O dinheiro, as eleições e a hipocrisia

PODERES

Participo de campanhas eleitorais desde 1974 e não exagero em dizer que o poder econômico tomou conta do processo eleitoral de uma forma avassaladora.

Claro que corrupção e fisiologismo sempre houve, do coronel à bica d’água, mas sempre sobrava espaço para a eleição de parlamentares escolhidos por suas trajetórias políticas, suas idéias, sua visão de país.

A fórmula tradicional do clientelismo não apenas persiste como se profissionalizou: para ser candidato a deputado federal você tem de “comprar” o apoio de candidatos a deputado estadual e de vereadores, direta ou indiretamente: impressos, cabos eleitorais, placas, dinheiro para “centros sociais”.

Hoje, isso é de tal ordem que pessoas de bem não podem pensar em candidaturas se não tiveram, para sacrificar, alguns milhões de reais. Ou terem quem o faça por eles.

Ou ainda se a mídia, por alguma razão, tiver projetado suas imagens popularmente.

É certo que o fim do financiamento de candidatos por empresas é uma necessidade. É um absurdo total e uma violação evidente do princípio essencial da democracia: um homem ou mulher, um voto.

Mas há um caminhão de hipocrisia nesta discussão do Supremo.

A direita brasileira sempre se opôs ao financiamento de campanhas exclusivamente com recursos públicos.

Hoje, já não sei se precisa garantir-se politicamente apenas financiando deputados: o controle do comportamento das instituições políticas é feito muito mais pela ditadura ideológica da mídia do que pelo toma lá, da cá de natureza eleitoral. Porque, é claro, existem outros de natureza nada eleitoral. Vai para o bolso, mesmo.

Esta discussão, sejamos francos, só está prosperando agora, por isso e porque, circunstancialmente, a esquerda está no Governo e, por isso, consegue que lhe caia algum de contribuições empresariais, que a direita sempre teve, chovesse ou fizesse sol.

Isso quer dizer que, pelas circunstâncias, o toleremos? Não, é evidente.

Tanto é assim que o financiamento público exclusivo de campanhas  foi e é um dos núcleos da proposta de plebiscito e Constituinte exclusiva feita pela Presidenta Dilma Rousseff ao país, e que não teve apoio de nenhum dos outros poderes e muito menos da midia.

Agora, o STF ensaia um arreganho de poder, tomando esta medida.

Não importa que eu seja a favor dela, importa é que estamos transformando a Corte Constitucional em poder legislativo, numa distorção fatal à democracia, pois institui um regime de “monarquia colegiada”, onde pessoas carentes da legitimidade do voto popular se tornam os verdadeiros autores de lei no país, em lugar do próprio Legislativo e do Executivo que o povo elege.

A quebra da função constitucional dos poderes é o prefácio da usurpação do poder.

O voto do Ministro Luiz Fux, abrindo prazo para o Congresso regular o fim das contribuições privadas, escrevam o que digo, vai ser seguido de um “não vamos perder tempo, vamos decretar isso já”.

Um arreganho de quem se considera “presidente moral” do Brasil que, embora tenha poucas possibilidades de prosperar, vai se prestar para o exercício arbitrário e marqueteiro do mais puro udenismo.

É preciso que não se embarque nisso como panaceia para a lisura do processo eleitoral – e pela lisura do exercício de mandatos.

Isso tira seu caráter positivo? Não.

Isso resolverá, um tico sequer, os problemas éticos e morais da escolha dos mandatários e  dos mandatos? Não, muito menos ainda.

Ou alguém se atreve a dizer que a Lei da Ficha Limpa tornou mais honrado o parlamento brasileiro?

Ao contrário, vai piorar. Porque sem o financiamento público e vedado o privado,  só haverá um financiamento: o da caixa-dois.

O processo de moralização da vida política só tem um caminho, justamente o mais enxovalhado pela mídia e desprezado pelos “moderninhos” que dizem ter inventado a “nova política”, mas se sustentam de bancos e de empresas “socialmente responsáveis”.

