O “corpus christi” do Banco Central

O papa Urbano IV, no século 13, percebeu a necessidade de incorporar o sentido milagroso nos objetos reais e, por isso, criou o dia de Corpus Christi, para que o pão e o vinho usados na Eucaristia fossem reconhecidos como o corpo e o sangue de Jesus.

Numa metáfora profana, bem que se podia dizer que a decisão – decisão ou concessão? – do Banco Central, na noite de ontem,  de elevar s juros, foi uma espécie de corpus christi da nossa política econômica.

Uma reafirmação de nossa crença de que o mercado financeiro reina sobre todas as coisas na economia e em seu nome é necessário sacrificar o povo brasileiro e as aspirações do país a se desenvolver.

Porque só como simbolismo sectário se pode receber o que, além de contrariar o bom-senso, vai de encontro até mesmo das regras mais ortodoxas de política econômica.

Não há, em nenhum dos manuais ortodoxos de política econômica, qualquer caso em que se responda a uma baixo crescimento, a um quadro recessivo e a uma queda no consumo com elevação de juros.

Poder-se-ia argumentar que há um quadro de alta da inflação. Mas como, se a taxa acumulada em setembro de 2011, quando o BC contrariou o mercado e iniciou a baixa dos juros públicos  era de 7,2% em 12 meses, então a maior dos últimos seis anos.

Agora,é  de 6,4%, dentro e não acima, como então, da meta traçada pela própria instituição.

O resultado modestíssimo da expansão do PIB – com destaque para a redução brutal do crescimento do consumo das famílias – indicaria, no mínimo, a persistência de uma taxa que, pelos padrões mundiais, ainda é altíssima. Idem a baixa perspectiva da economia mundial. Até o Federal Reserve, um templo da ortodoxia, é cauteloso e não se mexeu mesmo ante sinais positivos na economia dos EUA, a única, entre os países desenvolvidos, além da Alemanha, que dá mostras de recuperação.

E mais: a China, principal  parceiro comercial do Brasil, hoje, apresenta uma consistente redução no  ritmo de crescimento de sua atividade econômica, embora este continue seguindo em números elevados.

O que o Banco Central fez ontem, ao elevar a taxa de juros, foi, portanto, antes de tudo, um ato de fé e submissão ao mercado financeiro.

Consagrou os juros como objeto sagrado, que  deve ser adorado e os único capaz de salvar nossa economia.

Mas os juros não são pão e vinho. Não salvam, matam o crescimento econômico, este sim, capaz de mudar permanentemente a realidade brasileira.

Não podia ser mais bem definido que o foi pelo economista Paulo Nogueira Batista Jr, uma das poucas cabeças que sobrevivem lúcidas em meio ao credo neoliberal.

“Políticas sociais, de cunho distributivo, são indispensáveis. Muito pode ser alcançado em desenvolvimento social com políticas desse cunho, como mostra a experiência brasileira nos últimos dez anos. Mas não se pode ter ilusões: no longo prazo, o que realmente faz diferença é o crescimento. E crescimento de longo prazo implica aumento do investimento e da produtividade.

Com crescimento medíocre tudo fica mais complicado. Sofre a geração de empregos e renda. O ajustamento das contas públicas se torna mais difícil. Os conflitos se intensificam. O horizonte se estreita.

O crescimento não é solução para tudo, mas sem crescimento não há solução para nada.”

 

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