Cotas para negros no Serviço Público. Porque “escravos”, só do bem do povo.

Eu evito entrar em debate sobre políticas afirmativas de defesa dos negros.

Tenho receio de chocar as pessoas.

Acho que este país deve muito mais que isso aos netos e bisnetos dos homens e mulheres que tratou como animais durante três séculos e que, não obstante, ajudaram a erguer este país.

Deve por isso e por, antes disso, ter fomentado em território africano, esquemas corrompidos de poder para que fossem caçados, arrebanhados e transportados para cá.

A humanidade jamais presenciou um crime nesta escala, exceto do genocídios dos índios das Américas.

Fico com nojo quando a direita brasileira faz carga contra perdoarmos umas dívidas miúdas que os países africanos possam ter conosco.

Além de um dever de justiça, é muito pouco.

Quanto vale, meu ilustre leitor, seu avô ter as costas cortadas no látego e sua avó ser obrigada a ceder o corpo aos caprichos do senhor?

Ah, mas essa turma assiste o “Django Livre”, do Quentin Tarantino, e acha “um barato”.

Mas ali é “arte”, e a vida não pode imitar a arte.

Por uma curiosa ironia, a Presidenta Dilma assinou, ontem à noite, a mensagem que propõe a criação de cotas para negros no serviço público.

Até hoje, como se sabe, só tem cota para negro na construção civil, na limpeza urbana e nos presídios. Ou na polícia.

Quando entrei no PDT, saído da esquerda dita ortodoxa, fiquei impressionado na fixação de Brizola no resgate da dívida, como dizia ele, “com nossos irmãos negros”.

Surpreso, percebi que não via o que era evidente.

Mais de um século depois da abolição da escravatura, ainda estranhamos ver um negro juiz, advogado, professor, general e…médico.

E muitas jovens brancas e morenas de Fortaleza gritavam “escravo, escravo” para o Doutor Juan Delgado , aquele médico cubano negro, certamente o fizeram tanto por ele ser cubano quando por ele ser um negro “retinto”.

Quando, com o velho Briza, estive numa “vila” (favela, em gauchês) em Uruguaiana, e vi magotes de crianças em trapos, sujinhas, correndo atrás do jipe, me dei conta de meus próprios preconceitos não racionalizados.

Aquelas crianças pobres eram todas … lourinhas, de olhos claros. E eu identificava pobreza com negros, foi um choque para mim.

E aquelas moças da foto identificam negros com escravidão.

Estamos num caminho de superação, que não é fácil e exige esforço.

A consciência pública não repele ainda, com a força que deveria, coisas abjetas como o quadro do Fantástico, domingo, onde, em tom de sátira, a Princesa Isabel promete aos negros o “Senzalão da Educação” ou o “Minha Palhoça, Minha Vida“.

Será que têm ideia do quanto ofendem a dignidade de um terço da população brasileira ou mais da metade, se contarmos os “pardos”, maneira horrenda de falar dos mestiços que somos tantos de nós?

Ah, é humor…

Humor como o da pobre mulher que doou leite – como outras admiráveis mulheres também  fizeram, e ainda bem por ter vivido isso com uma delas  –  e é tratada como “vaca” em um programa de televisão?

Acreditem, meus amigos, virá uma onda de críticas contra esta nova lei de cotas. Os argumentos serão todos “não-racistas”, na forma. Como os gritos de “escravo” em Fortaleza foram explicados como tendo “outro  sentido”.

Há 25 anos, a lei que criminalizou a discriminação racial ficou conhecida com o nome de um de seus criadores, meu colega de profissão e de lutas, o jornalista Carlos Alberto de Oliveira, o Caó.

Quem sabe a lei das cotas para servidores públicos pudesse ser um desagravo a quem cuida do nosso povo e que ganhe, quando aprovada, o apelido de Lei Juan Delgado?

Ele não é brasileiro, mas veio cuidar dos brasileiros que brasileiros não querem cuidar. E logo dos mais brasileiros mais brasileiros: os índios lá do Maranhão.

Esse sim, seria um pedido de desculpas à altura do que fizemos passar, naquele nosso irmão negro, todos os que condenamos à escravidão.

Fernando Brito:

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  • Obrigado, Fernando, por essa digníssima e justíssima proposição. Abs

      • Idem!
        Nunca achei que as desculpas da Dilma tivessem sido suficientes pela ofensa que fizemos a todo um povo.

    • Sempre fui a favor de cotas sociais. Partindo do mesmo princípio do que os negros são historicamente injustiçados e por isso vivem em sua maioria nas camadas mais pobres, etc., etc., etc., como todos os pensadores vivem repetindo, então as cotas sociais incidiriam na mesma parcela social das cotas raciais. Com os benefícios de não ajudar negros e brancos ricos e de incluir ajuda a brancos pobres (é, eles também existem).

      Mas, tudo bem. Facilitar acesso à educação dos negros para reequilibrar as condições de competição no mercado de trabalho para todos (não sei como os governos ajudam os brancos pobres, mas isso é assunto para outro escopo) está sendo promissor.

      Agora, daí a facilitar a entrada em cada vez mais lugares, como no serviço público (sugestão de Dilma), na política (projeto tramitando no Congresso) e mais e mais lugares, em minha opinião, o que seria uma boa ideia, o resgate social, estaria se tornando uma espécie de privilégio.