E que a gente sabe para que lado vão, com sofisticadíssimas desculpas, quando se trata de decidir, pra valer, os rumos do país.

São os partidos políticos e digo isso com a liberdade de não estar, pela primeira vez em meus 40 anos de política, filiado a um deles.

O voto em lista partidária – ao menos na eleição para cargos federais, onde não se explica o voto distrital – é a maior das mudanças que se pode fazer neste sentido.

Dizem os conservadores, tiraria a liberdade de escolha do eleitor, mas este é o único meio capaz de abolir ao máximo a influência do poder econômico nas eleições.

É o que pode dar ao voto do eleitor do Oiapoque e do Chuí, do morador da favela de Recife ou de um apartamento no Leblon o mesmo sentido, o coletivo.

Um partido, uma corrente, um ente nacional, como se prevê na nossa Constituição, que assim determina que sejam os partidos.

Eu não entro nessa onda, já passou coisa demais sob meus olhos para acreditar que, 25 anos depois de promulgada a constituição, tenham “descoberto” que as doações privadas empresariais são inconstitucionais.

Não acredito, mesmo achando que não apenas são inconstitucionais como incompatíveis com um processo democrático saudável.

Estamos a menos de um ano de eleições presidenciais e, mesmo duvidando que façam uma mudança de regras que possa valer para elas, sei que tem batata nessa chaleira.

Facebook
Twitter
WhatsApp
Email

13 respostas

  1. Ontem, a denúncia do Miguel do Rosário sobre a interferência do TRE no governo do RN. Hoje,é mais uma vez a interferência do STF no congresso nacional. Esse assunto é muito importante para ficar restrito a dois blogues. Deveria ser hoje a preocupação de todos os blogues independentes. Se isso acontecer, qual será a alternativa para os eleitores que apoiaram e apoiam o governo progressista? Assim, começo a acreditar que o 2o. turno será o improvável PSDB versus PSB. Golpe em andamento. Casuismos são coisas do passado.

  2. Concordo com suas ponderações, só chamaria a atenção para o tempo dos partidos no horário eleitoral que também proporciona muita troca de favores.
    A distribuição de recursos, seja de espaço em mídia, seja em recursos, não pode (na minha opinião) favorecer nenhum partido ou candidato sob pena de lhe dar maior poder.

  3. O argumento democrático é necessário e suficiente para o bloqueio do financiamento por pessoas jurídicas e o limite a pessoas físicas. O Brasil é constituído em “Estado Democrático de Direito” (caput do art. 1º), ou seja, seu princípio fundamental é o da democracia, exercido na legalidade. Realmente não sei como Gilmar Mendes poderia sair dessa!

    Com relação ao Caixa 2; se a contribuição de PJ é contrária ao próprio Estado, é evidente que se trataria de corrupção (veja a nova lei que vigora a partir de fevereiro), ao contrário da realidade atual, cinzenta. O uso de recursos do próprio candidato e a doação aos partidos por tabela também estão sendo afastados, o que elimina brechas ainda hoje aproveitadas.

    Este é o julgamento mais importante do STF na atual realidade constitucional, é a reforma das reformas! É a defesa mais radical de nossa Constituição, lá da parte mais importante de seu artigo 1º!

  4. A proibição da participação das pessoas jurídicas no financiamento dos partidos contribui para velar, esconder a relação dos partidos com os setores da sociedade cujos interesses representa, obscurecendo, assim, as relações entre a esfera pública e a esfera privada da sociedade, quando o que se deve favorecer é a publicidade dessas relações.

    Aliás, a busca por recursos na sociedade civil, em princípio, é positiva, à medida que leva o partido a com ela interagir, o que é fundamental para, inclusive, aumentar a sua representatividade e a sua inserção social.

