Freire: este prêmio sou eu. Por Alexandra Lucas Coelho

predileto

Da escritora portuguesa Alexandra Lucas Coelho, vencedora do Grande Prêmio de Romance e Novela, o maior de Portugal para ficção, com seu romance E a Noite Roda, no jornal Público.

O ministro que se confundiu a si mesmo com um prêmio

1. A cerimônia de entrega do Prêmio Camões, o maior da língua portuguesa, sexta-feira passada, em São Paulo, foi um retrato do que está em curso no Brasil, mas não só. Revelou a que ponto um ministro não distingue Estado e governo, confundindo-se a si mesmo com um prêmio. E como querer separar cultura e política leva a uma política sem cultura.

2. O premiado desta edição era o brasileiro Raduan Nassar. A decisão, unânime, foi tomada em Maio de 2016 por um júri composto por críticos e escritores de vários países de língua portuguesa. O anúncio coincidiu com o início do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Mas não era esse governo, ou um seu sucessor, que atribuía o prêmio a Raduan Nassar, e sim um júri independente. Aos governos de Portugal e Brasil que na altura da entrega estivessem em funções competiria cumprir, em nome dos Estados, o compromisso que existe desde que o prêmio foi instituído, assegurando o montante em dinheiro. Os premiados do Camões não são escolhas de nenhum governo. Qualquer confusão em relação a isto será um insulto à ideia do prêmio, aos júris que já o atribuíram, a cada nome que o recebe, e a quem acredita na sua independência.

3. A obra de Raduan Nassar é daquelas que muda a língua e os leitores, e mantém-se tão breve quanto única. Foi publicada sobretudo nos anos 1960 e 1970, depois o autor largou a literatura, tornou-se fazendeiro, desapareceu do espaço público. Durante décadas esse silêncio tornou-se lendário. Mas em 2016, no início do impeachment, Raduan mandou a lenda às urtigas por achar que o impeachment era um golpe. Falou, foi a Brasília ter com Dilma, protestou na imprensa. Fez isso num Brasil dividido ao extremo, o que lhe valeu ser insultado aos 80 anos pelos que acima de tudo odiavam Lula, Dilma e o PT. Não se tratava apenas de discordar de Raduan, mas de o diminuir como anacrônico. Ele, que ao fim de décadas voltara para fazer o mais difícil, aparecer. E como teria sido tentador continuar fora da mortal turba humana. Mas Raduan deixou o olimpo para os livros e arregaçou as mangas.

4. O governo que ocupou o poder pós-impeachment já vai na sua segunda tentativa de ministro da Cultura. Seja por isso, seja porque Michel Temer & Cia receavam o que Raduan pudesse dizer, a entrega do Prêmio Camões só aconteceu agora. Dado que Raduan quebrara várias vezes o silêncio em 2016 era de prever que aproveitasse para um discurso político. E foi o que aconteceu. Um breve discurso contundente em relação ao atual governo brasileiro, e ao sistema que o favorece. Depois de um par de frases para o outro lado do Atlântico (“Estive em Portugal em 1976, fascinado pelo país, resplandecente desde a Revolução dos Cravos no ano anterior. Além de amigos portugueses, fui sempre carinhosamente acolhido”), Raduan estabeleceu o contraponto com o Brasil de 2017: “Vivemos tempos sombrios, muito sombrios”. Deu exemplos de invasões em sedes do PT e em escolas de vários estados; de prisões de membros dos movimentos sociais, de “violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua”, da responsabilidade governamental nas “tragédias nos presídios de Manaus e Roraima”, de um “governo repressor”: “contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra universidades federais de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa e altiva”. Um “governo atrelado, por sinal, ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração da riqueza”, “amparado pelo Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal”. Um Supremo coerente “com seu passado à época do regime militar”, que “propiciou a reversão da nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de impeachment de Dilma Rousseff.” Aqui Raduan concluiu: “Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi afastada definitivamente no Senado. O golpe estava consumado. Não há como ficar calado.”

5. A plateia, em pé, aplaudiu. Os três anfitriões da cerimônia permaneceram quietos: embaixador de Portugal, Jorge Cabral, diretora da Biblioteca Nacional, Helena Severo, e ministro brasileiro da Cultura, Roberto Freire, que então se levantou para ir ao púlpito. Com Raduan já sentado, Freire decidiu responder-lhe de improviso, numa longa intervenção gesticulante, que foi subindo de tom. “Lamentavelmente, o Brasil de hoje assiste perplexo a algumas pessoas da nossa geração, que têm o privilégio de dar exemplos e que viveram um efetivo golpe nos anos 60 do século passado, e que dão o inverso”, disse. “Que os jovens façam isso já seria preocupante, mas não causaria esta perplexidade”. Quando falou no “momento democrático que o Brasil vive” ouviram-se as primeiras gargalhadas e vaias da plateia. A partir daí foi uma escalada, com o ministro a levantar a voz para se impôr ao bruá ( rumor), martelando palavras. Este prêmio, afirmou, “é dado pelo governo democrático brasileiro e não foi rejeitado”. Adiante insistiu: “É um adversário recebendo um prêmio de um governo que ele considera ilegítimo, mas não é ilegítimo para o prêmio que ele recebeu.” Ou: “Quem dá prêmios a adversário político não é a ditadura.” Ou: “É fácil fazer protesto em momentos de governo democrático como o atual.” Ignorou quando alguém da plateia o alertou para o óbvio: “Hoje é dia do Raduan!” Quando alguém pediu “Respeito a Raduan!”, devolveu: “Ele desrespeitou todos nós!” Respondeu sarcasticamente a autores na plateia. A dada altura, o professor da USP Augusto Massi disse: “Acho que você não está à altura do evento.” Massi disse à “Folha de S. Paulo” que Freire lhe chamou idiota depois, na saída. À “Folha” , Freire disse que fizera aquele discurso dada a “deselegância” de Raduan: “Se ele viesse dizer que não aceitava o prêmio, a crítica que ele fez até podia ser justa.” Mais tarde declarou: “Quem assinou, convidou e pagou o prêmio foi este governo.” E ainda: “Tinha tantos que não foram ali para aplaudir um escritor, foram para [me] agredir, acho que até fui brando.”

