Kotscho: Haddad saiu maior do que entrou na Globonews

O grande repórter e ainda maior boa-praça Ricardo Kotscho escreveu hoje  com a angústia de, como eu, um velho jornalista constrangido ao assistir a exibição grotesca de transformação de nossa profissão num espetáculo de prepotência e de grosseria.

Temos estilos diferentes: ele, mais jornalista que militante político; eu, o contrário. Mas ambos, sempre, desde os 30 anos em que o acompanho, jamais misturarmos as estações. Tanto descrever fatos quanto expressar opinião nada têm de errado, desde que não se queira confundi-los para fazer das opiniões fatos indiscutíveis nem moldar fatos às balizas da opinião.

Por isso, transcrevo o post  de Kotscho em seu pluralíssimo Balaio, blog indispensável à discussão política. Com o sentimento de tristeza, creio eu, que partilhamos em ver isso ocorrer à profissão à qual dedicamos uma vida.

Haddad no palco da inquisição: na
Globonews, só faltaram Moro e Dallagnol

Ricardo Kotscho, em seu Balaio

A imprensa brasileira, sempre tão independente e isenta, acaba de criar uma nova modalidade de entrevista: o jornalista pergunta e ao mesmo tempo responde.

Levado ao palco da inquisição da Globo News, Fernando Haddad parecia um monge tibetano meditando, tentando se defender, nas poucas brechas que lhe davam, enquanto seus ansiosos inquiridores se alternavam nas acusações contra Lula, Dilma e o PT.

Foi um bombardeio sem tréguas, na mesma quinta-feira do atentado a Jair Bolsonaro, sem dar tempo para o entrevistado respirar e falar com quem lhe interessava, ou seja, sua excelência, o eleitor.

Em Curitiba, nem Sergio Moro e Daltan Dallagnol eram tão implacáveis com os petistas, a ponto de anunciar a sentença antes mesmo que o acusado e seus advogados pudessem se defender.

Nem se pode falar em debate, como se os entrevistadores fossem candidatos também, porque neste formato há pelo menos um mediador e regras mínimas de civilidade.

Isolado num canto do palco, sem direito a defesa nem moderação, Fernando Haddad, que é também o coordenador do programa de governo do PT, ainda no papel de vice e virtual substituto de Lula na próxima semana, saiu maior do que entrou no estúdio, e o jornalismo brasileiro mais uma vez se apequenou.

O programa serviu apenas para revelar, a quem ainda não o tinha visto nos palcos globais, que o ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo é um dos mais preparados e competentes políticos da nova geração.

Nem deram chances de o candidato petista apresentar suas ideias e projetos sobre o que pretende fazer caso seja eleito, contrariando as pesquisas e o desejo dos jornalistas da GN.

Como diria Moro, programa de governo com propostas para o país, não vem ao caso.

Com base na fajuta pesquisa Globo/Ibope sem o nome de Lula, divulgada pela emissora na véspera, os jornalistas queriam lhe provar que o PT não tem mais chances nesta eleição, depois de todos os malfeitos cometidos nos últimos anos.

O que mais me chamou a atenção nos colegas que o entrevistaram foi a uniformidade de pensamento, o interrogatório padronizado, como se um único jornalista tivesse preparado as perguntas.

Parecia um jogral bem ensaiado, sem direito a dúvidas ou ao contraditório.

Faltam agora exatos 30 dias para a mais bizarra e imprevisível eleição depois da ditadura militar, que nunca foi tão lembrada pelos saudosistas do regime fardado.

Jair Bolsonaro sobreviveu ao atentado de Juiz de Fora e está fora de perigo, mas nossa jovem democracia continua na UTI, correndo sérios riscos de vida, antes e depois da apuração dos votos.

Entrevistas como esta da Globo News com Fernando Haddad certamente não contribuem para que o eleitor possa serenamente fazer as suas escolhas.

Só tornam o clima ainda mais beligerante nas ruas e nas redes sociais. É uma pena e é um perigo para todos, candidatos e eleitores.

Bom final de semana, se possível.

Vida que segue.

 

Fernando Brito:

View Comments (41)

  • Não consigo ver nada mais na tv brasileira. Uso meu equipamento que era para ser uma televisão apenas para ver meus filmes de dvd, blu-ray e canais de streaming. Aboli totalmente o hábito de ver tv em prol de minha saúde física e psíquica e não sinto falta nenhuma das inutilidades televisivas. Recomendo a todos.

  • Os globóides (andróides da Globo) não podem ser chamados de jornalistas. O que fazem pode ser chamado de várias coisas menos jornalismo. O Brasil decide sua existência como país daqui a tinta dias. Porque um país com Globo, Moro e Bolsonaro na presidência, não tem futuro nenhum.