      Disseram que as cotas seriam temporárias, mas duvido. A realidade vem me dando razão.

      • E nem comentei das ações de organizações políticas tidas como defensoras dos direitos dos negros. Não consigo discernir neles o espírito embuído dos melhores desejos de resgate social dos negros do aparelhamento do tema para formação de massa de manobra que lhes trazem peso e poder político.

        Acho errado o Brasil querer copiar (pode até estar sendo empurrado) para uma política de cotas raciais à EUA, porque nós não tivemos discriminação racial institucionalizada nas nossas leis como eles tiveram.

        E, como outro comentarista indagou, também pergunto: Quais outros países da América Latina possuem sistemas de cotas raciais? A maioria dos países do nosso continente têm populações negras expressivas... mas não possuem e parecem não ter interesse em um dia implantar um sistema que privilegie a cor da pela e não a condição socioeconômica das suas populações.

      • Ricardão Carioca, sobre seu comentário de que nunca "tivemos discriminação racial institucionalizada nas nossas leis", acredito que lhe falta um pouco de conhecimento sobre a história do Brasil. Só para falar de políticas mais recentes, pesquise sobre questões raciais no Brasil no início do século XX. Pesquise sobre os reais motivos do incentivo imigração de europeus. Pesquise sobre as políticas de embranquecimento que pautaram os debates no Brasil no final do século XIX e início do século XX. Nada mais justo que políticas afirmativas para uma parcela da população que teve em seus ancestrais escravos ou indesejados (no pós abolição), considerados responsáveis pelo atraso.

  • Me preocuparia se não houvesse nenhuma gritaria, pois significaria que as ações não estavam sendo afirmativas o suficiente.

  • Fernando, aqui no sul a instituição do feriado do dia da consciência negra foi aprovado na câmara de vereadores e sancionado pelo prefeito, porém houve uma reação louca da elite branca, e no momento o feriado está suspenso pelo tjsc. Chegue a ouvir argumentos contra o feriado na linha de "aí depois os judeus, os índios, os alemães também vão querer seu feriado". Ao que eu questionei exatamente onde os alemães haviam sido escravizados, oprimidos e violentados e em qual escala que justificasse a comparação estapafúrdia, ao que me foi respondido "ah, escravidão existe de outras formas também...".
    Dá para acreditar?

    • Os Alemães foram escravisados pelos Romanos.
      Por isto vou pedir reparação dos italo descendentes?

      • O conceito de sociedade está um pouco nebuloso na sua cabeça, mas se você realmente acha que os alemães hoje sofrem algum tipo de desvantagem ou discriminação em função dessa escravidão que dista mais de um milênio dos tempos atuais, pode pegar o avião e ir pleitear teu dia da consciência germânica lá na Itália.
        Não me culpe pelas consequências.

  • Sou contra as cotas.
    Acho que o negro, assim como o branco, o amarelo ou pardo tem que conquistar seu lugar com seu esforço pessoal e não por meio de cotas para facilitar sua ascensão.

    • Deus prometeu tratar todos os seres humanos de maneira igual.

      Como seria possível, tratar de maneira igual bilhões de pessoas, quando que sabemos ser cada vez mais difícil tratar de maneira igual uma quantidade cada vez maior de pessoas?

      Simples: Meritocracia.

    • Olha, Fábio, a sua turma tem um discursinho melhor elaborado do que esse seu pra ser contra as cotas.
      Converse com eles e peça algumas dicas. Esse aí tá muito primário.

  • Entendo que é tiro é mais embaixo.
    Como as cotas em universidades, por si só, não serão capazes de fomentar a educação das camadas excluídas da sociedade, mas tão somente formar profissionais menos competentes, cria-se agora uma reserva para os concursos.

    Na verdade, a questão seria igualar o acesso à educação (como vem sendo feito - com medidas paliativas e não definitivas - nas cotas em universidades).

    Contudo em Concurso não concordo, visto que se a premissa maior tem que ser universalizar o acesso à educação.

    Por fim, vemos como exemplo o Concurso do Itamaraty. Negro, é condição autodeclarável, não há legislação ou regulamento que ouse falar o que ou quem é preto quem é amarelo quem é branco.

    Assim ,um alemão albino se declara negro e quero ver se ele não entrará pelas "cotas".

  • Isto é Apartheid!
    NUNCA MAIS EM TODA A MINHA VIDA O PT RECEBERÁ UM VOTO MEU.
    Agora é guerra declarada.
    Quem não é suficientemente negro para se declarar negro deve pensar AGORA em se unir contra esta política de Dilma.
    O PT ASSINOU SEU ATESTADO DE ÓBITO POLÍTICO

  • A responsabilidade não é minha, politica afirmativa, tudo bem
    EU NÃO ME SINTO CULPADO POR SER BRANCO.
    Vai se ferrar PT

  • EU não sou racista. SOu branco. Não tenho responsabilidade pelas pessoas que são racistas, nem pelo regime de escravidão. ISTO

  • Minha Família não vai pagar pelo racismo dos outros.
    Meu filho não vai ficar sem oportunidades por ter nascido branco.
    Guerra é guerra.
    Nem que entreguem todo o pré sál de graça pros americanos.
    Minha família vem primeiro.
    FORA PT!