O “Minha Casa”, sim senhor, nasceu com Vargas

realengo

Vocês me desculpem se hoje estou “varguista”, mas o Rodrigo Vianna, o mais gentil Escrevinhador,  envia-me um artigo que publicou, escrito pela arquiteta e urbanista Nilce Aravecchia Botas , professora da USP,  e pesquisadoras do grupo Pioneiros da Habitação Social no Brasil que me deu um frio na espinha, duas vezes.

A primeira, por ler que “a política (habitacional) inaugurada na Era Vargas invertia o papel social dos pobres nas cidades brasileiras. Antes combatidos como caso de polícia eles foram incorporados como atores estratégicos do processo de industrialização. Assim, suas moradias deixavam de ser simples alvo de ações higienistas (a politica do bota-abaixo) convertendo-se em problema social”.

Vejam o que talvez muitos não saibam e eu sei – não por “sabido”, mas pelo que contarei a seguir – sobre como “o pacto forjado entre setores intelectuais, um segmento médio urbano que se consolidava, e as classes trabalhadoras que começavam a ganhar status de massa, deu origem às transformações que pretendiam colocar o país de vez na ordem capitalista, e realizar aqui o “bem-estar social” à brasileira”, segundo conta a arquiteta, para afirmar que “entender essa dinâmica a partir da produção dos conjuntos habitacionais e do significado de sua inserção nas principais cidades do país, nos ajudou a superar as interpretações mais vulgares baseadas no conceito de “populismo”, que costumam caracterizar muitas das análises do período”.

E a segunda emoção, porque, curioso, fui fuçar o site onde se apresenta a coleção da qual trata Nilce – “Pioneiros da Habitação Social no Brasil”  – e lá encontrei, descrito tal como eu vi, um dos conjuntos habitacionais construídos por Vargas, o IAPI de  Realengo, no Rio, onde moraram meus avós e eu passei muitos e muitos dias, nos anos 60 e 70, numa casa geminada, de blocos de concreto, para onde os velhos foram depois de morarem num cortiço, daqueles que se punha abaixo.

Um pedacinho, para que entendam como aquilo foi um mundo novo para gente que não tinha nada, nada:

“Projetado pelo arquiteto Carlos Frederico Ferreira, chefe do Setor de Engenharia do IAPI, o conjunto localiza-se junto à estação de trem de Realengo, subúrbio do Rio de Janeiro. Vasto campo de experimentação projetual, sua concepção estabeleceu uma linhagem de tipos — unidades unifamiliares e blocos de apartamentos —, que foram utilizados, conforme as necessidades, em distintas localidades. A preocupação com a inovação tecnológica, seriação e barateamento do produto final manifesta-se de forma inédita nesse empreendimento magno do IAPI, um projeto racional que visava à qualidade, economia e reprodutividade.
O empreendimento colocou em prática a concepção definida pelo governo Vargas para a construção de núcleos habitacionais para os trabalhadores, com infraestrutura completa (redes de água, luz e esgoto, galerias de águas pluviais, pavimentação e estação de tratamento de esgoto) e vários serviços de caráter coletivo, efetivamente implantados, como áreas comerciais, escola primária para 1.500 alunos, creche para cem crianças, ambulatório médico, gabinete dentário, quadras para a prática de esportes, templo católico e horto florestal, concretizando a proposta de uma unidade de vizinhança onde o trabalhador pudesse encontrar tudo aquilo de que necessitasse além do trabalho.”

Nabil Bonduki, coordenador do projeto, reproduz na sua página um depoimento, colhido há 20 anos, do projetista da obra: “”O presidente me chamou e eu fui lá para ver um projeto, que tinha que fazer, de simplesmente 2.000 habitações. Isto era um negócio, muito chocante, porque na época em que nós vivíamos [1938], a intenção de financiar habitação era muito precária, os governos eram tímidos, o máximo que o governo construía era 200 casas.”

Ah, que maravilha o tempo em que este país ousava!

A coleção será lançada amanhã na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Rua Maranhão, 88), às 17 horas, onde eu gostaria, se pudesse, de estar. E perdão, de novo, se isto está meio pessoal, mas é que que não ama e honra o lugar e a gente de onde veio não merece ir a lugar nenhum.

