Mudando um pouco de assunto, eu gostaria de partilhar algumas reflexões sobre a indústria do audiovisual.
É um bom momento para falar nisso, sobretudo após a Globo lembrar que a Petrobrás tem reduzido o financiamento a filmes brasileiros.
Mesmo com todas as críticas duras que faço ao jornalismo da Globo, eu sempre isentei as suas novelas.
As novelas, não, eu dizia a mim mesmo e a meus colegas.
A Globo é uma magnífica produtora de novelas, eu defendia.
Continuei afirmando isso inclusive muito tempo depois de ter parado de assisti-las, como fazia, meio esporadicamente, com a família, na minha infância e adolescência – e uma ou outra, depois.
Nos últimos anos, porém, aconteceram algumas coisas que vem mudando radicalmente a cultura audiovisual do brasileiro. E a minha também.
Primeiro, chegaram as tvs fechadas, e suas dezenas de canais de filme.
Com a generosidade dos assinantes do blog, que me permitiram melhorar de vida, passei a assinar todos os canais disponíveis no Brasil.
O lado ruim é que meus ambiciosos objetivos de aquisição de cultura literária ficaram um tanto prejudicados (alguns adiados por tempo indeterminado), com a concorrência desleal por meu tempo livre imposta por tantos novos canais.
O lado bom é que parei, definitivamente, de assistir aos canais abertos.
E passei a ter uma noção bem maior do impressionante grau de breguice das novelas da Globo.
Aí chegou a Netflix, com a sua espetacular cartela de séries.
Devorei com sofreguidão House of Cards e Homeland.
Agora estou assistindo The Killing, que se passa em Seattle.
E outras, que não cabe aqui repetir.
Não sou nenhum esquerdista anti-EUA, como se vê.
Admiro e consumo, sem culpa, a literatura e o cinema do império.
O problema dos EUA, para mim, é sua indústria bélica e a mania de intervir em outros países.
Se o imperialismo se limitasse a exportar coca-cola, starbucks, hamburguers, filmes e séries, para mim tudo bem.
O problema de Roma nunca foram os poemas de Virgílio, e sim a obsessão de aniquilar outros povos e outras culturas.
Entretanto, após assistir tantas séries, e contemplar a extraordinária diversidade de temas abordados, passei a ver as novelas da Globo de uma outra forma.
Também nisso, temos que melhorar muito.
Nossa indústria de ficção audiovisual, onde a Globo reina soberana, de repente passa a ser percebida como imensamente pobre e monocórdica.
Sempre os mesmos atores, os mesmos diretores, os mesmos criadores, alternando-se o tempo inteiro.
Os temas também são os mesmos.
Não há diversidade.
Alguns canais fechados tentaram fazer séries, mas usando atores e autores da Globo.
A mesma linguagem, os mesmos tabus, os mesmos vícios.
Como há uma concentração absurda do mercado, não se construiu uma saudável segmentação do público.
Ou seja, também nisso, a Globo mostrou-se nociva.
Nos EUA, a indústria do audiovisual é regulamentada por sindicatos extremamente fortes, que protegem roteiristas, atores e técnicos.
Aqui, não.
Os atores estão expostos à lei da selva, onde o mais forte – no caso, a Globo – tem poder de vida e morte sobre milhares de profissionais.
Você nunca viu nenhuma reportagem sobre os poderosos sindicatos da indústria norte-americana de entretenimento, certo?
Por que a Globo e outros canais morrem de medo de que haja algo parecido aqui.
Aqui, atores e autores são considerados quase escravos.
Escravos de luxo, pagos regiamente, mas escravos.
A cultura, a política, a diversidade, as virtudes e os vícios dos brasileiros não são refletidos em nossa produção audiovisual.
Talvez este seja o principal mal causado pela concentração da mídia brasileira.
A política, quando é abordada, inclusive nos filmes, é sempre de maneira maniqueísta, leviana, superficial.
Todavia, temos um país poderosamente integrado ao sistema audiovisual.
Todo mundo possui TV em casa, mesmo nos rincões mais afastados do país.
Na era Lula, houve ainda troca por aparelhos melhores e instalação de parabólicas no interior.
Em virtude desta capilaridade fantástica, o potencial cultural da TV, em termos de produção de símbolos para a massa, é infinito.
Além disso, o povo brasileiro, à diferença do norte-americano e europeu, não passou pela cultura literária.
Houve um salto direto de um país com mais de 60% de analfabetismo, nos anos 60, para um país com 99% dos lares com TV, hoje.
Isso deve ser usado para o bem do povo.
Através da TV, pode-se dar lições de saúde, ensinar valores democráticos, proporcionar aulas de história, produzir lazer.