    Aqui cabe a indagação: nas campanhas eleitorais do período autoritário, quando as empresas privadas estavam proibidas de financiar os partidos e candidatos, aquela proibição teve eficácia ou as empresas financiavam os partidos e candidatos mediante os famosos caixas dois? É certo que financiavam. Portanto, parece-nos que o rigor que havia na legislação anterior à vigente era apenas aparente, uma vez que a sua letra era severa, mas não produzia eficácia social, fracassando quanto ao fim que buscava alcançar.

    Por outro lado, a permissão de financiamento de empresas tem contribuído para aproximar o mundo legal do financiamento das campanhas do seu mundo real, ao possibilitar alguma publicidade quanto ao seguinte: primeiro, que empresas contribuem para quais candidatos e partidos; segundo, qual o montante das contribuições. É certo que não é o suficiente, é certo que permanecem as contribuições ocultas, mas, de qualquer sorte, diversamente do passado, há hoje um mínimo de transparência quanto a esses aspectos.

    Por tudo isso, temos convicção de que o financiamento das campanhas eleitorais também por agentes privados é fundamental no Estado de Direito.

    Na verdade, tal espécie de proibição revela uma concepção ‘politicista’, uma ilusão de fundo idealista do processo político, que acredita na possibilidade de a disputa política se dar apenas entre os partidos políticos no sentido estrito, no Parlamento ou fora dele.

    No caso do PT, tal ilusão é até mais grave. O partido ainda nem terminou de ‘pagar a conta’ por acreditar na quimera da neutralidade dos estamentos da elite do aparelho do Estado (caso do chamado mensalão) e já quer entrar em outra furada, que pode lhe causar muito estrago no futuro imediato.

    Já dá para antever que partido e que candidatos vão ser o alvo preferencial do ‘jornalismo investigativo’ e do exército de procuradores e promotores e policiais federais que irão fazer a ‘operação pente fino’ sob o pretexto de ‘cumprir a lei’ e reprimir o financiamento de pessoas jurídicas nas campanhas.

  5. “Não importa que eu seja a favor dela, importa é que estamos transformando o a Corte Constitucional em poder legislativo, numa distorção fatal à democracia, pois institui um regime de “monarquia colegiada”, onde pessoas carentes da legitimidade do voto popular se tornam os verdadeiros autores de lei no país, em lugar do próprio Legislativo e do Executivo que o povo elege.”. Bingo!

    Sou completamente a favor do financiamento público. Acho que o financiamento privado é privatizar a política.

    Porém o STF NÂO pode decidir sobre isso. Essa é uma questão legislativa. Existem muitos casos em que eu concordo totalmente com as decisões do STF na matéria, mas discordo completamente pela forma como foi feita. É o caso, por exemplo, da aplicação da Lei de Greves do setor privado no setor público. É óbvio, para mim, que enquanto não houver uma lei que regulamente a greve do setor público, aplicar-se-há a Lei de Greves do setor privado (do contrário seria proibição do direito a greve). Mas isso é de caso a caso até que o Congresso legisle. Oq aconteceu nesse caso foi que Gilmar Mendes, cansado de tantas ações, simplesmente legislou e disse que a Lei de Greve do setor privado vale para o setor público, e ponto final. Ou seja, de fato criou para todos (erga omnes) uma Lei de Greve Pública (gêmea siamesa, portanto, da Lei de Greve Privada). Tenho um artigo científico justamente sobre esse problema do STF, de se tornar uma ´aristocracia´ numa democracia. Um grupo de sábios acima da Lei e da CF, que não tem dever algum de prestar contas.

    1. Precisamos acabar de vez com o financiamento midiático e criar a Ley dos Medios. El Supremo e sua discricionária baba elástica a todos contamina. Chega do jornalismo prepotente e sátrapas de plantão.