 

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33 respostas

  1. Por mim, não é preciso se desculpar, Fernando. Adoro seus textos, os de reminiscências e “varguistas” também.

  2. Conheço esse projeto em Porto alegre tambem tem 2000 residencias esta intacto ate hoje muito interessante.

  3. Elis Regina nasceu na Vila IAPI, aqui em Porto Alegre, um conjunto habitacional construído na década de 1940, com recursos do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários, daí o nome, criado em 1936.

    1. Caro Vincent me “roubastes” o Post, mas por uma causa nobre, vale. Quando botei o olho no título do post do Fernando, já engatilhava minhas palavras -também saudosistas- do IAPI em POA, bairro onde muita cachaça tomei com as parcerias. Morei bem ali perto na Cel. Feijó com Cristóvão Colombo…oh saudades da Elis.

  4. A casa é um complemento da alma da pessoa. É preciso dar a cada ser humano um lugar de abrigo e proteção. O indivíduo abrigado nos seus próprios domínios lança um olhar de esperança para o futuro.

    Trabalhei mais de 30 anos com financiamentos de casa própria e nesses últimos anos com o programa Minha Casa Minha Vida. A maior satisfação de toda a equipe era a emoção estampada no rosto das pessoas que recebiam a chave da sua casa. Os olhos marejados das donas de casa e dos trabalhadores que, muitas vezes passaram a vida toda sem sua casa. Nossa equipe se emocionava também junto com as pessoas que recebiam as chaves da sua casinha.

    O outro lado do Minha Casa Minha Vida é o desenvolvimento do país com os empregos gerados com os impostos propiciados com a indústria e a comercialização dos insumos habitacionais. Eu costumava pensar no significado para o Brasil da produção de 1 bilhão de tijolos, de 500 milhões de telhas, de 200 milhões de metros quadrados de vidro, de 450 mil quilos de pregos, todos os produtos comprados, transportados, e manuseados por trabalhadores remunerados, gerando riqueza e bem estar distribuído por toda a nação e beneficiando ricos e pobres…

    Fazer casinhas é muito mais do que dar abrigo. Ruim pra Suiça que não precisa construir mais nada… O Brasil se beneficia como um todo com os programas habitacionais. Traz benefícios até para os coxinhas que se rebelam contra os programas habitacionais, os banqueiros e os tucanos depenados de raiva de não terem tido a idéia e a coragem de implementar um programa como este.

    1. Desculpem-me a mim também pelo tom entusiasmado do meu comentário. É, talvez, algo pessoal que, como o Fernando, deixo escapar direto do coração nesta reta final em que nos é permitido sonhar de novo com um Brasil melhor para todos.

      1. Luiz, marejei aqui enquanto lia teu relato. Minhas lágrimas também são muito pessoais porque fui uma dessas pessoas que receberam a chave de sua casinha. A minha veio em agosto do ano passado aqui em Curitiba. Se não fosse pelo programa, estaria ainda na casa dos meus pais, também beneficiários da COHAB-PR. É Dilma, é Lula, de novo e sempre!

    2. Luiz, achei teu comentário muito importante, porque a gente se emociona com a primeira casa que compra e também quando os filhos compram… a segurança que ter um lugar para voltar muda a forma como vemos a vida.

    3. “Traz benefícios até para os coxinhas que se rebelam contra os programas habitacionais, os banqueiros e os tucanos depenados de raiva de não terem tido a ideia e a coragem de implementar um programa como este.”
      ____________________________
      Só discordo do entendimento de que os depenados de raiva não tiveram a ideia. Até podiam tê-la tido. Claro que soluções como esta não se encontram no universo deles. Mas, mesmo que tivessem tido a ideia, isso de pouco importaria, pois, em realidade, são proibidos ideologicamente de seguir por este caminho.

      São mercenários não só por preguiça, ou comodismo, mas, sobretudo, por força de condicionamento ideológico.
      Teriam rifado a soberania de Brasil e entregado as chaves pros SPYstates. Bailando e dançando. Valsando e gargalhando.

