A entrevista de Ciro Gomes a O Globo poderia ser vista com traços preocupantes de um delírio político.
“Trabalho por um cenário realista no qual Lula e eu estaremos no 2º turno, o que ofereceria ao povo debate de alto nível. E ainda admito a possibilidade de que Bolsonaro sequer esteja na disputa.”
Desta ideia de que seja “realista” supor que a muralha dos 30% de Bolsonaro, que resistiram, firmes como rocha, até mesmo à mortandade de mais de 373 mil brasileiros, vá se dissolver nestes 12 meses que nos separam da campanha eleitoral é que adviria o principal erro de estratégia do cirismo: o de transformar Lula numa obsessão onipresente em suas falas.
Deixaria claro, assim, que pretende se posicionar como o anti-Lula e, querendo ou não, disputar, na prática o que é hoje o eleitorado do ex-capitão. Não é impossível, claro, que nas franjas deste eleitorado, sobretudo entre os mais pobres, migrem votos para Ciro e até mesmo para Lula (e para todos os outros candidatos) à medida em que o governo Bolsonaro venha a se esboroar na crise, mas daí a prever-se que isso vá se deslocar em bloco para o ex-governador do Ceará é admitir que ele venha a ser o novo enfant terrible do antipetismo vai uma imensa distância, pelo grau de resistências que ele próprio acumulou.
Talvez o anime o fato de que, em recente pesquisa, seja ele, depois do próprio Bolsonaro, quem mais receba intenções de votos entre voto entre os que aprovam o governo do atual presidente. Mas isto é tão pequeno que é coisa alguma em matéria de tendência.
Não creio em nada disso. Penso que Ciro faz um movimento para frear a migração de seus votos em direção à maré montante de Lula, no Brasil inteiro e, especialmente, no seu ponto mais forte, o Nordeste.
Ciro não quer é que seus votos viajem.