O aumento dos combustíveis, especialmente do diesel, virou um escândalo não só econômico como político. Mas é, no fim das contas, a prova de que é um desastre adotar uma política obsessivamente neoliberal de fixação de preços em produtos – como os de energia em geral – atrelada, de forma absoluta, às flutuações das cotações do mercado internacional, ainda mais em se tratando de derivados de petróleo, setor no qual a nossa dependência de importações não chega a 30% do volume total.
Ou seja, para prover o mercado interno, temos mais de 70% do volume necessários a preços em real e soberanos (a partir de uma margem razoável de remuneração, podemos fixá-los sem prejuízos operacionais) e só o restante teria de ser comprado a preço internacional. Mesmo esta porção comprada a preço mais alto seria, para a empresa, parcialmente compensada porque a Petrobras é exportadora de petróleo bruto e, portanto, tem ganhos aí que podem reduzir ou até zerar os dispêndios com a importação de derivados.
É a este mix de preços, resultando em preços mais suaves, que o ex-presidente Lula tem se referido como “abrasileirar” os preços dos combustíveis.
Isso, porém, soa como uma heresia ao “mercado”, seja porque reduz ou até anula a poderosa atividade de importação de gasolina e diesel que se formou no país, seja, principalmente, porque desagrada os interesses – poderosíssimos – dos grupos financeiros que ordenham a “quase maioria” do controle acionário de nossa maior empresa, conduzida, nos últimos anos, para uma rota suicida de ganhar muito – investir pouco – distribuir quase tudo.
Precisando de caixa, o governo se tornou cúmplice desta política, que repassa ao Tesouro volumes significativo de recursos para uso imediato, inflando também a receita da empresa pela venda de seus pedaços (gasodutos, refinarias, rede de distribuição – Temer e Bolsonaro alienaram a valiosíssima marca dos “Postos Petrobras” – e a interação com a petroquímica e os fertilizantes) e anulando a capacidade da Petrobras de alavancar a economia brasileira.
Não faz muito tempo, Bolsonaro vangloriava-se dos lucros imensos – que agora acha abusivos – da empresa, como prova de sua “competência”.
Esta crise tem a ver com o desmonte de dois papéis da Petrobras – o regulador de preços e o de indutor de desenvolvimento – e a drenagem criminosa do que ela produz para mãos privadas chegou, como todos sabiam que chegaria, a um stress agudo com o salto que os preços internacionais tiveram este ano, com um aumento de cerca de 60% desde janeiro (e ainda mais na gasolina e muito mais no diesel).
Esta foi a “missão” designada a todos os presidentes da empresa desde que, com o golpe de Michel Temer, o ex-ministro do Apagão, Pedro Parente, foi colocado no cargo. Com Bolsonaro, as degolas se sucedem pela mesma razão: preços livres não são preços mais baixos, ao contrário do que prega a seita neoliberal.
Só que agora isso chegou ao extremo de levar o presidente da Câmara, Arthur Lira, a desafiar pessoal e diretamente o atual presidente, José Mauro Coelho, que ainda permanece no cargo mesmo publicamente demitido depois de apenas 40 dias depois de nomeado, inclusive brandindo contra ele a possibilidade de uma CPI, o que é uma lorota. Quer que a redução do ICMS, por alguns dias, sirva de bandeira eleitoral para o Centrão, ainda que, semanas depois, seja anulada pelo reajuste adiado.
Mas, a depender da disposição dos dirigentes da Petrobras de defender a paridade de preços que o próprio governo tornou regra, nem isso talvez aconteça.
É que o governo acaba e o mercado continua.