Jornalismos

redacao

Deu curioso este verão em matéria de autocríticas e banzos jornalísticos.

Um muito pela angústia que sentimos – como cidadãos, mas em especial como profissionais – de ver “triunfar a nulidade” no jornalismo que se pratica hoje na grande mídia, uma espécie de “partido único” capaz de botar inveja à Coreia do Norte. Só que ao contrário, antigoverno e antipaís.

Um pouco por conta de um filme que todos comentam – e eu ainda não vi, só ao trailer – que conta  a saga de uma equipe de repórteres do jornal Boston Globe que apura, durante meses, a pratica de pedofilia por padres da cidade, o Spotlight: Segredos Revelados. 

De ambos, quase todos que li extraem a constatação de que o jornalismo que nos foi e é a paixão da vida se foi. Existe um novo, diferente, ao qual muitos de nós não teremos nem forças nem tempo de nos acostumar.

É pouco importante, porém, as coisas acontecem à medida do esforço humano, mas desprezando a humana pretensão de conduzi-las.

Semana passada, dia 4, completaram-se 38 anos desde que sentei-me a primeira vez em uma redação de jornal para trabalhar. É natural o cansaço, ainda mais quando a vida é trabalhar de segunda a segunda, sem sábado, domingo, feriado. Férias, que dirá?

Pode importar para mim, mas não importa para o processo social e o avanço  social é a paixão inexcedível para um jornalista, como é a cura para um médico e a absolvição de um inocente para um advogado

Paulo Nogueira, hoje, no Diário do Centro do Mundo, comenta o desânimo do gente boa Xico Sá com sua paixão, a dizer que “aqui se despede o idiota que achou que jornal é feito para relatar minimante a realidade.”

Bobagem. Xico e outros fizeram, fazem e farão isso. E quando isso não couber mais num jornal havemos de inventar onde caiba.

Um -para meu orgulho – colaborador deste blog é de outra geração de jornalistas, mais velha que a nossa, tanto que foi meu – e de centenas ou milhares de meus colegas – professor, Nílson Lage.

Fala, também de suas mágoas.

Bobagem, peço respeitosamente para dizer. Pois senão ele não estaria diariamente no Facebook, com sua argúcia, sua sabedoria acumulada, sua coragem e suas palavras claras a lançar luz sobre tantas coisas para nós, seus ex-alunos e eternos aprendizes.

Transcrevo seu relato, com muita coisa do que ainda peguei, naquele janeiro de 1978 em que começou esta paixão que irá até a morte.

“Cada geração tem um depoimento. O da minha se perdeu por velhice e porque, na nossa ética, jornalista não era notícia.

Em suma, tínhamos um jornalismo retórico, dividido entre picaretas e tribunos, entre tomar dinheiro dos bicheiros e discutir os grandes problemas da humanidade – sempre dependente do dinheiro público e dos favores de governos, ou dos que investiam para ser governo. Nesse meio se fizeram grandes jornalistas, do Machado ao Lima, do Callado ao Graciliano.

Tentamos padronizar o estilo, objetivar o relato conforme a técnica universalmente adotada. Não tínhamos ideologia política definida – variava de um de nós para o outro – mas o que nos unia era esse compromisso com a realidade, fato e linguagem. A máfia – ancorada no Estadão, no Globo, nos Associados – resistiu e os militares ajudaram, em parte porque não entenderam nada.

As escolas de comunicação foram criadas por sopro de longe e por gente de fora, com o objetivo de emascular o jornalismo em sua vertente “quixotesca” – a nossa “idiotice da objetividade”. Só ingressamos nelas bem depois, quando, completados os ciclos básicos, constatou-se que alguém precisava falar de jornalismo.

Ainda na década de 1980, a congregação da Escola de Comunicação da UFRJ, dominada por “cientistas sociais”, negou-me redução de carga horária para cursar doutorado, alegando que, sendo mestre, eu já estudara muito para um jornalista (cursei o doutorado assim mesmo).

