Eleição, celulares e quem está mal na foto

Durante muitos anos, mesmo a vida já me tendo levado para outras plagas, continuei votando na minha velha escola primária, a Isabel Mendes, homenagem a uma professora, negra e teimosa, contava Millôr Fernandes, seu aluno ali, dizendo que ela o ensinara “tudo que se deve aprender de um professor ou de uma escola: a gostar de estudar”.

Era um passeio sentimental a minhas origens, uma revisita à qual levava meus filhos pequenos, para que vissem onde o pai virou gente e para que partilhassem o desejo de escolher, na época ainda marcando um “X”, a escola como caminho para o futuro.

A delicadeza da memória vem ao ver esta polêmica sobre o uso do celular nos locais de votação, inevitável nestes dias de chantagem sobre pessoas e denúncias furadas de que ao digitar um número na urna e aparece outro candidato, por truques do computador. Você e eu já votamos vezes suficientes para saber que isso não acontece ou, na remota hipótese de acontecer, é mais provável que sejam artes da memória ou dedos desajeitados ao digitar.

Mas gente que manda e quer mandar mais passou a pretender que se filme o voto, porque quer nos controlar pelas formas mais vis: a milícia sobre os pobres, os patrões pelos trabalhadores. Gente que se acha proprietário de Deus e que, por isso, acha que pode ser seu olho vigilante sobre todos.

Fotografar o voto, é óbvio, sempre foi crime.

Mas fotografar a alegria da eleição, ao contrário, é festa. Quando famosos ou candidatos votam, o barulho das máquinas fotográficas faz a trilha emocional daquele clímax. Os mais obscuros, como nós, quase sempre encontram um amigo, conhecido de velhas datas e, embora eu não seja muito afeito a isso, volta e meia acontece uma “selfie” a registrar o encontro.

Tudo como sempre, tudo normal, mas vamos ver a gente ruim dizendo que isso é para fraudar, embora seja ela a que esteja a planejar falsos escândalos, votando em um, gravando e, depois, dizendo que o voto era em outro.

E depois, a imagem serve para mentir e semear dúvidas.

Diz Lauro Jardim, em O Globo, que Bolsonaro está furioso com a proibição de entrar na cabine com o celular. Será porque isso desarma uma dos pretextos para alegar fraude e golpe?

Será preciso forjar palavras e imagens para ver conspirações em tudo?

Talvez o comandante do Exército, que mandou ordem do dia aos soldados, em sua data, reclamando de “verdades transfiguradas, notícias infundadas e tendenciosas ou narrativas manipuladas tentarem manchar nossa honra, na vã esperança de desacreditar a grandeza de nossa nobre missão” pudesse ajudar a todos de maneira mais simples, direta e clara, dizendo apenas um frase desenrolada: “o Exército respeitará o resultado dar urnas”.

Não o fazendo, deixa que o medo e os boatos reinem. E que até as fotos passem a mentir: a obscuridade das palavras tira a luz da imagem.

E quem vai ficando mal na foto é o próprio Exército, infelizmente.

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