Instinto, laranjas e podridões

O instinto, nada mais que o instinto, é a mais sábia manifestação do raciocínio, ainda que inciente.

Quando, graças ao twitter de Edu Goldemberg, chegamos à sentença condenatória da ex-funcionária da Receita Cristina Maris Meirick Ribeiro, o post deste Tijolaço foi ilustrado com a figura de uma laranja.

Ontem à noite, ainda sem ter visto o post em que o Miguel nos traz a informação publicada pelo Diário do Centro do Mundo, eu estava escrevendo sobre isso, mas o cansaço acumulado não permitiu que eu fosse em frente. Dormi e, às cinco da manhã, voltei para terminar, mal sabendo que isso já tinha sido feito – e melhor do que eu faria, porque há uma fonte da Receita confirmando que a direção da Receita Federal já tem o nome de quem deu a ordem para o processo sumir.

A história de  que Cristina Maris é a responsável pela inação da Receita frente a este débito monstruoso, simplesmente, não batia.

Uma “espertinha” que vive de desencaminhar processos como ela não é burra ao ponto de saber que um caso de R$ 615 milhões – em dinheiro de 2006 – não é coisa igual às pequenas “mordidas” que ela eventualmente pudesse conseguir com pequenas e médias empresas fazendo “desaparecer” processos fiscais.

Cristina sabia que um processo dessa monta não segue o mesmo trâmite de outros, de valor centenas ou milhares de vezes menor.

Sabe que os lançamentos feitos nele estão registrados em computadores e em sub-sistemas diferentes,  protegidos por senhas que registram quem os acessou, e não meramente em folhas de papel desbeiçadas pelo manuseio.

Sabe que os julgamentos, como o que rejeitou a defesa da Globo, estão registrados nos arquivos dos órgãos julgadores e que desaparecer com a decisão lançada no processo é completamente diferente de desaparecer com a decisão.

Sabe que todos os integrantes do grupo que julgou receberam cópia do  relatório e a manifestação da relatora do caso, que denegou o recurso da Globo.

A história que a Globo, civicamente, forneceu as cópias para restaurar um processo que a faria pagar R$ 615 milhões – mais, porque aí já corrigidos – faz gargalhar qualquer advogado de porta de cadeira: imagine se um acusado vai levar à polícia as cópias perdidas de um inquérito onde ele figura como réu!

Consta do relatório e da sentença que condenou Cristina o seu pedido de perícia em suas contas bancárias. Pedido que não foi aceito pelo Juízo, depois de recusado pelo Ministério Público.

Alegou-se que o crime por ela cometido independia de ter, por ele, recebido vantagem pecuniária.

Pode ser, mas a percepção de vantagem pecuniária, além de configurar outra infração penal, era essencial à compreensão do evento criminoso.

Porque ela o pediu? Simplesmente porque o que recebeu – se recebeu – não foi de quem se aproveitava do sumiço de um processo da Globo.

Não é crível que uma funcionária de baixíssimo escalão de repartição – porque é isso o que Cristina é, uma S-III* – não tivesse recebido uma propina de dois ou três milhões de reais – o mínimo que se cobraria por uma vantagem de R$ 615 milhões – e isso não se manifestasse em seus movimentos bancários ou de cartão de crédito.

Cristina Maris Meirick Ribeiro é uma laranja, como a retrava a imagem daquele  o primeiro post em que se falou de sua história.

Bendito instinto!

Como dizia René Descartes, o bom-senso é a coisa mais bem distribuída no mundo.

Certamente o têm os capazes e atilados Promotores de Justiça, bem pagos para serem os fiscais da Lei.

Assim, creio que o douto Ministério Público, composto de  pessoa lúcidas, tenha percebido que aquela barnabé pilantra era apenas a ponta de um caso maior, um caso 615 milhões de vezes maior.

A nota que lançou à opinião pública, com todo o respeito, é uma confissão de incompetência, para ficarmos no mínimo.

O Viomundo nos  chama de fuçadores, como um elogio, é certo.

Tem razão: o “nariz mental” percebe cheiros que nem o cérebro pode converter em palavras.

Em novembro de 2011, o país ficou sabendo do crime cometido pela Chevron no litoral brasileiro porque houve gente que não se conformou com uma história que não batia, informada pela petroleira americana:

 “O vazamento se deve a uma rachadura no solo do oceano. É um fenômeno natural”

Natural uma pinóia, como se viu dias depois, embora a mídia tenha feito questão de ignorar o absurdo disso.

Tão absurdo quanto o Ministério Público se conformar com a versão de que a D. Cristina roubou um processo de 615 milhões de reais sozinha, simplesmente porque lhe deu na telha, ou porque um menino do prédio, quando ela saía para as compras, lhe pedira:

– Tia, quando a senhora voltar, traz um processo milionário da Globo pra mim?

Perdoem os doutores, mas às vezes é preciso expor assim a verdade, como aquele menininho fez com a roupa nova do rei.

Quanto à minha categoria profissional, quanto à imprensa brasileira, meu juízo não é melhor que esse.

Os donos da mídia podem nos impedir de publicar, mas nunca puderam nos impedir de apurar os fatos.

Watergate também surgiu porque meia dúzia de capangas invadiram uma sede do Partido Democrata para roubar, um simples assalto.

Mas houve um par de jornalistas e um editor que cumpriram seu dever profissional.

Pobre de uma Nação onde os que deveriam ser  – e como posam assim, quando lhes convém! – seu guardiões, tremem num silêncio cúmplice para com o pior tipo de malfeitor que existe: o que leva o dinheiro público.

* Os S-III são uma contribuição do José de Almeida Bispo, comentarista de Viomundo: “Um S-III não é nada! Não decide nada; não tem acesso direto a quase nada. Se ela teve esse nível de acesso é porque alguém facilitou. Palavras de um S-III.”. Mas nada impede, José, um S-III de pensar e de ser decente, como você prova com o que diz.

 

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