O que a geração seguinte encontrou foi a luta dos quixotes restantes contra moinhos. Quem movia as pás? A banca, que sempre socorre as empresas do ramo cobrando fidelidade? As agências de publicidade e seus líderes fascistas, os Mainardi e Hasslocker? As indústrias desnacionalizadas por força de uma política que objetivou desnacionalizá-las?

A grande mídia, hoje, é uma máquina de mentiras regional, engajada em uma máquina de mentiras global e que se esforça para superá-la em servilismo. Chegamos a um ponto em que mesmo o mais convicto nacionalista saúda como espaços de libertação o Facebook, o Google, a BBC, o Deutsche Welle…

Fui jornalista a vida toda. Tenho filha jornalista. Minha mágoa – e creio, a de poucos de nós que restam – é muito maior e mais velha do que a de vocês.

E a sua teimosia em ser jornalista, professor, também é maior e mais velha. Mas pode crer que a nossa vai chegar até aí.

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11 respostas

  1. Só fugindo do assunto, PHA diz no seu portal de noticias que o Netflix já tem um faturamento no Brasil brasileiro maior que o fraturamento do SBT e da Bandeirantes do Apolinho Datena então nem se conta.

    Como não vai ter novo marco regulatório dos meios de comunicação de massa no Brasil para modernizar o que está de podre por aí,devemos tomar cuidado porque essa máfia Bandeirantes,Globo,Silvio Santos que vão se unir para que as coisas continuem de modo medieval no Brasil em beneficio dos negócios oligárquicos deles e nós consumidores de internet correndo sérios riscos de ter ter muita coisa censurada ou ter que pagar caro para ver alguma coisa nas novas plataformas digitais,por exemplo.

    Se Deus permitir em dez anos a Internet no Brasil já terá jantado a Globo do Bem e seus amigos pilantras como a Bandeirantes e SS e nesse caminho Veja estará no ramo da pornografia,Folha e Estadão entrarão no ramo automobilístico e serão no máximo produtos para se colocar no tapete dos carros quando sair do posto de lavagem.

  2. Fernando Brito, por favor entre na Telesur, veja o caso do jornalista progressistas, Victor Hugo Morales, que foi despedido de uma radio na Argentina. Veja o que Ele diz.

    1. Neste link tem o vídeo da entrevista de Morales.
      telesurtv.net/news/Quien-es-Victor-Hugo-Morales-y-que-hay-detras-de-su-despido–20160111-0017.html.

  3. “De ambos, quase todos que li extraem a constatação de que o jornalismo que nos foi e é a paixão da vida se foi. Existe um novo, diferente, ao qual muitos de nós não teremos nem forças nem tempo de nos acostumar”.
    Brito, você é nossa voz.
    Acredito que você não teria estômago para se adaptar à Globo, Estadão, Folha, etc. Não é da sua índole.Graças a Deus.
    Quando perder a fé, pense que existem milhares de pessoas , que como eu ainda tem a capacidade de se indignar. Se não tivermos mais jornalistas, aí se foi a razão da indignação, pois o que os olhos não veem o coração não sente.
    Abraços.

  4. “O que é a verdade?, disse Pilatos brincando, mas não esperou a resposta”.

    (Francis Bacon, “Essays”, OnTruth)

  5. Gostaria que um internauta mais habilidoso que frequenta o blog Tijolaço, que entrasse na Telesur e visse o vídeo do jornalista progressista Victor Hugo Morales e postasse aqui.

