Fernando Paulino e a sagração da fraternidade

Morreu hoje, Dia de São Jorge, meu companheiro de profissão e de trabalho Fernando Paulino, ex-diretor do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro.

Não vou falar dele, porém.

Falo da cena  que ele me deixou marcada na alma, para sempre, de algo que, 30 anos depois, ainda me corresponde.

Paduana, seu apelido por conta de uma ótima cachacinha de Santo Antônio de Pádua, no Noroeste do Estado, da qual volta e meia dávamos uma talagada, era quieto, austero, tão econômico quando radical nas palavras.

Petista “roxo” e eu brizolista da mesma cor, divergíamos com menos intensidade apenas do que nos respeitávamos.

Eu era seu chefe na redação das notícias  que ocupavam 12 páginas do Diário Oficial do Estado, no primeiro Governo Brizola, onde Fernando jamais precisou ser mandado fazer qualquer coisa, como redator. Era por um texto sobre sua mesa e o papel entrava na velha máquina de escrever, para sair, em poucos minutos, correto, bem escrito, profissional.

Mas uma noite, 14 de novembro de 1989, já afastado da redação para fazer a campanha de Leonel Brizola à Presidência, tive meu primeiro “entrevero” com ele.

Que não foi uma briga, porque Fernando – o outro, não eu – não era de briga, sabia ser silente quando não era possível ser doce.  Mas uma atitude que jamais me deixou, de uma fraternidade que merece que eu agradeça a todos aos que me permiram tê-la.

Era noite e terminara a campanha, na qual Brizola entrara como favorito e que,  na véspera das eleições, percebíamos sinais de que seria a Lula, e não a ele, a quem caberia enfrentar o nosso terceiro xará, o Collor de Mello.

O chope “saideira” da campanha, merecido de todos, fez-me encontrar com ele numa mesa do “Aurora”, tradicional botequim de Botafogo. Mesa de petistas, claro, e houve a natural “zoação” dos que se afiguravam – ao menos temporariamente – vitoriosos.

Acabei, sem planejar, criando um instante de amargo silêncio em todos, ao segurar a mão de meu amigo e dizer: “se vocês passarem ao segundo turno, pode crer, a gente vai segurar na mão de vocês e,se preciso, baixar até o inferno sem largar dela; já vocês, se o Brizola passar, não sei não…”

Não sabia e não sei até hoje, mas a parte dos brizolistas foi cumprida e sei que o Fernando carregou para sempre esta declaração de amor que os brizolistas fizeram ao seu primo-irmão mais novo, despejando, sem falta um, todos os votos em Lula.

Declaração de amor que eu renovo, na sua partida, dizendo ao Paduana que seguro firme em sua mão e que vamos, sei lá pra onde, mas vamos juntos, como dizia o velho Briza, “em busca do nosso destino.”

Fernando Brito:

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  • Fernando, não o Paduana, passados tantos anos, você ainda teria dúvidas de que entre Collor e Brizola, ficaríamos com o Briza?

  • Nestes dias de crisis e tristeza não queremos que nenhum irmão vá embora mas é a vida o destino enfim temos que seguir o caminho traçado e lá na frente todos se encontraram
    Uma certeza o Paduana gostaria que nenhum baixasse a guarda.

  • "O apreço não tem preço". (Aldir Blanc)
    Estou carente de humanidade, quase chorei.

  • Sr. Fernando Brito,

    Meus sentimentos pela sua perda.
    Que nesta hora de despedida, a dor seja breve, por quem jamais ira embora, mas partiu ao encontro da paz, na eternidade.

    Atensiosamente, um apoiador e leitor.

  • a história verdadeira sempre nos traz pro chão e pra emoção. e eu sempre me emociono com seus depoimentos.

    eu confirmo sem ter participado dessa conversa no Aurora todas as conclusões sobre a nossa transferência de votos para o PT no 2o turno daquela eleição. foi lindo e nos deu a dimensão de estarmos do lado certo da história.

    meu forte abraço a você e à família do Fernando Paulino que pelo que você registra é desses jornalistas para se ter orgulho.

    coisa que hoje em dia eu tenho visto pouco, quando constato tantas pernadas e inverdades passadas por profissionais da comunicação se vendendo ao diabo sem qualquer restrição.

    • Fazia pouco tempo que eu entrara em definitivo nesse mundo de lutas e ideias quando o fantoche de Roberto Marinho ascendeu ao poder. Desde então tem sido essa montanha russa de vitórias e adiamentos. Meu único arrependimento é não ter ido realmente fundo na luta, por isso invejo tanto vocês a quem nunca faltou coragem e disposição! A luta continua!

  • Emocionante texto sobre a passagem de seu amigo Paduana. Sobre 1989, também vivi aquele dilema. Eu era então filiado e um dos fundadores do PT local, mas também fiquei em duvida sobre Lula ou Brizola. Acabei votando em Lula. Os dois acabaram o primeiro turno praticamente empatados e no segundo turno a transferência de votos foi praticamente total.

  • Lindo texto para homenagear um companheiro dos mais valorosos. Homem simples e leal. Não nos despedimos de companheiros como Fernando Paulino, estão sempre conosco nas lutas diárias por uma sociedade sem competição, sem exploração, levantamos nossos copos e brindamos o exemplo.

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