Sem esquecer que a indústria do entretenimento gera milhões de empregos e proporciona riqueza.
Só não gera empregos se tivermos poucos canais, ou um só canal, produzindo.
A indústria do entretenimento é hoje a segunda maior geradora de divisas para os EUA. Só perde para a exportação de armas.
Então, presidenta, não adianta se preocupar apenas com a indústria de transformação.
Tem de se preocupar igualmente com a indústria de entretenimento, até porque um maior desenvolvimento desta nos daria mais independência política e cultural.
O Brasil, como potência regional, deve isso à América Latina e ao mundo emergente em geral. Se eles consomem as novelas da Globo, consumiriam dez vezes mais se tivéssemos uma produção segmentada, com dezenas de séries produzidas por ano.
Isso poderia gerar divisas para o país, e ao mesmo tempo abrir espaço para nossos interesses comerciais e políticos, assim como faz a indústria americana para os interesses norte-americanos.
Claro que a arte só é possível num ambiente de liberdade e autonomia de criação.
O monopólio e o oligopólio da mídia matam a criatividade.
Este é um tema que o novo governo poderia trazer ao debate.
13 respostas
Gosto do The Killing, mas gosto mais ainda da série original. Gosto também de O Governo, série política da Dinamarca, essa é curta e já terminou depois de mais ou menos um mês. Não consigo mais ver novelas, nem canal aberto.Sinto falta de mais filmes argentinos, espanhóis e franceses. Sou louca por cinema, portanto gosto de muitos diretores americanos, canadenses e ingleses.Filme bom é bom em qualquer língua. E brasileiro não pode faltar, é claro. Temos excelentes documentários, excelentes curtas, séries (As novas estão muito boas) e nossos diretores atuais também, independentes de suas opiniões políticas.
Miguel,
Sem falar no cinema nacional que a Rede Bobo também domina o mercado. O cinema nacional, com raras exceções, virou uma extensão das novelas: os mesmos atores, os mesmos diretores, os mesmos temas fúteis (você acaba de sair do cinema e não lembra mais o nome do filme). A rede Bobo passou a controlar os financiamentos do governo para a produção de filmes. Nos últimos anos, tenho como regra que filme com mais de 3 a 4 atores da Globo juntos eu não assisto. Sugiro que faça uma matéria também sobre o domínio da Rede Bobo sobre o cinema nacional. Um abraço.
que me desculpe , nos votamos na pres. e nao adianta cuspir no prato que comeu , porque mesmo reclamando , nos votamos nela , por que do outro lado tinha os demonios dos quintos dos infernos. agora dizer que essa pres. vai fazer reforma , é so vendo, desse governo nao vai sair reforma nenhuma , porque ela vai fazer outro governo de conveniencia e fim de papo. o pt e o lula que se vire na outra , dessa pres. nao vai sair nada que incomode alguma meio de comunicaçao e os poderos.
Muito bem analisado.Vamos acreditar e investir em nossa Cultura e não apenas continuar consumindo a americana, por exemplo.
Dilma é a Presidenta por mim escolhida e pela maioria de nordestinos de todos os matizes. Mas eu, em particular votei principalmente, para que ela nos dê satisfação de seus atos. Falando diretamente ou indiretamente, através de seus ministros afins, para nós brasileiros, pelo menos uma vez por mês e em cadeia nacional. A Senhora está desaparecida de nossas vidas. Espero pela escolha do ministro da Justiça, Cultura, Comunicação, Casa Civil, Educação, Saúde… com mais ansiedade do que muitos outros. Entendo nada de Fazenda e coisa e tal. Mesmo assim quero agradecer a Guido Mantega, por sua persistência em enfrentar as adversidades ( PIG) com muita coragem e firmeza.Não aceito o PIG que mais nos deve em impostos , mesmo quando, o sustentamos com malas de dinheiro de publicidade pública, pautando com autoridade máxima nossa vidas e com-formando nossa cultura. Basta Dona Dilma,com muito respeito. Já esperamos mais que o necessário. Salve os blogs sujos salvação, dos que podem acessá-los.
Vamos mandar também a GLOBOCOPE, tomar! Agora,” DEVOLVE GILMAR”!!!!!
Acho que é por ai.Contudo,se invocarmos os Estados Unidos como referência para noss proposições,os VIRA-LATAS,sejam eles defensores de seus privilégios,quanto os todos os outros,se senem prazer em serem submissos,vão contra arrazoar que lá é assim,por que eles podem.São maiores do que nós e etc.E é verdade,eles lá,tam BOMBAS ATÔMICAS.Nós não a temos e tanto os EE.UU.,nos nossos dias,quanto os conterrânos de Virgílio e seus versos,também tinham armas e somente por isto,ditavam à época,as regras de seus ingteresses.
