma escola que desensinava a pensar e que reprimia o tempo todo. Uma escola chata e careta, uma escola com partido, isso era muito claro. Não tinha como não saber a “lição de morrer pela pátria e viver se razão”.

Convivi com a ausência do meu pai, que era levado pelas horas de serão na firma e pelos bicos nos finais de semana. Trabalho de 12, 14 horas diárias eliminava o pai e cegava o homem.

A esperança, que vinha a conta gotas como uma ração diária de dependência, se diluía nos anos de bom comportamento e ia morrendo aos poucos. A vida não melhorava, por mais que se fizesse o que era mandado ser feito – receitas neoliberais.

Meu pai achava que a vida tinha que ser assim, quem nasceu pra ser peão deve permanecer bom peão: que é aquele que se curva diante do patrão, aquele que aprende a odiar o inimigo invisível, independente do nome que lhe derem: comunismo, liberdade, sindicatos, eversivos, petistas ou democracia.

O importante é nunca questionar. Saiu na TV, deu no rádio, então sigamos firmes, na luta diária que nos leva à morte.

A aposentadoria é um pijama de madeira, já diziam na época e com meu pai não foi diferente, após 35 anos como operário padrão. Tinha orgulho da carteira de trabalho, foi seu passaporte para permanecer vivo. Depois, a ‘vida’ o descartou.

Não foi por acaso, que a lógica daqueles anos de chumbo fosse invertida nem, tampouco, que o operário deixasse de ser peão.

A chave foi a luta constante, luta dura, aguerrida, sem descanso. Foi por tudo isso que o filho do peão virou doutor, contrariando a lógica ‘natural’.

Não foi surpresa ver as pessoas saindo da miséria absoluta e ter certeza que aquilo que até então acontecia, desde que o Brasil virou Brasil, era um jogo em que uns tinham que morrer para que outros vivessem bem.

Não era razão de assombro perceber, na prática, que justamente o povo pobre é que faria o bolo crescer e isso sem deixar de dividir com ninguém, muito menos com aqueles que estavam enfarados e de caras lambuzadas de tanto se entupir de fartura.

E assim, de repente, a vida fica possível. As crianças que nasciam pra morrer resolvem insistir em viver por causa de um prato de comida.

Um prato de comida que encheu a barriga do miserável, que ampliou o armazém da esquina, que engordou a conta dos fabricantes de pratos de comida.

E a economia do país foi possível, mais que isso, o Brasil foi possível pela primeira vez na história desse país.

Ocorre que, como aprendi desde criança, a vida tem que ser difícil e isso deve estar tão incrustado nas mentes e corações de brasileiros (remediados ou abastados) que não conseguimos enxergar que essa vida é muito mais do que um lento desfile de imagens (televisionadas) que nos deixa prostrados, passivos e cordatos.

Não se ‘torce’ pelo futuro, se constrói. E quando ele, o futuro, chega lutamos por ele. Não há liberdade grátis.

Não temos que ser os mesmos nem viver como nossos pais.

Temos muito a perder, a vida já nos mostrou isso.

 

 

 

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3 respostas

  1. Leio este belo texto e o dedico aos PATETAS ESTATIZADOS DO TEMER. Quem sabe criam vergonha na cara.

    1. Faço minhas as suas palavras com uma pequena reflexão: eu que sou gaúcho como o Jari da Rocha, sequer sabia da sua existência até pouco tempo atrás e olhe que já dobrei o canal da Mancha . Não fosse pelo Tijolaço provavelmente ficaria alheio a este grande cronista. Que coisa lamentável é essa concentração da mídia e o “samba de uma nota só” das grandes redações que nos tem privado de tantos talentos. Quem sabe um dia nossas autoridades resolvem regulamentar o artigo 220 § 5º da Constituição Federal :” Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.”

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