Jornal que entrega cabeça de repórter já entregou a sua própria

caio

O dia cheio ontem para essa “redação de um homem só” me impediu de comentar a demissão do coleguinha Caio Barbosa, de O Dia, ao que se noticia – e onde há fumaça, há fogo – a pedido de Marcelo Crivella .

Um ato não apenas odioso quanto, sobretudo, burro, embora Crivella negue ter feito o pedido de degola, como seria óbvio que o viesse a fazer.

O Caio tem, claro, toda a solidariedade de seus companheiros e, na profissão, quando se é digno como ele, “ficar no desvio” é coisa que acontece não muito raro. Ainda mais, como acontece com ele, porque tem caráter e compromissos com a destinatário de nosso trabalho, o leitor.

Tive a sorte de, sendo assessor de imprensa de um político e governante, nunca ter vivido a situação de indignidade que é usar o poder que se tem como dirigente da administração pública – e, portanto, cliente na publicidade dos veículos de comunicação –  para pedir cabeças  de profissionais, como é hábito relativamente frequente.  Não que Brizola não brigasse com jornalista, brigava e não era pouco.  Mas de cara limpa, discutindo diretamente, como há vários de meus amigos, que o acompanharam por anos em coberturas, estão aí para comprovar.

E quando teve de ir além disso, foi por processo judicial, contra Merval Pereira e Evandro Carlos de Andrade, dirigentes de O Globo que lhe imputaram, falsamente, ligações com um “traficante” que, como o tríplex de Lula, não era traficante, mas um trabalhador e líder de uma associação de moradores do Morro do Telégrafo, na Mangueira.

O prejuízo de Crivella, claro, será grande, embora merecido, como é imerecido  o prejuízo de Caio, que vive de seu trabalho e não de dízimos. Já não tem a simpatia dos grandes donos da mídia e não tinha a dos jornalistas, em geral.

Mas o pior prejuízo é de um jornal que já não vai bem das pernas e uma imprensa que perde, todo o tempo, o que lhe resta de credibilidadee se agarra aos pequenos negócios que a permitem arrastar-se viva no mundo do monopólio.

E disso deixo que um veterano jornalista, Nílson Lage, trate no texto que posto a seguir.

Um O Dia como outros dias do jornalismo

Nílson Lage, no Facebook

A história recente do jornalismo brasileiro fala de muitos perdedores, Alguns assombram prédios-monumentos: o da Rua do Riachuelo, onde ficava o Diário de Notícias; o da Avenida Gomes Freire, do Correio da Manhã; aquele grande, na Zona Portuária, para onde se mudou o Jornal do Brasil quando vendeu a sede original, na Rio Branco. Outros, muitos outros, podem ser lembrados em pesquisa nos cartórios onde se processam, por décadas, rumorosas falências.

Instado a demitir um repórter pelo prefeito do Rio, O Dia poderia ter-se feito herói, erguer o facho simbólico que ilumina os mártires e convocar o agente funerário que anda muito ativo nessa área. Para o jornal-empresa, a simpatia do prefeito, homem do Partido Evangélico, o único organizado que confronta o Império Marinho, é mais que necessária – é o fio político em que se pode agarrar.

Terá, decerto, a simpatia de seus leitores, que são muitos, mas moram naquele Rio sem poder e sem camisa da CBF, do outro lado do túnel. A elite carioca sofre de mal similar à síndrome de Estocolmo: sabendo quem a põe cativa, pelo algoz é cativada: só lê o Globo, a Folha, o Estadão, em papel ou na Internet. Comenta, reproduz, cita, contesta… chama-se a isso agenda setting. Os Marinho, o Frias, os Mesquita, o Alckmin, o Aécio, a Fiesp, o Departamento do Estado e Wall Street em peso agradecem penhorados.

Os personagens do Dia são mulheres “gostosas” e sujeitos testosteronados, bandidos simples (não estelionatários de luxo), gente do samba e do funk. Noticia trens, Xuxa, Gretchen, pagamento de atrasados do funcionalismo – enfim, trata do mundo real da cidade – e faz isso há muito tempo, desde o populismo de Chagas Freitas. Trata também de assuntos complicados que afetam o povo: previdência, leis do trabalho, acesso ao ensino. Mas, que pena, não faz parte do cardápio da elite, esquerda ou direita. Por isso mesmo, as Organizações Globo deixaram que existisse, como a TV do Silvio Santos ou a Band. Campeões precisam de sparrings.

No episódio da demissão do excelente repórter – tenho memória de tantas outras similares, como a do velho companheiro Caó (Carlos Alberto Oliveira, que foi presidente do Sindicato, deputado e secretário do trabalho de Brizola) , demitido do JB porque corrigiu uma citação errada de  (Max) Weber pelo Ministro Delfim Netto durante uma entrevista – há um traço diferente: Caio soube do motivo.

Poderiam ter armado um teatro, demitir junto dois ou três bagrinhos alegando motivos financeiros ou coisa parecida; sustentar um álibi plausível, como se tem visto em casos recentes. Não fizeram isso. Foram ingênuos – ou honestos.
Melhor assim.

PS. Não demorou e veio a desculpa esfarrapada que se esperava, em uma espécie de nota oficial do jornal que nega o fato político inegável. A linguagem é a de “adevogado” – aquele picareta letrado que arma discursos para esconder a sacanagem do cliente.

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7 respostas

  1. Eu creio que ao escrever “Adevogado” ele quis diferenciar com Advogado.
    Mesmo assim, ele foi infeliz !!!

  2. Se for verdade, um ponto de fraqueza importante de Crivella se pôs revelado. Uma insuspeita arrogância de natureza sombria.

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