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Miguel cita a Netflix porque ainda não baixou o Popcorn Time! Tem todos os filmes, todas as séries da Netflix, a mesma qualidade de imagem e de som, e você pode escolher a legenda na língua de sua preferência, sem baixar nenhum programa extra de legendas, que nem sempre estão sincronizadas com as imagens. E tem uma coisa melhor que a Netflix… É GRATUITO! Você só precisa de uma banda de pelo menos 10 MB e uma placa de vídeo decente. Cinema em casa… Quanto às considerações sobre a nossa política de audiovisual assino em baixo! Ainda estamos muito longe de um espectro democrático como queremos e precisamos.
miguel,
você está sendo bastante ingênuo sobre a indústria cultural usamerika.
a lavagem cerebral come solta.
a globo é um braço.
sessão da tarde: filha do presidente, soldado herói, bichinhos etc.
há toda uma temática comprometida em filmes e também nas séries!
a indústria cultural entra primeiro, faz mentes pelo mundo todo
culturaliza, todo mundo com hamburguer e coca cola
ou você acha que a mídia usamerika faz o trabalho sozinha?
e aqui? a mídia sozinha seria responsável se não existissem as novelas?
é preciso entender com mais cuidado o papel do entretenimento
e da indústria cultural na formação ideológica do império!
bjcc.
Certamente que nos EUA também existem monopólios e vícios, mas não dá para comparar com o cenário brasileiro, que chega ao cúmulo do ridículo.
O Brasil cresceu, mas ainda possui práticas de republica de banana. A Globo de fato manda no cenário audiovisual, na tv e no cinema.
Uma revolução audiovisual no Brasil geraria milhões de empregos, de produtos um pouco mais independentes e por consequência, o fortalecimento da nossa democracia.
O Brasil é um país com potencial audiovisual muito maior do que os EUA, pela amplitude cultural da formação do nosso povo. E quanto à qualidade das produções, não é preciso ir muito longe: o cinema argentino tem dado goleada no nosso. Já venceram um Oscar e estão prestes a levar outro, com Relatos Selvagens, um filme que trata de situações cotidianas, dentro do contexto cultural argentino. Se não abrirmos espaço para outras produtoras, que não a Globo Filmes, seguiremos à mercê do “padrão novelinha” que se transformou a produção nacional, apesar do aumento dos investimentos governamentais, no setor audiovisual.
Você tocou em um ponto muito importante, Fernando. As TV’s abertas no Brasil não só são nefastas pela manipulação das notícias, mas também porque emburrecem a população brasileira, quase 24 horas por dia. Programas de frivolidades, fofocas sobre ‘famosos’ criados pela própria TV, programas “policiais” que anestesiam as pessoas contra as atrocidades através de imagens fortes que devem deixar os telespectadores mais coniventes com violências (desde que seja contra os “bandidos” e não com “cidadãos de bem”…). Perdoem-me se soar arrogante, mas a maioria dos apresentadores são ignorantes espalhando ignorância…
As novelas estão cada dia com roteiros mais estúpidos, personagens mais fracos e morais mais estranhas… Não agregam conhecimento. Não fazem refletir. Não inspiram ninguém a ser nada de bom… Ao contrário, devem inspirar os telespectadores a serem mais fúteis e a querer comprar mais e mais, para terem uma aparência digna das madames das novelas.
A única coisa que pode ser vista como boa, na minha opinião, é a tentativa da Globo de acostumar a população com a questão da homossexualidade. Mas ainda assim, tenho minhas críticas por alguns personagens e conflitos criados.
É tudo muito imposto e quadrado.. Um modelo já pronto e que não admite muitas novidades.
Saudades da TV Colosso, do Castelo Rá-Tim-Bum.. Era uma época em que eu aprendia com a TV. Não sei se as crianças de hoje têm a mesma sorte. Os adultos, com certeza não têm. Hoje são pouquíssimos os programas que têm ao menos uma parte de seus conteúdos (uns 10% do tempo de transmissão, que sejam) voltada para a transmissão de conhecimento. Ou para discussões minimamente inteligentes ou edificantes.
O povo brasileiro merece (e precisa de) muito mais.
Fernando Brito, uma sugestão: não deixe de assistir os dois Jogos Vorazes que tem no Netflix e depois pegar o lançamento do terceiro da série que está no cinema. É uma obra muito política, fala de cultura do entretenimento, consumismo, controle da mídia, desigualdade social, revolução e guerra. Embora os anúncios e propagandas sejam voltados ao público adolescente, os filmes são mais do que aparentam. Tenho certeza de que você vai gostar e não duvido que ainda saia uma crônica a respeito. Abraços.