  5. Quando eu tinha 7 anos (1955) mudei para uma casa numa vila construida pelo IPASE, com dois andares – um mimo. Pertinho do Méier, no Rio de Janeiro. Tá lá até hoje. Moramos lá até meu pai ser transferido para Brasília.
    Se não me engano, a casa do irmão mais novo da minha mãe em Realengo, não era o lugar que você citou, foi construída pelo IAPI. A irmã mais nova da minha mãe morava numa casa na Vila da Penha também construída pelo IAPI, alguns anos depois.
    Eu não sabia quem era Getúlio Vargas, mas me lembro da minha mãe e da mãe dela chorando de pé ao lado do rádio e clamando: Getúlio morreu! Tinham razão para clamar, não é mesmo?
    Pensando agora, só posso lamentar como a ditadura atrasou o início do nosso progresso até a chegada do Lula e agora da Dilma.
    Precisamos mesmo mostrar aos brasileiros este curso da nossa história e o resgate da democracia que está sendo feito em nosso país.

  6. A oportunidade é interessante em comemorar a era Vargas todavia, os brasileiros do presente com milhões de exceção enxergam nos governos LULILMA a continuidade de governar para os pobres. Conclamo a todos das classes C,D e E comparecermos pontualmente às urnas e depositarmos nossos votos na Dilma e seus aliados a fim de possamos liquidar a eleição presidencial no 1º turno a fim de que a Dilma possa ajudar aos governadores progressistas no 2º turno.Exemplos(Padilha,Tarso Genro,Rui Costa,Requião,Garotinho etc)

  7. Não precisa ir longe. Aqui, na fronteira entre Ipanema e Leblon, eu vi crescer o conjunto de prédios dos jornalistas, nos anos 50. Está lá até hoje na Ataulfo de Paiva, 50, Jardim de Alá. Hoje, está valorisadíssimo.

  8. Que bobagem desculpar-se essa é nossa história, essa é a História do Brasil!
    É de arrepiar!!!

  9. Em São Paulo conheço pelo menos dois conjuntos construídos na década de 50:
    I-) na Av. do Estado, bairro do Cambucí, tem um conjunto (prédios de apartamentos) do IAPI;
    II-) na Rua Santa Cruz, entre a Vila Mariana e o Alto do Ipiranga, um conjunto com apartamentos do IAPB (não sei se ainda funciona, mas havia tratamento de esgotos).

  10. E as bibliotecas? Os shows com artistas da rádio Nacional nos coretos de subúrbio? No domingo tinha um teatro de fantoches no Jardim do Méier.As crianças adoravam. Nos anos de 1950. Era casa, cultura e entretenimento.

  11. Fernando,

    Lindo o seu texto. Parabéns pela sua fidelidade às suas idéias. Do meu lado, difícil achar lugar melhor (do que no seu blog) para dizer certas coisas. P.ex. q não entendo o nome do tão enaltecido (pelo Jornal do Brasil) do Americas Medical City, inaugurado na B da Tijuca. Por que esse nome? Pra combinar com a estatua (ridícula) da liberdade da Barra?

  12. A Revolução de 30 foi muito mais ampla do que se pode pensar. Vargas também proporcionou não só o nascimento da Arquitetura Moderna do Brasil, com a construção do prédio do Ministério da Educação e Saúde no Rio, como também proporcionou a implantação do moderno Urbanismo e do Planejamento Urbano, onde as intenções ambiciosas da Revolução de 30 encontraram como grande realizador o professor Saboya Ribeiro, fundador do curso de Urbanismo da Politécnica da Universidade do Brasil e autor de vários planos diretores de grandes cidades do Brasil nas décadas de 30 e 40. Vejam um trecho do estudo intitulado “Refazendo caminhos: o pensamento urbanístico a partir da produção do engenheiro Saboya Ribeiro”:

    “A real atuação do estado no campo do urbanismo, por outro lado, se expressa na sua vertente melhoramentos, obtendo sucesso quando se encontram conjugados o poder de decidir sobre as intervenções e os recursos para realizá-las. Um desses momentos
    é aquele em que é projetado e executado o conjunto de obras definidas pela Comissão do Plano da Cidade empreendido pelo Prefeito Henrique Dodsworth em 1937, em pleno Estado Novo, sob o Governo de Getúlio Vargas. É dentro desse processo que se inclui a atuação do engenheiro José Otacílio de Saboya Ribeiro

    Forma-se em engenharia no mesmo ano em que Agache conclui o seu plano para a cidade, em 1930, num ambiente favorável à discussão sobre a cidade. A Comissão do Plano da Cidade