  6. Senhor Britto.A questão não esta no caráter da pessoa que exerce a profissão de jornalista.A questão esta no JORNALISMO.Profissão que goza do INSTITUTO DA IMPUNIDADE,pois ao verificar que sua produção não passa de mentiras,resta ao mesmo ,alegar SIGILO DE FONTES,para safar-se.Qualquer cidadão pode,produzir mentiras,mas não tem a prerrogativa de publiciza-las ,como tem o JORNALISMO.Alegar SIGILO DA FONTE E PUBLICAR MENTIRAS,são privilégios que somente o JORNALISMO TEM.Outras profissões,com os possíveis defeitos que possam ter,não gozam dessas prerrogativas.Ou seja,atirar-se no ventilador,somente o jornalismo pode faze-lo, e impunemente.

  7. Quando o governo não faz política os imbecis se apropriam da tarefa, não é Fernando Brito?
    Ta rolando um vídeo editado pelo mentiroso Bolsonaro dizendo que o governo (dizem PT) recomendou o livro O Aparelho sexual e Cia., da autora francesa Hèléne Bruller, e que o livro ensina crianças a fazerem sexo.
    Duas besteiras clássicas de quem usa a mentira para disseminar o terror entre as pessoas:
    1) Nem o governo, e muito menos o PT, adotou, recomendou ou sugeriu usar tal publicação nas escolas brasileiras. O Ministério da Educação (MEC) diz que a informação sobre a suposta recomendação é “equivocada” e que “o livro não consta no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e no Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE)”. Já a editora Companhia das Letras, responsável pela publicação do livro no Brasil, diz que apenas 4 mil exemplares foram vendidos.
    2) Não se faz necessário livro para ensinar crianças a praticar sexo, roubo, violência, traição, mentiras… A Rede Globo faz isso todos os dias nas suas novelas a partir das 15 horas até o encerrar do dia.
    O grande problema é que o governo é parasitário quando se trata de fazer política. Não há na mesma medida e proporção um desmentido do MEC, dos ministros afins ou mesmo da presidenta Dilma que desmascare esse crápula preconceituoso e mentiroso do Bolsonaro.
    Falta política neste governo.

  8. Mu primeiro emprego foi num jornal ainda adolescente. Claro, menor de idade, não tinha nenhum cargo. Mas tinha a possibilidade de ler todos os jornais mais vendidos na região.

    De cara aprendia à ler editorial e distingui-lo do que é reportagem. Também, à despeito de pouca idade, pude perceber as diferenças entre as opiniões dos diversos veículos.

    Era o início dos anos 80. Eu achava engraçado que o jornal em que eu trabalhava tratava o prefeito biônico da ocasião de alcaide, nunca de prefeito. Até o termo biônico era utilizado comumente por vários veículos, com a clara intenção de denegrir a “autoridade” constituída por indicação e não por voto.

    As redações fervilhavam. Apesar da ditadura.

  9. Até que em fim, alguém sem vergonha de declarar mágoa. A fobia de ser chamado de frustrado, recalcado, de ganhar beijinho no ombro e outros mimos do jargão facebookiano, às vezes faz as pessoas se calarem diante de fatos que vão de encontro ao seu inconformismo. Perdeu-se muito de ética nesta geração dominada pela internet. Quem não demonstra luto por isto, deve estar tirando proveito de alguma forma. Mania de querer ser aceito, de odiar ser excluído, de buscar parecer descolado. Gente que tem consciência não cai fácil nesta onda. Tá tudo uma merda, mesmo. Não foi muito melhor um dia, eu sei. Mas, este sentimento é bem diferente do “no meu tempo” que tantos falam, evocando até as benesses de uma ditadura. Não é isto. É o pesar por ter piorado, por ver que a luta passada não surtiu efeito. Não se avançou. Jornalistas, professores, médicos, políticos, pensadores de todo tipo deveriam estar mesmo muito magoados, desenxabidos. Se a indignação não muda nada, quem sabe o cansaço? Indignar-se faz conservar a esperança. A droga da esperança. O cansaço nos faz pensar: não dá pra segurar a pedra, então, deixa rolar. Faz o que pode pra salvar o que for possível. Depois, ou se vai pra outro lugar, ou se aprende a construir na pedra. Ao menos, o que estava condenado, agora acabou.

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