6. Ou seja, para o ministro a) este prêmio é dado por este governo b) quem critica este governo dá mau exemplo c) jovens críticos já é mau mas velhos ainda é pior d) se Raduan queria criticar não aceitava o prêmio e) quem vaiara o ministro tinha vindo não por Raduan mas para o agredir a ele, ministro. E com tudo isto o ministro suplantou as críticas de Raduan na repercussão mediática. Em suma, não é de espantar que o megalômano ministro venha a dizer: o prêmio, fui eu.

7. Claro que o ministro sumirá da história e a obra do premiado fica, enquanto houver alguma forma de livro no planeta. Para os livros de Raduan Nassar é indiferente o que passou na sexta. Mas a nós, contemporâneos, importa, sim, que um membro do poder político abuse do cargo, confundindo, distorcendo e agredindo um criador como Raduan, protagonista único da cerimónia, que lhe devia merecer, no mínimo, silêncio. Não cabe ao ministro aprovar ou reprovar o discurso do premiado, não lhe cabe responder. Tal como não é preciso alguém estar de acordo com Raduan politicamente para entender como foi absurdo o que se passou. O prémio não é deste governo, é patrocinado por dois Estados, e atribuído por um júri. A sua aceitação nunca deverá implicar um discurso bem-agradecido. Um ministro da Cultura que veja os criadores como estando ao serviço não entendeu nada. Idem para quem sugere que se pode tirar a política da cultura, e vice-versa. De resto, o que o actual governo brasileiro está a fazer na Cultura é um desmonte do muito que veio sendo construído. Se há áreas em que os anos de Lula deram frutos fortes, a Cultura é certamente uma delas.

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15 respostas

  1. Roberto Freire como ministro da Cultura esta a altura de um Alexandre Frota a sua presença nesta pasta só se justifica em um Governo como o do Temer que em termos de corrupção e desprezo pelos valores de cidadania desse Brasil jamais assistiu coisa igual. O Brasil afundou na lama da podridão dessa classe dominante, a sua presença no evento que homenageou Raduan Nassar foi unicamente de demonstrar como esse governo é constituído de ignorantes, rudes e ladrões.

  2. Das platitudes poéticas que o MT produziu, uma das mais reveladoras da sua personalidade é:

    Michel Temer, um atormentado golpista e usurpador de si mesmo

    “Ando à procura de mim.
    Só encontro outros que, em mim,
    Ocuparam o meu lugar.”

    E o Bob Freire que volte aos cassinos, pra gastar as sinecuras que demotucanos e golpistas lhe facultaram esses últimos anos.

  3. Freire um dia atingirá o seu ideal:
    Vai ser o ascensorista do Planalto. Não por concurso, mas por indicação do seu ídolo, o futuro (2038!) prizidenti: ÇERRA45, vice fegacê…viiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiixe!
    Até lá, ele vai “puxando o saco” como pode!

  4. Como dirigente do antigo PCB, imediatamente após a queda do muro de Berlim, impôs mudança pra tirar a palavra “comunista” da sigla e excluir a “foice e o martelo” do símbolo. Saiu do armário e, de lá pra cá, é só decadência.

  5. Prezada Alexandra, cá nas terrar brasilis, impera o sabujismo aliado ao mau caráter DE GOLPISTA ENTREGUISTAS.

    Hoje temos uma quadrilha encastelada no poder e todo tipo de canalhice é praticada.

    O duro é que toda essa corja se arvora o direito de atacar quem efetivamente é e será HISTÓRIA.

    VIVA RADUAN!

    VIDA LONGA RADUAN!!!

  6. Prezada Alexandra, cá nas terras brasilis, impera o sabujismo aliado ao mau caráter DE GOLPISTA ENTREGUISTAS.

    Hoje temos uma quadrilha encastelada no poder e todo tipo de canalhice é praticada.

    O duro é que toda essa corja se arvora o direito de atacar quem efetivamente é e será HISTÓRIA.

    VIVA RADUAN!

    VIDA LONGA RADUAN!!!

  7. Freire.inoportuno.arrogante.golpista!sem base intelectual com relacao ao premio.do qual Portugal tb fez parte!seria melhor ter deixado a cerimonia..seris mais elegante se nao concordasse com o premiado! Vaia fou pouco!

    1. Tanto que era um ASPONE anos atrás, da prefeitura de São Paulo na época comandada por um TUCANO…mas morava em Recife. Recebia os seus QUATORZE mil reais mensais religiosamente. Esse golpista FDP que se acha no direito de dar lição de moral, atributo que ele e seus comparsas no governo ilegítimo do traíra NÃO tem, a intelectuais como o Raduan Nassar, como disse a autora do texto, terá seu nome devidamente jogado no lixão, nos livros de história.

  8. Pois esse ” MINISTRO ?”Sempre foi canalha.Desde guri.Nunca conseguiu nada,senão TRAIR.Era policial infiltrado entre os comunistas.E tem muitos admiradores,também por isso.

  9. Nossos patrícios não são lá tão burros assim, como são apresentados nas piadas. Enxergaram de além-mar o que muitos não enxergam aqui.

  10. Raduan foi corajoso, sereno. É o velho sábio, plenamente sábio. Freire foi deselegante, asqueroso. É o velho tolo, estupidamente tolo.

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