  6. Nas jornadas de junho já dizia que a solução para as mudanças necessárias ao Brasil não era o povo sair as ruas ( apesar de ser importante as manifestações populares e , sob certo aspecto, positivas)mas ENTRAR nos partidos políticos. Fortalecer os partidos, a ideologia, seus programas e princípios. Mas alguém sabe aí neste estado de coisas quando isto vai acontecer? Nunca. Talvez o voto em lista sugerido seja um capítulo importante para a reversão das expectativas do bom funcionamento da política, pois ao se valorizar os partidos e seu conteúdo ideológico e programático, se alavancaria a necessidade da participação política nas pessoas e ao longo do tempo , lentamente se educaria a população nesse sentido de participação e filiação partidárias.

  7. A Constituição e a Bíblia são textos longos que permitem todo o tipo de interpretações, dependendo exclusivamente da criatividade do intérprete.

    Como o próprio texto diz, o princípio de um homem um voto já possibilita a vedação ao financiamento empresarial das campanhas, principalmente, diante da vedação, já existente, da contribuição de sindicatos.

    Nada impede o Congresso aprovar o financiamento público de campanha na esteira da decretação da inconstitucionalidade do financiamento empresarial.

    Ficará, porém, claro que os atuais parlamentares não representam o povo, mas sim as corporações.

  8. A OAB entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF para ele se pronunciar sobre teses como autofinanciamento de candidatos, financiamento privado, etc.
    O STF foi provocado e deve decidir se é constitucional ou não as normas que regulam o financiamento de campanha por empresas ou o autofinanciamento.
    O STF não fará lei. O STF dirá que a norma é constitucional ou não. E dirá se a norma é válida ou não. Se for inválida, dirá que é nula desde o início, a partir da decisão, ou pro futuro – dependendo de lei a ser efetuada nos parâmetros da decisão da inconstitucionalidade da lei.
    Parece que o Gilmar é contra a ação da OAB, a favor do financiamento privada das empresas, logo estou com Barbosão, Fux e Tófolli. Quem patrocina a leição é o cidadão e os cofres do Estado.
    PJ não vota.

  9. Veja esta declaração: “Gilmar Mendes pediu um aparte a Dias Toffoli e acaba de botar os pingos dos is. Deixa claro que o fim do financiamento privado, como quer a OAB, interessa a quem está no poder.” Esta é a afirmação mais corrupta que leio de um ministro, então… o que ele diz em letras garrafais é QUE PRECISA-SE COMPRAR VOTO COM O DINHEIRO PRIVADO PARA TIRAR O GOVERNO DO PODER. Ora bolas!!!! Ora bolas!!!! Deveria pelo menos preservar pra si a opinião corrupta. Ora bolas!!!! Não se ganha com voto dos cidadãos, aí ganha-se com o dinheiro de quem não têm cidadania, a pessoa jurídica. Porque não instituir “constitucionalmente” que é a maneira legal, a DEMOCRACIA da raça pura (pessoa jurídica), a raça eleita para substituir os cidadãos. Ora bolas!!!!

  10. Acho estranho que este movimento do STF seja conservador porque olhando o desespero do Gilmar e as reclamações de Aécio…Como dizia Brizola: ” quando você tem dúvidas entre escolher, veja onde a Globo…”
    O fato, apesar de encontrar similaridade com outras intervenções, fica só nisso. Aqui no caso, entidades civis instaram o STF a se manifestar sobre a constitucionalidade ou não de dispositivos legais e estes dispositivos são mesmo inconstitucionais. E ai, você entende que uma corte que é instada a se manifestar deveria fazer o que?
    O parlamento merece isso! Não se deram o devido respeito não só porque não defendem interesses públicos em sua maioria, mas também porque sequer defendem a instituição. E é disso que falamos aqui!
    O que fizeram os presidentes das casas diante da intervenção de Gilmar Mendes? Humilharam a casa e deram a senha pro STF. Na mais recente capitulação, um dos pares do presidente da Câmara de licença, portanto impedido de se defender de processo de cassação, como foi tratado por ele. Acho que o problema não seria o tal de oportunismo e golpismo do STF e sim uma Casa omissa para com os cidadãos e esperta para seus interesses. É triste mas não dá pra defender quem não presta e não defende a democracia!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *