Janio, o STF não é só uma piada. É a tragédia de um Brasil sem regras

Com muito mais fidalguia do que eu tenho no título, Janio de Freitas trata hoje, em sua coluna na Folha, de dois atropelos à Constituição praticados por seu suposto guardião, o Supremo Tribunal: a decisão de que retroage a Lei da Ficha Limpa e a de determinar o cumprimento de pena antes de esgotados os recursos judiciais.

São coisas tão chocantes que fariam, no Direito pré-Moro, os ministros do STF serem reprovados num teste de primeiro ano de qualquer escola jurídica. Retroatividade da lei é algo que só se aplica onde o legislador previu essa possibilidade e jamais sob penas de inelegibilidade.

Mas a “hermenêutica criativa” de arrogantes emplumados como Luís Roberto Barroso descobriu que “ineligibilidade não é pena”, assim como “recolhimento domiciliar noturno” não é prisão.

Ajudados, claro, por uma imprensa e uma chusma de cabeças primárias, que acham que a lei pode e deve variar de acordo com o freguês ser de sua simpatia.

Falta só a eles e ao STF firmarem o que já se pratica: Constituição não é lei, mas declaração de intenções, a ser torcida para lá ou para cá  daqueles que o insuspeito professor Roberto Roberto chama de “11 mandarins”.

Já ouviu a última do Supremo?

Janio de Freitas, na Folha

O papagaio não saiu de cena por desgaste de imagem ou desgosto do humor. Com séculos de serviços que punham risos nas caras humanas de cansaço e desengano, o bom papagaio viu-se abandonado pelas pessoas áridas que nos tornamos. Sujeitos a circunstâncias antipáticas, sempre mais perplexos, forçados a ser o que nunca fomos, hoje em dia temos que perguntar: “Sabe a última do Supremo?”, “Já ouviu a última da Câmara?”, “Ah, e a do Gilmar, hein, já te contaram?”.

Pois é, a última do Supremo. A maioria de suas eminências decidiu vetar também os pretendidos candidatos que, de algum modo, infringiram os termos da Lei da Ficha Limpa antes que essa lei surgisse em 2010. Talvez muitos deles merecessem ser alijados da política. Mas o velhíssimo preceito de que a lei não retroage, ao que se saiba, não foi retirado da legislação. Nascido para prevenir leis criadas contra desafetos, com invocações ao passado, é um preceito fundamental em eleições de limpidez razoável.

Leis têm certa semelhança com estatísticas: cabeças espertas as viram do avesso. Os malabarismos jurídicos podem muito, mas entender que ocorram no Supremo é penoso. Afinal de contas, no Supremo supõe-se o último chão firme antes do abismo. Vá lá, gilmarmente arenoso -mas ainda chão.

Além de espantos menores produzidos nas duas turmas em que se dividem os ministros do Supremo, com casos problemáticos decididos apenas por três votos a dois -o enroscado afastamento de Aécio Neves do Senado, com sua retenção domiciliar noturna, é um dos muitos -há ao menos outra acrobacia ainda dividida entre aplausos raivosos e vaias estarrecidas.

Trata-se da prisão de acusados que têm a condenação confirmada em segunda instância. Uma decisão do Supremo que introduz no regime nascido em 1988 modificações muito mais profundas do que aparentam. A começar de que abandona o preceito da Constituição, próprio da dedicação dela aos direitos humanos, de que o acusado só é propriamente condenado, e pode ser preso, depois de esgotados todos os seus recursos judiciais. E a segunda instância é só o meio do caminho.

A maior presença do Supremo nestes tempos conturbados do Brasil não tem contribuído para reduzi-los, na intensidade ou no tempo. Como nos dois exemplos maiores dados aqui, o Supremo induz à impressão de que se substitui à Constituição, onde a considere insatisfatória, substituindo também o processo normal de alterá-la. Mas o caminho mais curto para chegar-se a um Brasil admissível seria, até imprevista prova em contrário, seguir-se com rigor milimétrico a Constituição que nem sequer mereceu, até hoje, ser posta em prática por inteiro.

Fernando Brito:

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  • Judiciário arrogou-se o direito de não seguir a lei.
    Vale a vontade do juiz, seja ela qual for.
    E os bobalhões adestrados da globo ainda aplaudem.

    • O que precisa acabar nesse País é a impunidade, depois de tantas provas de corrupção roubos e o saqueamento do nosso Brasil, ainda temos que ler certos absurdos. Tá provado toda a safadeza desse Aécio Neves, por muito menos prenderam o Delcídio e o cassaram bandido tem é que ir pra Cadeia e ponto.

    • Os bobalhões adestrados da globo não tem a menor noção do que sejam princípios democráticos. Para eles, democracia é fazer valer a opinião do patrão e o resto é bobagem de "esquerdopatas". O patrão, ao contrário, sabe o que são os princípios democráticos, mas não gosta deles.

      • As famíGlias "PIG's", além de saberem e entenderem os Princípios Democráticos, Gostam D'Eles ou Desgostam D'Eles, Convenientemente, conforme Seus Mesquinhos Interesses momentâneos e pontuais...