  • Vamos um a um:

    Fernando Gabeira: perdido, não sabia exatamente o que estava fazendo ali. Misturou estações. Ganhou do Haddad um sorriso de "quem diria?".
    Camarotti: mais inseguro, só na "entrevista" que fez com o Papa Francisco. Ganhou do Haddad uma expressão de dó.
    Andréia Sadi: precisava lembrar ao Ali Kamel que estava ali. Aki Kamel, olha eu Aki, Aki Kamel....
    Cristiana Lobo: idem Camarotti, exceto a entrevista com o Papa Francisco.
    Merval Pereira e Miriam Leitão: estes juntos porque estavam juntos na roda e resmungavam um para o outro o tempo todo. Coisas assim: ah, eu não vou perguntar mais nada não...ele não responde...tá chato aqui...que tosse héin Merval?....É que eu engoli um Ministério Público inteiro..cóf...cóf..pára Miriam, ele é bom mesmo.....ah Merval, nós temos que pegá-lo....mas não dá, Porcão....então eu não brinco mais....tô ficando nervosa......vamos parar, fala para o Heraldo parar....de quem é última pergunta?....cóf...cóf...o Ali vai matar nóis....

  • O Merval Pereira e a Mônica Leitão são os expoentes deste jornalistas de esgoto.Eles não querem proposta do Haddad , apenas acusar o governo petista Lula/Dilma o tempo todo.

    • Só pra não deixar o equívoco se repetir, a "jornalista" não se chama Mônica, e sim Míriam. A Mônica é a Bergamo, da Folha, que também pertence à confraria de "promotores-jornalistas". No mais, 100% de razão. Saudações!

  • A Globo pensa que ainda tem o poder de fazer seu freguês achar que aquilo que seus melhores "jornalistas" falam é a expressão da verdade. E que se ela junta vários deles para dizerem a mesma coisa, isto significará para o freguês que "todo mundo" pensa daquele jeito. O resultado, quando sua turma global pegou para acuar alguém mil vezes mais lúcido, consciente e preparado que todos eles juntos, foi este mico extraordinário que a Globo News pagou com sua suposta entrevista.

    • O Merval quando ouve a verdade do Haddad fica com pigarro e tosse para disfarçar sua estupidez na pergunta !

      • Esta turma da Globo ao perguntarem ao entrevistado,eles já vem com a resposta pronta. São ruins de serviços mesmo. Mas, a vaca já está toda no brejo, viram o Alkimin espinafrar o Themmer e o Themmer respondendo ali na bucha., que o PSDB é dono de seis ou ministério no governo. Etc e tal e tome tiro. A briga tá começando a ficar boa.

    • É Alecs, concordo, mas grande parte da população está cega, hipnotizada, anestesiada, e acredita piamente em tudo que eles falam e nem desconfiam (ou não querem, não aceitam).

      • Creia que, dessa grande parte, poucos são recuperáveis.

  • 7/9 - 23:37 - Já a presença do general Mourão na Globonews foi um bate-papo entre amigos, até quando Mirian perguntou sobre torturas e aceitou a respostas de que heróis matam.

  • Haddad se saiu bem e mostrou-se preparado. E a Globo mostrou-se a mesma, é a dona da verdade. Não gosta do PT e odeia que defende seu projeto para o país. Mas o eleitor já está calejado.

  • Os acima citados "jornalistas" aprenderam a falta de educação do Faustão... amigão deles ...

  • Venci meu asco e assisti ao debate. Foi a vitória da civilização contra a barbárie. Muita gente critica a ida de Haddad à Globo, e sua diplomacia frente aos ataques. Mas sua estratégia é correta. Ele foi falar ao público da emissora. Gente que compra a visão política que a Globo vende. Se ele devolvesse a grosseria, o acusariam de desequilibrado como fazem com Ciro. Mas Haddad desmontou os estafetas de Kamel com elegância e inteligência. Respondeu o que lhe foi perguntado. Calou bocas com palavrinhas chaves como Tacla Duran, e chegou a afirmar categoricamente que os empregados da emissora estavam "do outro lado", ou seja: não fazem jornalismo, mas política.
    Aproveito para parabenizar Fernando Brito, por sua militância política e jornalística de tanta importância e qualidade.

  • Aquilo (globo news) não é um programa de jornalismo, é uma destilaria de ódio, e a bancada não é composto por jornalistas mas por línguas de aluguel. Haddad não só os desmoralizou, os humilhou com sua tranquilidade e preparo.
    Não senti penas daquelas hienas porque não merecem compaixão. E eles nem se envergonham pois para envergonhar-se precisa ter um mínimo de dignidade, que não tem.

    • Infelizmente os jornalistasnão prestam um serviço com isenção à sociedade.Tudo leva a crer que esles se preparam numa "Universidade "tendenciosa e parcial,onde ficalaropara que lado eles estão a serviço.Infelizmente!!!

Related Post