De Deodoro para a Princesa Isabel, com cópia para o general Braga Netto

Segui a dica de Nilo Batista e fui procurar a carta que o Marechal Deodoro da Fonseca, então presidente do Clube Militar, escreveu, em finais de 1887, à Princesa Isabel, num de seus períodos de regência, pouco antes da abolição da escravatura, que já entrara em colapso, com fugas de escravos e reclamos das oligarquias para que o Exército Imperial implantasse a ordem, ainda que carcomida.

Achei no História do Exército Brasileiro, publicado em 1972, pelo Alto Comando do Exército. Não lhe é preciso acrescentar uma palavra, um comentário. Basta  ser lida e sentida.

“Senhora – Os oficiais, membros do Clube Militar, pedem a Vossa Alteza Imperial um pedido, que é antes uma súplica. Eles todos, que são e serão os amigos mais dedicados e os mais leais servidores de Sua Majestade o Imperador e de sua dinastia, os mais sinceros defensores das instituições que nos regem, eles, que jamais negarão em bem vosso os mais decididos sacrifícios, esperam que o Governo Imperial não consinta que nos destacamentos do Exército que seguem para o interior, com o fim, sem dúvida, de manter a ordem, tranquilizar a população e garantir a inviolabilidade das famílias, os soldados sejam encarregados de captura de pobres negros que fogem à escravidão ou porque vivam já cansados de sofrer os horrores, ou porque um raio de luz da liberdade lhe tenha aquecido o coração e iluminado a sala.

Senhora! A Liberdade é o maior bem que possuímos sobre a terra; uma vez violado o direito que tem a personalidade de agir, o homem para reconquistá-la é capaz de tudo; de um momento para outro, ele que antes era um covarde, torna-se herói – ele que antes era a inércia, se multiplica, e subdivide-se ainda mesmo esmagado pelo peso da dor e das perseguições, ainda mesmo reduzido a morrer, de suas cinzas renasce sempre mais bela e mais pura a liberdade. Em todos os tempos os meios violentos de perseguição, os quais felizmente, entre nós, ainda não foram postos em prática, não produziram nunca o desejado efeito.

Debalde, milhares de homens são encerrados em escuras e frias masmorras, onde apertados morrem por falta de luz e de ar; através dessas muralhas as dores gotejam, através dessas grossas paredes os sofrimentos se coam, como através do vidro coam os raios de luz, para virem contar fora os horrores do martírio!

Debalde, milhares de famílias são atiradas aos extensos desertos e lá onde só vivem os líquenes e os ventos passam varrendo a superfície dos gelos e beijando as estepes, tudo morre, mas os ódios concentrados de tantos infelizes são trazidos e vêm germinar às vezes no seio dos próprios perseguidores.

É impossível, pois, Senhora, esmagar a alma humana que quer ser livre. Por isso, os membros do Clube Militar, em nome dos mais santos princípios de humanidade, em nome da solidariedade humana, em nome da civilização, em nome da caridade cristã, em nome das dores de Sua Majestade o Imperador, vosso augusto pai, cujos sentimentos julgam interpretar e sobre cuja ausência choram lágrimas de saudades, em nome do vosso futuro e do futuro de vosso filho, esperam que o Governo Imperial não consinta que os oficiais e as praças do Exército sejam desviados de sua nobre missão.

Não é isto, Senhoras, um ato de desobediência. Se, se tratasse de uma sublevação de escravos, que ameaçasse a tranqüilidade das famílias, que trouxesse a desordem, acreditai que o Exército, que não deseja o esmagamento do preto pelo branco, não consentiria também que o preto, embrutecido pelos horrores da escravidão, conseguisse garantir a sua liberdade esmagando o branco.

O Exército havia de manter a ordem, mas diante de homens que fogem, calmos, sem ruído, mais tranquilamente do que o gado que se dispersa pelos campos, evitando tanto a escravidão como a luta e dando ao atravessar cidades inermes exemplos de moralidade, cujo esquecimento tem feito muitas vezes a desonra do Exército mais civilizado, o Exército Brasileiro espera que o governo imperial lhe concederá o que respeitosamente pede em nome da honra da própria bandeira que defende…”

 

Fernando Brito:

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  • Shao Lion, és um ignaro útil. Sua percepção da realidade e tão fina como uma corrente de atracar navios.
    Entender que a brutalidade comandada pelo desgoverno Temer-envolvendo diretamente a atividade policial das forças armadas, direcionada, tão somente para as comunidades carentes, ou favelas- será direcionada apenas para delinquentes, é o mesmo que acreditar que a justiça, no Brasil, é realmente para todos.
    Já nos bastam as imagens de crianças sendo revistadas, além de moradores sendro tratados como palestinos o São, pelo exercito de Israel, para entender a visão de classe por traz destas ações.
    Não seja tolo!