  • Que azar do Brasil termos nesses poderes homens tão vulgares , corruptos e degenerados. Esse Barrosoa parecia ser constitucionalista, mas quando a Veja, ameaçou publicar a compra de um imóvel em Miami por sua esposa por meio de offshore, mudou completamente e aderiu de corpo e alma aos golpistas, Todos tem medo da imprensa que os coloquem como defensores da corrupção ( mas não da direita ou da mídia). São uns vermes morais , rasgam a constituição com enorme frequencia , não temos justiça no Brasil e nos tornamos uma das nações de Bárbaros onde tudo pode acontecer, pois para voltarmos a ser uma nação civilizada a maioria do stf deveriam ser jogados no lixo que é lugar adequado de dejetos morais.

  • Quando se vê aqueles senhores defendendo os seus votos com a prolixidade costumeira em citações verbais e textuais de jurídicos , professores , ex ministros , e outros como vários autores de HC , livros , etc . Parecem respeitar o que tá escrito e eloquentemente defendem citados e incluem em seus votos , acredito como a classe política como a própria política está em descredito e a constituição foi feita por políticos e constantemente alterada por eles , o judiciário por bem acha que defende la não é mais o caso. Criar novas normas e jurisprudência fora dela , alija o legislativo tornando se a justiça o novo legislador .

  • Brilnante artigo de Jânio, mais uma vez. É de estarrecer. Eu não ficaria espantada se os atuais mandarins do Supremo decidissem que um cidadão pode ser preso antes mesmo de ser ouvido por seus acusadores, como ocorreu com o reitor Cancellier em Santa Catarina. A ordem agora é prender, destruir a reputação e condenar à execração pública imediata qualquer pessoa que seja denunciada por qualquer desafeto, desde que, é claro, essa pessoa desagrade ao atual sistema de coisas no mercado político. Bastaria uma manchete e pronto, os delegados e procuradores ficariam livres para o que bem entendessem. A lei, ora a lei. E mais assustador ainda é para quem, como eu, iniciou carreira profissional ainda nos anos 1970 e hoje observa que, em comparação, o nosso Judiciário, sob a batuta dos mandarins do STF, é mais irresponsável do que os juristas cúmplices da ditadura. Mesmo em pleno estado de exceção, os juristas que aconselhavam e orientavam a direita ditatorial naquela época tinham uma clara preocupação em montar piruetas jurídicas para fingir que a Constituição estava sendo cumprida. Havia uma certa "vergonha na cara" corporativa, digamos assim. Hoje, essa vergonha foi pelo ralo junto com os votos dos brasileiros na eleição de 2014.

    • Análise perfeita. O impeachment enterrou de vez a combalida soberania popular e destruiu o pretenso Estado Democrático de Direito do Brasil.

  • Estamos em país sob a égide do Culto da ignorância. da prepotência, da intolerância e do fascismo. A qualquer momento podemos nos deparar com um Procurador acompanhado por policiais, ou por fanático religiosos com a bíblia na mão ou com degenerado do MBL nos acusando de obstrução da justiça ( agora é moda), para que a justiça ´permita jogar o cidadão em um calabouço, que eles construíram para colocar o povão. , se é culpado oi inocente não interessa isto dependerá da boa vontade dos deuses.

  • Uma nota calhorda de quem procura a impunidade pois se julgam deuses e não podem ser investigados . Sobre a morte do Reitor
    Em nota, assinada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) e Associação dos Juízes Federais de Santa Catarina (AJUFESC), as entidades ponderam que "ao contrário do que vem sendo afirmado por quem quer se aproveitar de uma tragédia para fins políticos, no Brasil os critérios usados para uma prisão processual, ou sua revogação, são controlados, restritos e rígidos".
    Por fim, o texto ainda pontua que as autoridades públicas envolvidas no caso se recusam a participar de um debate nessas condições tendo em vista que "uma tragédia pessoal não deveria ser utilizada para manipular a opinião pública" e que todos que integram as carreiras representadas pelas associações baseiam as atuações "pelos princípios da impessoalidade e da transparência".
    Impessoalidade ( A mídia é a primeira a ser convidada) ; Transparência onde o Reitor foi ouvido, por que o jogaram em uma prisão sem roupa Como condenam uma pessoa sem as devidas investigações?

  • "retenção domiciliar noturna" no caso do Aécio não seria recomendação médica ou matrimonial. O pobre homem está que é só pó! O fato de que o Supremo não ser junta médica ou conselheiro sentimental, como diria o sábio juiz, não vem ao caso!

  • obrigado Brito por trazer essa coluna para a gente. nem precisamos iao UOL, portal que busca apenas sacanear com o Lula, é ou não é?
    O jânio de Freitas tem um poder de síntese que eu nunca vi em mais ninguém!
    Parabéns a ele e a você, Fernando Brito, por brigar por nós.

  • Cursei Direito dois semestres. Tive nojo e nausea daquilo e larguei. Aprendi algu as coisas.

    No primeiro semestre de Direito (Introdução ao Direito I), aprendi que a Lei nunca retroage e se o fizer é para beneficiar o réu.

    Primeiro semestre. entende agora a minha náusea?

  • Realizou-se a profecia do ministro Marco Aurélio: o supremo virou mesmo o "supremeco". Assim tornou-se, por suas próprias mãos.

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