Por vezes me preocupo se leitores ou amigos me acham um chato, uma espécie de pessimista profissional, que está sempre apontando que as coisas, que estão ruins, vão piorar.
Há até quem julgue isso “torcida” contra, o que implicaria admitir-me masoquista ou suicida, pois vivo no Brasil, dependo do nível da atividade econômica param manter-me, vou ao supermercado olhando os preços de promoções, como qualquer um e, em matéria de pandemia, estou em grupo de risco tanto por idade quanto por comorbidades.
Mas, talvez pela diabetes, tenho dificuldades em aceitar o mundo água-com-açúcar que diariamente os jornais oferecem, de forma completamente acrítica.
Vejam os exemplos da semana.
Primeiro, o general da Saúde, Eduardo Pazuello, oferece a notícia tranquilizadora: teremos 220 milhões de doses de vacina até o final do primeiro semestre. É, evidentemente, uma deslavada mentira – que todos gostaríamos de que fosse verdade, claro. Poucos dias depois do delírio do general, sucederam-se a redução da quantidade de doses a serem entregues este mês, a Fiocruz apela para outra importação de 2 milhões de doses que chegariam, vagamente, e – notícia da maior gravidade – nem sequer assinou com a Astrazêneca o contrato de transferência de tecnologia que permitiria a produção do precioso IFA (ingrediente farmacêutico ativo) do qual ela só recebeu até agora uma migalha, bastante apenas para 2,8 milhões de doses.
Sai-se do uso das vacinas e passa-se ao auxílio-emergencial, que já se sabe, desde o final de 2020, que tem de voltar. Não há nada definido, senão a estratégia de trocar o auxílio de três ou quatro meses por uma alternativa marota de permitir cortes orçamentários permanentes, oportunidade para o mais maroto ainda chefe do Centrão, Arthur Lira, pretender abocanhar para os deputados o controle total do Orçamento:
[ Vamos] aprovar medidas que garantam ao Congresso o controle do Orçamento federal, acabando com a vinculação de verbas para qualquer área, incluindo Saúde e Educação (…) Defendo a desvinculação total do Orçamento. Eu defendo. Se o Congresso vai votar, se não vai votar… Aí a gente tem que ter o respeito de ouvir todos. A população tem de escolher o deputado: “Ah, eu quero que tenha no Orçamento 40% para educação”. Então a população vai votar em deputados que defendam a Educação.
O caro leitor e a estimada leitora podem escolher se o presidente da Câmara é um cínico ou um pândego. Mas por favor, não escolha outra expressão para definir a situação de Paulo Guedes, diante disso, do que estar sem pai nem mãe.
Do pântano parlamentar, saiamos para as águas agitadas da economia, onde o general Luna e Silva, escolhido para dirigir a Petrobras talvez pela sua capacidade de segurar pregos quentes nas mãos sem gritar, dá-nos uma cândida declaração de que não está sendo indicado para interferir na política de preços da companhia.
Não, general, não perca seu tempo contando histórias da carochinha para o pessoal do mercado financeiro, porque se eles fossem bobos não eram ricos. Tanto o senhor vai lá para não deixar que exploda a insatisfação do camiominions quanto Jair Bolsonaro vai por o dedo na tomada do setor elétrico para tentar evitar uma explosão nas tarifas de energia elétrica, algo de que estamos muito próximos.
Só uma coisa é verdadeira neste governo, e esta é o caos, porque dele é que se alimenta Jair Bolsonaro, um homem a quem, em situações normais e racionais, jamais se entregaria a Presidência da República.
Bolsonaro é assim, alguém incapaz de ter qualquer projeto que não seja o conflito, que não constrói e que, para indicar uma direção só tem dois gestos: o de “apontar arminha” ou de apontar o céu, com o seu “Deus acima de tudo”, como se a Divina Providência resolvesse os problemas concretos da vida.
Se se Deus não virá arrumar a lambança que as elites dominantes fizeram neste país, a consequência do caos é o desastre.
Quando garoto, nos tempos da ditadura, dizia-se que o Brasil, à beira do abismo, não caía nele porque era grande demais. Quem cai, porque é pequeno e abandonado, é seu povo.