Está difícil ler as manifestações de repúdio à decisão do Comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, de passar a mão na cabeça de Eduardo Pazuello e deixar sem a mínima punição a afronta que ele protagonizou ao ir dar a cara (sem máscara, aliás) num palanque político de Jair Bolsonaro.
Dos colunistas mais conservadores aos mais progressista, dos deputados de direita aos de esquerda, há um misto de surpresa, de vergonha e de preocupação com a estabilidade democrática do país quando o mais alto chefe da principal Arma das nossas Forças Armadas.
Se a desculpa pela indulgência com Pazuello era a de que isso seria a forma de evitar “um impasse institucional” entre o Exército e o Presidente, criou-se outra crise, mais grave ainda, a de legitimidade do comando militar do país, que passa a ser visto como um agente do bolsonarismo e não a Força de todos os cidadãos.
Bruno Boghossian, na Folha, deixa claro, em poucas linhas:
A aliança com Bolsonaro já rendeu aos militares cargos, prestígio e uma generosa reforma de carreiras. Em troca, o presidente explora a imagem das Forças para fabricar a ilusão de um governo eficiente, exibir poder e ameaçar opositores. Ao acobertar a corrupção disciplinar, o comandante do Exército passa a mensagem de que militares da ativa podem se envolver na política, desde que estejam alinhados a Bolsonaro. Interessado em ter oficiais amados para escoltar seus sonhos autoritários, o presidente agradece.
Merval Pereira, insuspeito de ter um miligrama de lulismo em seu pensamento, é direto em O Globo ao dizer que a atitude do comandante é “resultado de uma visão política medíocre dos militares, que trocam a soberania do Exército pela submissão a um líder político populista, com receio de Lula e do PT”.
Igor Gielow, veterano em assuntos militares na Folha, diz que o general Paulo Sérgio “capitulou, abrindo um abismo anárquico que se insinua desde que Bolsonaro ascendeu ao poder”:
A crise militar de abril havia dado uma oportunidade [Nota do Tijolaço: a demissão do próprio Paulo Sérgio, por uma entrevista sobre cuidados com a Covid, exigida ao ex-comandante Edson Pujol, a quem sucedeu] aos militares de se afastarem de vez dos males do bolsonarismo que abraçaram, com as devidas benesses como a reforma previdenciária e de carreira. Paulo Sérgio enterrou isso, salvo forte reação de seus pares.
Míriam Leitão é igual e merecidamente dura com com o general comandante:
Bolsonaro quer acabar com a diferença entre Estado e governo, e transformar a força terrestre no que ele define como “o meu Exército”. Ao ceder à pressão, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira mostra por que foi escolhido para o lugar do general Edson Pujol. Ele aceita a pressão do Planalto.
Também em O Globo, Malu Gaspar aponta a consequência:
Um Exército que não obedece a um comando único, em que cada um faz o que quer, já entra na guerra derrotado. Um Exército em que oficiais priorizam interesses políticos e pessoais em detrimento do todo não serve mais ao país. Transforma-se em partido político. E, armado, facilmente transmuta-se em milícia.Em última instância, é esse o preocupante sinal enviado ao Brasil pelo desfecho do caso Pazuello. Depois de entrar no governo, o Exército vai se transformando em partido. A continuar assim, o próximo passo é se transformar em milícia.
É pior que isso.
É a assunção da ideia de que o Exército pode ser chefiado por alguém covarde, que evita se colocar, pessoalmente, como anteparo de defesa de sua corporação, porque a um oficial ofendido com a exigência de um ataque à hierarquia e a disciplina da Força, é dever defende-la disso ainda que à custa de vantagens, promoções ou cargos.
Na prática, o general Paulo Sérgio portou-se como um reles Pazuello: “um manda, o outro obedece”.
E ele obedeceu sem que o outro tivesse ublucamente mandado, como aconteceu com Pazuello, quando foi publicamente desautorizado a comprar vacinas Coronavac.
Paulo Sérgio, nem isso: Pazuello foi “promovido” publicamente e ele se rebaixou – a si e ao Exército – em silêncio.