  • Fechem o Congresso e deem um basta nesta nossa "justissinha" de M, Senhores Deputados, Senadores e Turma do STF. não se iludam. Eu vi pessoalmente em Goiânia uma ordem sendo cumprida por um soldado raso , onde ele pegou um cidadão pelos Fundilhos da calça e jogou-o dentro da Rádio Patrulha, o dito cujo falou:Vocês não podem fazer isto comigo, eu sou Deputado, tenho imunidades. O soldado tava cumprindo ordens. Pronto zefini!! Cuidado senhores estamos "pertíssim" " disto

  • Certa vez lá em Minas o Secretario da Segurança teve tomar uma decisão muito questionada. Os Professores estavam em greve no Estado, ai um Conselheiro do Secretário disse, mas vossa excelência antes mandar tropa para abafar a greve, não deveria era mandar primeiro efetuar o pagamento dos professores que já estavam atrasado uns dois meses, Sabedoria de Mineiro. Qual a diferença entre uns professores e uns favelados? É a questão social e pronto.

  • Esta carta deveria ser esfregada na cara destes militares para que eles sintam vergonha de suas condições morais agindo como estão agindo. Os militares, por dever de ofício e por questão de moral, deveriam agir para impedir que as nossas riquezas sejam roubadas pela quadrilha governamental, deveriam defender as nossas fronteiras e proteger o seu povo. Mas se associam vergonhosamente a esta pilhagem que o capitalismo internacional, a quem nossos empresários e nossas elites fazem salamaleques e beijam os pés, está executando debaixo de suas fuças. Estão nos morros e periferias defendendo quem? Drogas e armas não são fabricadas no Brasil, entram como contrabando através das fronteiras que as FFAA têm o dever de resguardar, mas não o fazem. O que querem os militares, massacrar o povo, humilhá-lo para se apresentar às elites facínoras como garantidores da ordem? Porque não tomam vergonha na cara e buscam na orla e nos bairros ricos do Rio ou qualquer outra cidade brasileira os verdadeiros ladrões do povo? Aqueles que, de fato, são os chefões do crime? Bando de coniventes e covardes, são piores que essa pocilga em que se transformou o judiciário brasileiro.

  • Essa carta do marechal Deodoro da Fonseca, está atualizadíssima, parece que foi feita hoje.

  • "Senhora – Os oficiais, membros do Clube Militar, pedem a Vossa Alteza Imperial um pedido, que é antes uma súplica. Eles todos, que são e serão os amigos mais dedicados e os mais leais servidores de Sua Majestade o Imperador e de sua dinastia, os mais sinceros defensores das instituições que nos regem, eles, que jamais negarão em bem vosso os mais decididos sacrifícios"

    Não se deixem levar pela nobreza de todos os comandantes das Forças Armadas. Existe conspirações por todos os canto nesses dias.
    O próprio Deodoro dois anos após escrever essa carta jurando lealdade a Monarquia liderou o Exército para derrubar a Coroa Imperial.

      • Ali em Copacabana, precisamente na Av. Rainha Elizabeth, ouvi um desses dizer: pátria? É o meu CONTRACHEQUE...

  • Emocionante... Só isso basta.
    Direto a vida, a liberdade e a cidadania.

  • "No dia em que o morro descer e não for carnaval" (Deodoro da Fonseca)

    • Após mais de 130 anos da proclamação da república, nos deparamos com um problema que se avoluma, a escravidão no Brasil vive, há uma separação de classes, há uma guerra não declarada é uma hipocrisia que teima em dizer que não somos racista, fato que nos jogam na nossa cara a cada segundo.

      • Estranha descoberta que o golpe provocou ?! Mas quem tem coração e olhos nunca se enganou ou se engana. Como explicar a naturalização desse ódio em relação ao pobre e preto no Brasil tão escancarado nesse blog e em toda a sociedade brasileira ? Naturalização do aniquilamento do outro. É assim que a mentalidade dos brasileiros funciona. Jessé Souza tem razão ao dizer que fomos construídos a partir de ideologias nefastas e fraudulentas : balelas.

        Pior é ver o Lula lutando por si e pelos milhões de Lulas enquanto as esquerdas aguardam que seu legado vire carniça. Bando de urubus inúteis !

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