    A recriação da Comissão do Plano da Cidade, em 1937, e do Serviço Técnico do Plano é a tentativa empreendida por H. Dodsworth (1937-1945) de responder às críticas de ausência de um plano ordenador para o Rio de Janeiro. Seu primeiro presidente é o engenheiro José de Oliveira Reis com quem Saboya Ribeiro mantém relações profissionais e de amizade.
    A estruturação da Prefeitura do Distrito Federal (PDF) a partir de 1937 coincide com o período em que Saboya Ribeiro se encontra ligado a essa comissão. Em tese de 1936, o autor defende a instituição da gestão das cidades por comissões, citando expressamente uma Comissão do Plano da Cidade com o fim de “velar pelo crescimento das cidades e por seus melhoramentos; comissão apolítica e fora dos quadros administrativos das municipalidades e que grandes serviços tem prestado a cidades como N. York”

    Enquanto seus textos defendem a atividade de planejamento,
    a Prefeitura institucionaliza essa atividade e, em 1945, a comissão se transforma no Departamento de Urbanismo subordinada à Secretaria Geral de Viação e Obras, incorporando formalmente a atividade de urbanismo na administração local.

    Como resposta à ausência de um instrumento regulador para o Rio de Janeiro, a comissão define um plano, através da reunião de projetos, viários e de urbanização resultantes do desmonte de morros e do aterro de áreas, que expressa a opção pelo urbanismo entendido como um conjunto de obras e não pelo urbanismo proposto anteriormente por D. A. Agache, baseado em dados e levantamentos, embora contemplando intervenções locais. Inicia-se um período de intensa atividade para a Prefeitura propiciada pela centralização do poder de decisão e de
    recursos característica da administração em diversos setores durante o Estado Novo.

    Na XIª Feira Internacional de Amostras da Cidade do Rio de Janeiro em 1938
    a Prefeitura apresenta os projetos da Comissão do Plano da Cidade na administração de Dodsworth para a área da Esplanada do Castelo, do desmonte do Morro de Santo Antônio e do aterro resultante nos bairros da Glória e Flamengo. A exposição é visitada pelo Presidente Getúlio Vargas, que se compromete com a abertura da Av. do Mangue, posteriormente Presidente Vargas. Entre outras obras realizadas no
    período encontram-se a Av. Brasil, a Av. Tijuca, o Túnel do Leme, o Corte do Cantagalo e a urbanização da Esplanada do Castelo.
    A contribuição de Saboya Ribeiro para a Comissão está registrada nos projetos (PA)

    da Av. Botafogo-Leme (1938) e Túnel do Pasmado (1938), Av. Glória-Lagoa (1939), urbanização de parte dos bairros do Leblon (1939), Laranjeiras (1939) e da Esplanada de Santo Antônio (1941). Com o prolongamento da Avenida do Mangue, é também projetada, mas não executada, a Avenida Diagonal, cortando a área de desmonte do Morro de Santo Antônio e ligando a Lapa ao Campo de Santana. No caso da Praia de Botafogo o projeto inclui a área da Praia Vermelha e do bairro da
    Urca, onde o autor reafirma a proposta de Agache de localização da Cidade Universitária.

    http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S22.677.pdf

  13. A proliferação das favelas no Brasil, indica a falta de politica habitacional,que agora há uma corrida contra o tempo… provando assim,que o pobre se vira para sobreviver e ainda tem que arrumar um cantinho para morar e sempre se preocupar com uma possível “desocupação” como se fossem invasores,do mundo.

  14. … Fernando, estou no estado, e, ainda na cidade mais reacionária do país, São Paulo … Vivi grande parte de minha vida em um conjunto habitacional do IAPETEC, minha esposa era do IAPI, por esta razão consegui mudar minha vida e concordo plenamente com você “quem não ama o lugar de onde veio não merece ir a lugar algum” … Ah não sei estimar quantos brasileiro poderiam chegar longe, técnica e culturalmente, se tivessem a assistência que tive, mas com certeza seriam muitos … portanto continuar a inclusão social é primordial … DILMA_2014 …

  15. Não vivi a época do nosso grande herói Getúlio Vargas. Leio nos testemunhos dos outros, nos documentos da época, nas imagens e outros formatos que ele foi um grande presidente do Brasil.

    Luiz Inácio Lula da Silva recolocou o nome e as ações de Vargas na ordem do dia (o que o famigerado e finado FHC queria destruir de vez).

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