A multidão imensa reunida na Avenida Paulista, até a madrugada, foi um lindo e comovente espetáculo, mas não deve servir de engano.
Por tudo o que aconteceu, a vitória de Lula tem tons de milagre. Afinal, nunca se mobilizaram, na escala em que vimos, dinheiro público, preconceitos, manipulação da fé como nestes anos e, sobretudo, na campanha eleitoral.
No campo institucional, desapareceu a Procuradoria Geral da República, transformaram-se as polícias e as Forças Armadas em linhas auxiliares do governante e a gestão da economia em uma “panfletagem de dinheiro” pré-eleitoral.
O ato final destes abuso, ontem, chegou ao impensável, com barricadas da Polícia Rodoviária nas estradas para evitar que o nordestino pudesse votar, algo que nem a ditadura fez.
A ruína deixada por Bolsonaro é imensa e, só ela, já torna hercúlea a missão do novo governo.
Mas isto não é tudo. Teremos, a partir de hoje, um governante em desespero, diante da perda do poder extremo que possuiu.
Até o dia clarear, não reconheceu o resultado das urnas, embora não lhe reste outra saída, porque o país inteiro, exceto por núcleos enlouquecidos, já o aceitou e, como vimos, comemorou nas ruas.
Não se pode adivinhar o que dirá mas, independente das palavras, pressente-se que haverá “fogo no parquinho”, com altas fortes na inflação artificialmente baixa e provável aumento dos preços da gasolina, comprimido para gerar votos.
Lula deve passar parte da semana quieto, e assim deve ser, porque não sabemos o que virá, seja em matéria de final de governo, seja em transição da gestão da administração pública.
A depender disso, talvez seja mais rápida a definição dos comandos da economia, para tentar conter um possível pandemônio.
A articulação política, esta já começou, com a sinalização de que Simone Tebet terá protagonismo na articulação no Congresso. Ninguém se surpreenda de ela, via Gilberto Kassab, chegar logo ao governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas, amarrando o pé mais firme que restou ao bolsonarismo. Também Marina Silva, sinalizando para as preocupações ambientais no Brasil e lá fora.
O resto seria mera adivinhação adiantar.
Exceto o fato de que este é o momento de fazer desinflar o bolsonarismo que contagiou quase metade dos eleitores, e Lula sabe disso.
Nisso, a hostilidade de Bolsonaro no pós-eleição ajudará. Porque, mesmo que reconheça a derrota formalmente, não o fará sem resmungos e contestações e oferecendo zero ou quase zero de cooperação na transição de governo.
E, além disso, caiu por terra sua arrogância em falar que o que dizia era o que pensava e queria a maioria dos brasileiros.
Não, nós não somos selvagens.